'Vejo cenas iguais às da Somália': a luta solitáriaroleta realuma mulher contra a fome no Iêmen:roleta real
Agora ela tem distribuído remédios e comida com dinheiroroleta realseu próprio bolso, usando seu carro como uma clínica móvel.
A reportagem da BBC passou duas semanas com Ashwaq visitando regiões e vilas pertoroleta realAl Hudaydah e testemunhando cenas até então impensáveis no Iêmen.
Relato
Al Hudaydah, que é controlada por rebeldes houthis que tomaram o controle da maior parte do Iêmenroleta real2014, era até recentemente o pontoroleta realentradaroleta real70% da comida importada que chegava ao país.
Agora, não só está sob boicote, como também tem sido alvoroleta realataques aéreos da coalizão liderada pela Arábia Saudita ─ o próprio porto, que era um resort turístico na praia, está completamente destruído.
As bombas e o boicote passaram a representar uma ameaça dupla aos pacientesroleta realAshwaq .
"Se você não morre pelo ataque aéreo, você pode morrer doente por faltaroleta realalimento", diz ela. "E não há forma mais tristeroleta realmorrer do queroleta realfome", acrescenta.
Com o carro carregadoroleta realremédios, ela dirigiu com a BBC até Beit al-Faqih, 100km a sudesteroleta realHudaydah.
Outrora próspera, a vila se sustentava com a vendaroleta realbananas e mangas ao exterior, mas as exportações cessaram e a maioria dos trabalhadores perdeu o emprego.
As frutas acabaram se tornando caras demais para qualquer pessoa que vive no Iêmen.
É nesse local que conhecemos uma mãe e seu filho, Adbulrahman. A criança tem intolerância à lactose e a doença vem afetando seu crescimento.
"Quantos anos ele tem?", pergunto. "18 meses", responde ela. "Ele já deveria estar andando e falando agora", lamenta. E, imediatamente, cairoleta reallágrimas.
Abdulrahman precisaroleta realum tipo especialroleta realleite que não está disponível no Iêmen desde a destruição do portoroleta realHudaydah e o início do boicote.
Ashwaq diz à mãe que irá ajudá-la ─ antesroleta realperceber que essa era uma promessa que talvez nem ela seria capazroleta realcumprir.
Ela sabe que o menino pode morrer sem o leite, mas também tem consciênciaroleta realque será um desafio enorme encontrar o produto.
"Eu mesma já procurei por esse tiporoleta realleite antes e realmente não há lugar que tenha", diz.
Sua própria família enfrentou problemas similares. Depois que a guerra começou, o marido ficou doente: contraiu uma infecção no coração e precisava urgentementeroleta realremédio.
"Eu corri até o principal hospital cardíacoroleta realSanaa, mas como médica sabia o que eles estavam prestes a me dizer: que estavam sem estoqueroleta realremédio e que não poderiam fazer nada para ajudar", conta.
"Sou médica, meu marido estava morrendo na minha frente e não havia nada que pudesse fazer", acrescenta Ashwaq,roleta reallágrimas.
O marido conseguiu ir embora para a Jordânia, levando os dois filhos do casal para viverroleta realum local mais seguro. Eles já não vão mais para a escola.
"Estou cansada como médica, como mãe e como esposa", suspira.
Dirigindoroleta realvolta para Al Hudaydah, a reportagem avista pela janela um homem tomando banho ─ vestido ─ no meio da rua, enquanto crianças descalças correm ao redor dele. São iemenitas que fugiram para a cidaderoleta realáreasroleta realconflito mais intenso.
"Os ricos agora são a classe média, a classe média é agora parte dos pobres e os pobres agora estão morrendoroleta realfome", explica Ashwaq.
"Algumas dessas pessoas tinham uma vida como eu e você, e agora olhe para elas", diz, apontando para as pessoas na calçada. "Perderam tudo", conclui.
Na rua, uma mãe com três crianças conta que a família viviaroleta realHaradh, perto da fronteira com a Arábia Saudita, ao norte do país. Eles passaram mesesroleta realum camporoleta realrefugiados com pouco acesso à comida ou a medicamentos, mas o local foi bombardeado. O marido dela morreu no ataque.
Os iemenitas estão presosroleta realuma armadilha. Maisroleta real3 milhõesroleta realpessoasroleta realuma populaçãoroleta real27 milhões tiveram que abandonar suas casas. Enquanto isso, todos os portos foram fechados pela coalizão saudita, o que impede qualquer pessoaroleta realdeixar o país.
Para piorar, muitos países que um dia receberam iemenitas sem pedir visto agora estão fechando as portas para eles.
Viajando com Ashwaq,roleta realuma vila para outra, a reportagem encontrou diariamente crianças morrendoroleta realfome.
Ao mesmo tempo, está ficando mais difícil para que elas consigam tratamento no país. Boa parte dos hospitais do Iêmen teveroleta realfechar, seja por causa das bombas ou pela faltaroleta realmedicamentos.
A ala infantil do hospital centralroleta realAl Hudaydah está tão lotada que há duas ou três criançasroleta realcada leito.
Ali a BBC conheceu Shuaib, 4 anos. O avô dele tomou emprestado dinheiroroleta realvizinhos para ir ao hospital,roleta realbuscaroleta realtratamento para a febre e diarreia do menino.
Mas escutou dos médicos que não havia nada que eles pudessem fazer. "Nenhum dos antibióticos que temos aqui tratam o tiporoleta realbactéria que ele tem", disse o administrador do hospital.
O corporoleta realShuaib vai ficando mais frio a cada minuto, e seu avô apertaroleta realmão e chora.
Uma hora depois, Shuaib está morto. Seu avô chorava silenciosamente, cobrindo seu pequeno corpo com seu cachecol e o levando para a mãe do menino.
A própria Muharram está inconsolável. "Quem é responsável pela morteroleta realShuaib?", pergunta ela.
"A guerra! Mas ele será considerado uma vítimaroleta realnegligência do hospital. Milhares como ele estão morrendo. Será que eles precisam morrer bombardeados por um avião para serem reconhecidos como vítimas dessa guerra?", indaga.
Chega a notíciaroleta realque outro hospital, administrado pela ONG Médicos Sem Fronteiras, na cidade próximaroleta realAbs, foi atingido por bombasroleta realaviões da coalizão.
"Eles estão bombardeando hospitais! Por quê?", questiona Ashwaq. Uma das razões é que a Arábia Saudita acusa os rebeldes houthisroleta realusar hospitais para guardar armas.
No dia seguinte, a BBC visita o hospital dos Médicos Sem fronteiras. Nas ruínas da ala infantil, uma cena desoladora: velas, chapéusroleta realfesta e restosroleta realum boloroleta realaniversário se espalham pelo chão.
"As crianças estavam comemorando um aniversário antesroleta reala bomba atingir o hospital", explica a administradora do local, Yahia al-Absy.
No total, 19 pessoas morreram no ataque ─ e o governoroleta realAbs já não tem mais um hospital.
Em nota, o governo saudita negou estar atacando alvos civis ou missões humanitárias, alegando ser o maior fornecedorroleta realajuda humanitária para o Iêmen.
No dia seguinte, Ashwaq finalmente recebe boas notícias. Um amigo havia conseguido uma forma, a um alto custo,roleta realobter o leite que salvaria a vidaroleta realAbdulrahman.
Assistindo a todo esse desespero por duas semanas, é incrível poder ver pelo menos um final feliz. Abdulrahman pega a garrafaroleta realleite e bebe até a última gota ─ enquantoroleta realmãe, chorando, só sabe agradecer.
"Você trouxe felicidade para a minha casa", diz ela à médica, abraçando-a.
Apesarroleta realAshwaq ter conseguido salvar a vidaroleta realuma criança, outras milhões estão passando fome no Iêmen. Especialistas acreditam que, se algo não for feito agora, o país pode perder uma geração inteiraroleta realpessoas.
Conflito no Iêmen
O Iêmen estároleta realestadoroleta realsítio. Dois anos atrás, rebeldes houthis e seus aliados ─ uma facção armada leal ao antigo presidente Ali Abdullah Saleh ─ tomaram o controle da maior parte do país, incluindo a capital Sanaa.
O então governo foi forçado a fugir. A Arábia Saudita diz que foi chamada a intervir a pedido da própria liderança local.
Por 18 meses, uma coalizão liderada pelo país, apoiada pelos Estados Unidos e pelo Reino Unido, luta contra os rebeldes. Uma guerra que não tem previsão para terminar.