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Secretária pacata ou torturadora cruel? A vida dupla da acusadacomandar desaparições no regime Pinochet:
Rivas havia trabalhado entre 1973 e 1976 como secretária para Manuel Contreras, chefe da Direção NacionalInteligência (Dina), a polícia secreta criada pelo regime do general Augusto Pinochet no Chile para caçar seus adversários políticos.
Contreras morreu2015 enquanto cumpria uma sentençamais500 anosprisão por abusosdireitos humanos durante a ditadura, que durou1973 a 1990, período no qual mais40 mil oponentes do governo foram perseguidos e 3 mil, mortos.
Hoje, Rivas,66 anos, é acusada por autoridades chilenaster participado do sequestro e desaparecimento do então secretário-geral do Partido Comunista do país, Víctor Díaz - motivo pelo qual ela acabaser presaSydney, na Austrália, onde vive desde 1978.
De secretária a acusada
Durante o golpeEstado1973 no Chile, que pôs fim ao governo democraticamente eleitoSalvador Allende e impôs um militar, liderado por Pinochet, Rivas estudava secretariado executivo bilíngue.
Ela queria ser veterinária e havia sido aprovadauma universidade foraSantiago, mas como seu pai não a deixou a estudar fora, mudouideia.
Alguns meses depois do golpe e com seus estudos ainda incompletos, Rivas foi recrutada para um cargo no Ministério da Defesa.
No papel, ela era secretária da Direção NacionalReabilitação. Mas na prática, trabalhava para a recém-nascida Dina, que operou no Chile entre 1973 e 1977.
Décadas depois, foi comprovado que o órgão era o responsável pela tortura, morte e desaparecimentomilharespessoas durante o regime militar.
Ali chegou Rivas, inicialmente secretáriavários militares, incluindo Contreras, o braço-direitoPinochetassuntosinteligência e coerção.
"Como eu sabia inglês, me colocaram para traduzir o que chegavamicrofilmagem, todas as mensagens entre os grupos comunistas que seriam pegos nas operações", ela mesma conta diante da câmeraLissette, que juntou toda ainvestigação no documentário O pactoAdriana.
Rivas continuou fazendo traduções até que viu um memorando interno convidando mulheres a se inscreveremum cursoagenteinteligência.
"Eu tinha lido vários livrosLeon Uris que falavam sobre agentes árabes. Pensei: 'por que não?'."
Ninguémsua família imaginava que a extrovertida e sorridente Chany um dia seria acusadaser uma das agentesinteligência mais cruéis e impiedosas dentro do grupoelite da DINA.
Identificada como Tenente Lautaro, ela foi encarregadadesmantelar e fazer desaparecer a cúpula do Partido Comunista, segundo afirma a investigação judicial contra ela.
Mas Rivas insiste que nunca feriu ou torturou alguém, nem que esteve com qualquer preso.
"Quando li meu caso, caí dura porque nunca pensei que meus colegas poderiam fazer as coisas que diziam", disse ela àsobrinha no documentário.
Na salasua casa na Austrália - para onde voltou2011, violandoliberdade condicional -, Rivas continua insistindo eminocência.
A justiça chilena emitiu uma ordemextradição, que foi negada devido ao statusRivas como cidadã australiana. E ela não pretende voltar ao Chile para defenderinocência nos tribunais.
'Os melhores anos da minha vida'
A versãoRivas sobre seus anos na DINA tem mais glamour e menos sangue.
Ela diz ter trabalhadomissõessegurança menos significativas, mas que lhe deram a oportunidadese envolver com o crèmela crème da alta sociedade chilena.
"Como eu, graças a Deus, era bonita, tinha um corpo lindo e um bom comportamento, tinha classe. Sabia me comportar, comer, poderia ir a qualquer lugar e poderia me passar por um deles", conta no documentário sobre as dezenaseventosque compareceu.
"Por que digo que foram os melhores dias da minha vida? Porque isso era inacessível para nós, essa parte da vida dos ricos era impossível para mim. Você acha que eu, como secretária executiva, poderia ter ido almoçar no Palácio Cousiño (um dos prédios mais tradicionaisSantiago)? Mas eu vivi isso, eu estive ali", diz à sobrinha.
Na Dina, Rivas recebeu treinamentos que iam alémseu cargosecretária: tiro ao alvo, defesa pessoal, maquiagem e até mesmo atuação.
Ela trabalhou ali entre 1973 e 1976 e deixou o emprego no mesmo dia que umseus chefes preferidos, o general Contreras, contasobrinha.
Mas nem todos concordam que essas seriam as únicas tarefas que ela realizou durante os anostrabalho.
"Há uma política da DINAnão deixar ninguémfora. Você não podia ficar olhando, isso gerava desconfiança nos outros", diz o jornalista Javier Rebolledo, autorDança dos corvos, uma investigação jornalística que descortinou o caso da Tenente Lautaro.
"Para que os guardas se mantenham tão unidos, não basta simplesmente dizer 'sou superfiel à você'. Você precisa demonstrar", explica.
"O pactosilêncio vem daí. Não apenasse resguardar criminalmente, mas do fatoque o que fizeram é tão horrendo, tão horrendo, que é inconfessável. É muito terrível confessá-lo porque te invalida como ser humano", diz Rebolledo.
Duas viagens, um documentário
Desde o diaque descobriu no aeroporto quetia Chany não era quem ela pensava ser, Lissette começou a compilar informações e registrarvídeo a viagemsua tia, eprimeira pessoa.
A jovem não sabia que anos depois as imagens seriam transformadasum documentário que ela mesma dirigiria e estreariaum dos principais festivaiscinema do mundo.
O pactoAdriana acabouterpremière no FestivalCinemaBerlim, onde obteve uma ótima recepção do público.
"Tem sido muito emocionante", contou Lissette Orozco à BBC Mundo, aindaBerlim.
O documentário mostra duas viagens: aRivas por justiça, desde o tempoque detalhes sobreparticipação na DINA eram desconhecidos, até 2014, quando o depoimentouma testemunha-chave da investigação identificou a tenente Lautaro como uma das principais agentes e torturadoras.
Entrevistado também por Lisette, Jorgelino Vergara - que trabalhava como garçom no quartel Simón Bolívar, onde trabalhava Rivas - conta detalhes dos comportamentossua tia.
Segundo ele, certa vez tiveram que afastá-laum preso, que quase morreu a pauladassuas mãos.
"Não a vi matar pessoas, mas ela torturou algunsum nível que as deixou desfalecidas. Depois chegou a tenente Calderón e deu o golpemisericórdia, uma injeçãocianeto nas veias", disse Vergara.
O depoimento dele é indispensável: nenhum dos presos que passou pelo Simón Bolívar saiu vivo para fazer alguma denúncia.
A segunda viagem é a da própria Lissette com suas descobertas.
Ela partesua crença cega na "tia generosa" por quem ela colocaria as mãos no fogo - o que a levou a iniciar o documentário para contar a "verdade" - até um final aberto, que mostra a todos os principais atores e protagonistas da história.
O documentário pende muito mais para a visão dela como agenteinteligência e torturadora cruel. Poucos - praticamente apenas a própria Rivas - acreditam na versão da secretária bonita que desempenhava apenas funções básicas, como vigiar festas e revistar casas.
"Eu acredito que o papelum filme é fazer uma viagem pela memória. É a memória que minha tia quer eliminar para armar outra, a que eu luto para resgatar, a que minha bisavó não consegue esquecer", disse Lissette à BBC Mundo.
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