O que esperar2017 na política internacional:
- O suposto uso pela Rússiainformações hackeadas na eleição americana;
- A repressão a rebeldesAleppo oriental, na Síria, e a seus apoiadores internacionais, envolvendo o usolarga escalaarmas banidasmuitos países;
- A decisão da Chinaignorar a decisão da Conferência da ONU sobre Leis Marítimas contrária à posiçãoPequimuma disputa territorial com as Filipinas;
- A decisãoalguns países, entre eles Rússia e África do Sul,se retirarem do Tribunal Penal Internacional;
- As ameaças a alguns acordoscomércio internacional, como o anúncio feito presidente eleito Donald Trumpque os Estados Unidos abandonará a Parceria Transpacífico.
O que vem acontecendo na Síria sinaliza o fracasso dos cinco membros permanentes do ConselhoSegurança da ONU - China, França, Rússia, Reino Unido e Estados Unidos -chegar a um acordo sobre como acabar com essa crise.
Na verdade, desde que a ONU foi criada,1945, as grandes potências raramente se uniram durante uma séria crise internacional e nunca fizeram isso quando interesses vitaisum membro permanente estavam ameaçados.
O endosso da ONU1991 à guerra contra Saddam Hussein liderada pelos Estados Unidos é um exemplo excepcional e efêmero do apoio do ConselhoSegurança a um conflito.
Nossa noção atual da ordem internacional "é baseadaum nível atípicodomínio americano, que sempre esteve fadado a acabar", acredita Patrick Porter, professorEstudos Estratégicos da UniversidadeExeter, na Inglaterra.
"Essa ordem está se desmanchandofora para dentro, conforme a transição do poder econômico do Ocidente para o Oriente torna mais difícil que o Ocidente imponha suas vontades."
Claro que muitos saudarão o fim deste superpoder americano esua dominância global, que prosperaram por muitos anos após o colapso do comunismo, e o surgimentoum mundo muito mais multipolar.
Em muitos países africanos e asiáticos, também há um sentimentoempoderamento conforme uma geraçãolíderes educadosuniversidades ocidentais dá lugar àqueles com uma visãomundo própria.
No caso da África do Sul e alguns outros países africanos que estão deixando o Tribunal Penal Internacional, isso é resultadouma percepçãoinjustiça, com o ministroInformaçãoGâmbia dizendo que a corte foi usada para "perseguir africanos e seus líderes".
Rússia e China também questionaram recentemente a competência da ONU para interferirdisputas territoriais que lhes são muito caras.
Se regras antigas vistas como tendo sido criadas por "colonizadores" ou potências ocidentais agora parecem ser menos relevantesmuitas partes do mundo, elas representam ao menos um sistemacredo com o qual muitos países estavam dispostos a se comprometer por décadas, ao menos nas aparências.
Ideologias que vêm emergindo com força - seja o pós-comunismo chinês, a noção russaque há um destino paranação criada a partirinfluências ortodoxas orientais ou as diferentes ideias islâmicas que baseiam as políticas sauditas ou iranianas - têm um apelo para seus próprios cidadãos, mas ninguém além disso.
A rejeição do status quo internacional é na verdade chave para muitas dessas narrativas nacionais e religiosas. Grupos não nacionais, como o Hezbollah ou o Boko Haram, para citar apenas dois, também representam desafios.
Em questõessegurança, finanças ou tecnologias, agentesquebra do padrão são uma grande ameaça à ordem estabelecida, acredita o general McChrystal, e "é tentador pensaruma visão pós-apocalípticaque sobreviverão os mais fortes".
Enquanto esses grandes desafios espreitam do ladofora, há também o que Porter considera ser um "colapso interno". Há hoje no Ocidente uma sériedivergências. A eleiçãoDonald Trump gerou, por exemplo, receiosnovas guerras comerciais.
Se o presidente eleito dos Estados Unidos cumprir suas diversas promessas, "estaremos nos dirigindo para um períododuras políticas internacionais: mais transacionais, com mais confrontos, impulsionadas por poderes e interesses nacionais,vezvalores ou conceitos relativos a uma comunidade internacional", diz Fraser.
Provavelmente, haverá mais ênfaseuma diplomacia bilateral (entre paresEstados) do queuma multilateral - e isso pode fazer com que as relações internacionais se pareçam mais com o que havia no século 19.
Porter argumenta que "estamos nos movendo desconfortavelmente e despreparados para uma diplomacia mais 'normal' historicamente,que grandes potências competem e colaboram simultaneamente".
A relação entre os presidentes turco, Reccep Tayip Erdogan, e russo, Vladimir Putin, é um exemplo interessante desta fase pós-ideológica dos assuntosEstado.
Ele passaramum estágioconfronto e sanções econômicas após a Turquia abater um jato russo para uma cooperação estratégica na Síria2016, depoisum encontro para aparar as arestas entre os dois países realizado na Rússia.
Mas conseguirão os países europeus e os Estados Unidos, comtradição democrática e gruposinteresses conflitantes, ser tão ágeis quanto líderes com poderes autocráticos?
Fraser acredita que "leis, organizações, tratados e outras 'regras do jogo' continuarão a ser essenciais, mas tomarão novas formas,contínua mutação dentro dos parâmetros geralmente aceitos por boa parte do mundo para que tenham alguma credibilidade".
Na situação atual, as sociedades ocidentais estãoligeira desvantagem: elas respeitam decisões internacionais, enquanto Rússia e China dizem que podem ignorá-las, como o Kremlin fez com a crise na Crimeia, alémPequim na disputa com as Filipinas.
Em muitos casos, suas forças armadas renunciaram ao usobombas e minas - armas amplamente usadas pela Síria e a Rússia nos últimos meses; e a habilidade do Ocidenteresponder à altura a ataques cibernéticos russos ou com qualquer caráter político é limitada, e,qualquer maneira, seria um uso questionável se aplicado contra paísesque há um amplo controle sobre a mídia.
Acrescente isso às tensões criadas pela estagnação econômica, o protecionismo e a retórica populista e você teráse perguntar seriamente se os clubes internacionais nos quais nossa noção"Ocidente" está baseada, como a OTAN e a União Europeia, serão capazessobreviver a 2017 da forma como existem hoje.
Uma sérieeleições na Itália, na Holanda, na França e na Alemanha podem representar um grande teste para o bloco europeu e, especialmente, o euro.
Quanto à OTAN, Trump já sugeriu que proteções conferidas pelos Estados Unidos no futuro dependerãoos aliados europeus aumentaremcontribuição financeira.
E, deixando claro que as ressalvas à garantiaajudaoutrora não é unilateral, a chanceler alemã Angela Merkel indicou que qualquer cooperação futura com os americanos dependerá do "respeito"Washington "à lei e à dignidade humana".
Nesse períodomudanças, haverá oportunidades e perigos.
A questão agora é se países ocidentais podem tirar proveito disso e comandar o desenrolar dos eventos ou se simplesmente ficarão a mercê deles.