As mulheres que popularizaram mundialmente a 'Brazilian wax' - a depilação íntima brasileira:

Grafite feitoLondres
Legenda da foto, Enquanto alguns querem exterminar pelos pubianos, outros veem neles arma'resistência'

O estilo envolve a remoçãotodos os pelos da vagina e do ânus. Para efeito decorativo, uma certa quantidadepelo é deixada no púbis - a região triangular abaixo do abdômen -formatos opcionais: um triângulo, uma faixa estreita (a chamada pistaaterrissagem) ou até um coração, explicou Jonice.

Ela é a mais novasete irmãs cujos nomes começam com a letra "J". As outras são Jocely, Janea, Joyce, Juracy, Jussara e Judseia. Acabaram conhecidas como J Sisters (Irmãs J) porque os americanos não conseguiam pronunciar seus nomes.

Hoje, o salão é popular entre ricos e famosos, e as irmãs dizem ganhar até US$ 6 milhões (R$ 19,2 milhões) por ano com depilação e tratamentos para cabelos e unhas.

A trajetória das irmãs será contada no livro Wax and the City, da escritora brasileira Laura Malin, ainda sem data certa para publicação. Também há planosse levar a história para as telascinema..

"É uma história inspiradora,mulheres que venceram por conta própria, que vieram do nada, imigrantes ilegais que alcançaram o sucesso nos Estados Unidos", conta Malin.

De Vitória para Nova York

As irmãs nasceram na capixaba Vitóriauma família grande - eram sete irmãs e sete irmãos. O pai, tradicional, não deixava as filhas saírem sozinhas e tinha medoque trabalhassem para outras pessoas, contou Jocely.

Um dia, no entanto, o negócio do pai faliu. Para complementar a renda familiar, as irmãs abriram um pequeno salãobeleza nos fundos da casa. Logo tornaram-se a principal fonterenda da família e eram proprietáriastrês salões na cidade.

Com uma criação tão tradicional, o futuro das irmãs parecia estar traçado. Saircasa, só depois do casamento. Mas Jocely, a quarta irmã, sonhava conhecer o mundo. Ela economizou dinheiro e,1982, foi visitar uma antiga vizinha que havia se mudado para Nova York.

O plano era ficar um mês, mas Jocely gastou todos os seus dólares já nos primeiros dias. Para não tervoltar para casa antes da hora, decidiu fazer um bico como manicure no salãouma portuguesa.

J.Sisters

Crédito, Divulgação

Legenda da foto, As irmãs nasceramVitória e começaram com tratamentounhas

'Padrinho' influente

Naquela época, unhas falsas estavamvoga. Feitasacrílico, tinhamser removidas semanalmente, deixando as unhas dos clientespéssimo estado.

Jocely não falava inglês, explicou Malin. Mas aos poucos se tornou uma especialista na restauração das unhas danificadas. Sua reputação cresceu e ela acabou atraindo um freguês poderoso: o magnata comerciantearmas Adnan Khashoggi.

Khashoggi contratava Jocely durante um dia inteiro por semana, pagando US$ 100 por hora, para que ela cuidassesuas unhas entre uma reunião e outra.

Por intermédio dele, Jocely conheceu pessoas influentes, como Brooke Shields, Rod Stewart e editoresrevistasmoda como Elle e Marie Claire.

E agora ganhava bem. Uma a uma, as irmãs vieram trabalhar com ela.

Em 1987, as irmãs abriram seu primeiro salãomanicure. Na época, a localização, na 57th St, entre a 5th e a 6th Avenue, não oferecia muitos atrativos. E a atividade tão pouco.

No entanto, não havia exigêncialicença especial para o trabalhomanicure, então esse era um bom jeitocomeçar um negócio, explicou Jonice.

Poucos anos depois, as capixabas começaram a oferecer um estilo diferente - e até então sem nome -depilação a cera. Em vezretirar apenas os pelos da virilha, a nova técnica removia tudo, deixando apenas um poucopelo, como decoração, na região frontal.

Mais tarde batizadaBrazilian wax, a técnica tinha surgido a partiruma ideiauma das irmãs, Janea.

"É uma história engraçada", adiantou Malin.

Depilação a cera

Crédito, Thinkstock

Legenda da foto, Experiência pessoal levou irmãs a transformarem depilaçãonegócio

'Fabulosa'

Na década1970,férias na Bahia, Janea tinha ficado chocada ao ver pelos pubianos saindo pela partetrás do biquiniuma jovem na praia.

"Quer dizer que temos pelos ali?", pensou Janea.

Depoister a confirmação,casa,frente ao espelho, ela foi a um salão e pediu à depiladora que retirasse os pelos indesejados do seu traseiro. "Você está louca? Não vou tocar você aí", respondeu a esteticista.

Mas Janea estava determinada. Munidacera quente e um espelho, ela decidiu se depilar sozinha. Depoisalgumas tentativas - um tanto quanto dolorosas - conseguiu alcançar seu objetivo.

"Ela saiu do quarto se sentindo fabulosa", disse Malin.

O próximo passo foi convencer as irmãs a fazerem o mesmo. A reação, disse Malin, foi entusiástica.

"Não fico com vergonha quando estou na cama com um homem, não fico com vergonha do médico, me sinto mais limpa!", diziam as irmãs.

Grupos feministas questionariam a associação entre pelo pubiano, vergonha e sujeira. A grande maioria dos homens não se depila e nem por isso eles se sntem "sujos" ou envergonhados, argumentariam.

Em e-mail para a BBC Brasil, a escritora Laura Malin admite que noções como essas são resultadouma cultura machista. Mas faz uma ressalva:

"Vale lembrar que as sete J. Sisters são filhas das décadas (de 19)40, 50 e 60, do interior do Brasil. E elas floresceram nos anos 80. Seria injusto vê-las com olhostrinta anos depois."

Questionamentos à parte, quando a depilação "brasileira" foi apresentada pelas capixabas às novaiorquinas, a moda pegou rápido.

J. Sisters

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Legenda da foto, Jonice, Jocely, Janea, Joyce, Juracy, Jussara e Judseia são as proprietárias do salãoNY

Patentedisputa

"Nosso único erro foi não batizarmos a técnicaJ Sisters wax", disse Jonice.

Logo, apareceram rivais. Com a explosão da pornografia online na década1990, era cada vez mais comum ver-se atores com pouco ou nenhum pelo pubiano.

Em revistas como Playboy e Penthouse, modelos também apareciam quase totalmente depiladas.

Segundo Jonice, representantes da Playboy chegaram a telefonar para o salão, reivindicando a autoria da invenção.

"(A invenção) é nossa, fazemos isso no nosso site", teriam dito os representantes da marca.

Como defesa, Jonice teria dito que aquele tipodepilação era comum no Brasil. "Respondi que estávamos apenas apresentando a nossa cultura (aos americanos)", contou.

"Por isso, no mundo inteiro (o estilo) é conhecido como Brazilian. Disse isso para que me deixassempaz. Mas começou aqui - não lá", acrescentou.

Uma coisa é certa: a popularização e internacionalização do estilo com certeza passa pelo salão das J Sisters.

E para isso, as irmãs contaram com a ajuda das editoras das influentes revistasmoda, clienteslonga data. Eclientes famosas.

Um exemplo: as J Sisters foram consultadas pelos produtoresseriadosTV como Gossip Girls e Sex and the City.

"Sarah Jessica Parker (atriz principal do seriado Sex and the City) está sempre por aqui", disse Jocely.

Estudos

Aliás, desde que o seriado da produtora HBO Sex and the City abordou o assunto, o que as mulheres fazem com seus pelos pubianos - aparar, tirar com lâminabarbear, puxar com pinça, depilar com cera ou deixar tudo crescer - tornou-se temamuita conversa.

E tambémestudos científicos.

No início do ano passado,artigo na revista JAMA Dermatology, publicada pela Associação Médica AmericanaDermatologia, especialistas disseram que 84% das mulheres americanas que participaramuma pesquisa sobre o assunto disseram ter removido parteseus pelos pubianos.

Dessas, 62% disseram ter removido todos os pelos daquela região.

Os resultados também revelaram uma maior propensão, entre mulheres mais jovens, a remover pelos pubianos do que entre mulheres com mais40 anos.

Outro estudo, publicado pela revistasaúde sexual Journal of Sexual Medicine, vinculou o fenômeno da depilação pubiana à disponibilidadepornografia.

Um pouco mais preocupante, um terceiro estudo relacionou o hábitodepilar a um aumentoíndicesdoenças transmissíveis sexualmente.

Durante as Olimpíadas no Rio, ciclistas britânicos foram proibidosse depilar porque os pelos protegem a pele contra assaduras.

E finalmente, a bíblia da alta sociedade britânica - a Tatler Magazine - anunciou recentemente o retorno do visual "natural".

Ou seja, ao que parece, a depilação Brazilian pode estar saindo da moda.

Não que as J Sisters estejam muito preocupadas. Sempre inovando, as capixabas acabamreabrir seu salãoum endereço novo.

"Elas foram muito corajosas ao deixar uma cidade pequena no Brasil e seguirem para Nova York sem dinheiro e sem falar inglês", disse Karen Castanho, produtora que trabalhauma "dramédia" baseada na história das irmãs. "Elas têm tanta energia, nunca vi algo assim."

As filmagens para o longa J Sisters (o título é provisório) estão previstas para 2018.