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O que foi a República das Letras, a 'rede social' das grandes mentes dos séculos passados:betboo bahis
Bracciolini havia enviado manuscritos antigos que ele havia descobertobetboo bahisbibliotecas monásticas, uma tarefa desempenhada pelos humanistas seguindo os passos do seu mestre.
Com a divulgação dos textos e a popularização do saber, o debatebetboo bahisideias deixoubetboo bahisser exclusivo dos universitários eclesiásticos. E, nesse diálogo mais aberto, até autores mortos chegavam a participar por meiobetboo bahissuas obras, graças ao contato com a Antiguidade e seu longo tempobetboo bahisexistência.
Mas a expressão República das Letras só se tornaria comum no século 17, quando intelectuais como o monge francês Noël Argonne (1634-1704) a descreveram:
Segundo Argonne, "a República das Letras tem origem muito antiga. Ela engloba o mundo inteiro e é composta por todas as nacionalidades, todas as classes sociais, todas as idades e ambos os sexos."
"Ela fala todos os idiomas, antigos e modernos. As artes se unem às letras e os artesãos também encontram seu lugar. O louvor e a honra são concedidos pela aclamação popular", escreveu Argonnebetboo bahis1699.
De fato,betboo bahisum mundo com hierarquias sociais bem definidas e divisões políticas e religiosas tão profundas que, muitas vezes, acabavam desembocandobetboo bahisguerras, os cidadãos da República das Letras, ou República Literária, defendiam que todos eram iguais e que qualquer argumento que impulsionasse o saber era importante.
Não havia cidadania formal. As pesquisas, publicações e escritos eram a cédulabetboo bahisidentidade dos seus cidadãos.
Ela começou centralizada na Europa, mas, no século 18, a República das Letras já havia se expandido para lugares como Batávia (hoje Jacarta, na Indonésia), Calcutá (Índia), Cidade do México, Lima (Peru), Boston e Filadélfia (Estados Unidos), chegando ao Riobetboo bahisJaneiro.
Eram muitos os cidadãos dessa república. Para dar uma ideia, entre eles estavam o italiano Galileu Galilei, o inglês John Locke, o holandês Erasmobetboo bahisRoterdã, o francês Voltaire e o norte-americano Benjamin Franklin.
Já as mulheres erambetboo bahismenor quantidade, mas não menos expressivas. Intelectuais como Anna Maria van Schurman, a princesa Isabel da Boêmia, Mariebetboo bahisGournay, Marie du Moulin, Dorothy Moore, Bathsua Makin, Katherine Jones e Lady Ranelagh foram algumas das participantes ativas da República das Letras no século 17.
Esse grupobetboo bahisfilósofas, professoras, reformistas e matemáticas da Inglaterra, Irlanda, Alemanha, França e Holanda, ao ladobetboo bahisoutros pares masculinos como René Descartes, Christiaan Huygens, Samuel Hartlib e Michelbetboo bahisMontaigne, representava o espectro do enfoque da ciência, política, fé e avanço da educação vigente na época.
As Letras
A República das Letras nasceu e cresceu antes da compartimentalização do conhecimento. Naquela época, todos os que se dedicavam a cultivar o intelecto eram literalmente "filósofos" - cujo significado etimológico é "amigos do saber" - sem distinção entre disciplinas acadêmicas, nem divisões como "ciências exatas" e "humanas".
Existiam os especialistas, mas todos costumavam estudar latim e grego, alémbetboo bahishistória, lógica e outras disciplinas. Por isso, não era raro, por exemplo, um matemático como Isaac Newton dedicar anos a experimentos com alquimia e a reescrever a história do mundo antigo.
Por isso, quando se falabetboo bahisRepública das "Letras" ou "Literária", engloba-se todo o conhecimento: matemáticos, naturalistas, astrônomos e médicos se identificavam totalmente com essa denominação.
Mas esse nome também incluía um sentidobetboo bahisaprendizado,betboo bahisbusca do saber. Era uma comunidadebetboo bahisestudiosos, uma fraternidadebetboo bahiscuriosos.
Sua língua oficial era o latim, o idiomabetboo bahistodos os eruditos até 1650 e que continuou desempenhando um papel importante, embora o grego e o hebraico também fossem utilizados.
E, do século 15betboo bahisdiante, o uso culto das línguas vernáculas possibilitou um novo discurso, mais inclusivo.
Palavra escrita
No centro dessa vida intelectual, estava a trocabetboo bahiscartas.
A imprensa contribuiu muito com o auge da cultura intelectual a partir do Renascimento, mas os livros ainda eram raros e caros. As cartas preenchiam essa lacuna, permitindo comentários, consultas, exposiçãobetboo bahisideias e debates. Por isso, os chamados homensbetboo bahisletras dedicavam muito tempo e reflexão a todas as cartas, enviadas e recebidas.
Não é à toa que as escrivaninhas costumavam estar entre os móveis mais belos e elaborados já projetados.
E "os secretários eram indispensáveis, pois, se você fosse um erudito famoso, a correspondência era tanta que era preciso ter ajuda", segundo declarou o historiador Peter Burke para a BBC News Mundo, o serviçobetboo bahisespanhol da BBC.
Nessa rede social, como nasbetboo bahishojebetboo bahisdia, os escritos cobriam espectros muito amplos - desde discussões sobre história, política, filosofia, pesquisa científica e educação até notícias, fofocas, brincadeiras, poemas, experiências pessoais e outras.
Em algumas ocasiões, as cartas eram dissertações completas sobre temas científicos, resenhasbetboo bahislivros recém-publicados, coletâneasbetboo bahisescritos ou cópiasbetboo bahisinscrições. A única formabetboo bahisreconhecer que elas eram cartas era examinar o início e o final do documento.
Cartas escritas com tanto esmero e frequentemente com conteúdo valioso normalmente não eram jogadas fora, mas sim preservadas.
Essa imensa herança cultural - que inclui, por exemplo, cercabetboo bahis20 mil cartasbetboo bahisVoltaire e 13.600 do médico e naturalista italiano Antonio Vallisneri (1661-1730) - está sendo digitalizadabetboo bahisgrandes projetos que retomam as aspirações da República das Letras.
E as cartas estão sendo usadas para mapear a própria República, fornecendo uma dimensão visual àquele lugar metafórico.
Regras tácitas
Na República das Letras, todo cidadão precisava participar do intercâmbiobetboo bahisinformações. E, assim como a posição social não era impedimento para fazer parte da República, a distância também não era obstáculo.
As inúmeras cartas geradas pela República das Letras eram enviadas pelo correio ou por meiobetboo bahisamigos, comerciantes ou diplomatas, para que fossem entregues pessoalmente.
Quando um destinatário recebia carta, esperava-se que ele a fizesse circular, pois o objetivo principal era sempre a difusão da informação, o desenvolvimento e a expansão do conhecimento. Nem mesmo os livros e manuscritos frequentemente recebidos por meio da rede deveriam ficar nas mãosbetboo bahisuma única pessoa.
Era bem visto que o destinatário agradecesse pela correspondência com um antidoron - um presentebetboo bahisvolta.
A palavra falada
Frequentemente, os portadores dessas cartas eram jovens que faziam seu Grand Tour pela Europa, uma viagem tradicional que era parte da educação daqueles que tinham condiçõesbetboo bahisfazê-la.
Mas muitos outros cidadãos da República das Letras perambulavam pelo continente, levando consigo cartasbetboo bahisrecomendação, e eram recebidosbetboo bahisbibliotecas, arquivos, coleçõesbetboo bahisantiguidades greco-romanas oubetboo bahisespécies raras.
Esse procedimento ritualizadobetboo bahisestudos era conhecido como peregrinatio academica e incluía uma oportunidade inigualável: visitar e conversar com os eruditos locais. A conversa culta era outro ideal dessa rede internacional - e não só nos encontros mais íntimos com os sábios.
A imagembetboo bahisum pequeno grupobetboo bahisamigos reunidosbetboo bahistorno da mesabetboo bahisuma casabetboo bahiscampo recordava o antigo simpósio filosófico grego. Ela influenciou a cultura do salão, dos eventos privadosbetboo bahisresidências com uma listabetboo bahisconvidados selecionados e a cultura dos cafés, que recebiam cidadãos da República para falar sobre os assuntos que ocupavam suas mentes.
O princípio do fim
Em nível mais institucional, a conversa encontrou outro polo no século 17, com a fundaçãobetboo bahisacademias e sociedades, como a Sociedade Realbetboo bahisLondres e a Academia Francesabetboo bahisCiências.
De certa forma, eram versões mais oficiais da redebetboo bahiscorrespondência, já que elas ofereciam um lugar onde poderiam ser realizadas conferências, experimentos e demonstrações ao vivo. Essa comunicação para muitas pessoasbetboo bahisuma só vez demoraria muito tempo, se fosse feita pelo correio.
E, embora os livros tenham sido parte essencial da República das Letras - muitos deles, ricamente ilustrados, fazendo com que os artistas se tornassem cidadãos da República -, as academias publicavam revistas, como a famosa Nouvellesbetboo bahisla République des Lettres ("Notícias da República das Letras",betboo bahistradução livre), que reuniam as informações e as difundiam para sociedadesbetboo bahisdiversos países.
Foi assim que as academias e sociedades literárias começaram a assumir parte das atividades da erudição. E, pouco a pouco, a República das Letras foi desaparecendo. Segundo alguns historiadores, as mudanças sociais e tecnológicas foram responsáveis pelabetboo bahisdesintegração.
Invenções como o telégrafo e os avanços no setorbetboo bahistransporte, como as ferrovias e os navios a vapor, facilitaram as comunicações. A impressão ficou melhor e mais barata, permitindo que as notícias e opiniões fossem distribuídasbetboo bahisforma mais ampla.
Mas há intelectuais que garantem que a República das Letras nunca desapareceu.
Dos cavalos até a internet
Um desses estudiosos é Peter Burke, professor eméritobetboo bahishistória cultural da Universidadebetboo bahisCambridge, no Reino Unido, e autorbetboo bahisdiversos livros sobre história cultural e intelectual. "Do meu pontobetboo bahisvista, a única mudança foi a formabetboo bahiscomunicação", segundo ele.
"Por isso, faço distinção entre o que chamobetboo bahis'a república movida a cavalos', que é a tradicional que todos mencionam, e a 'república a vapor', que chegou posteriormente, quando as ferrovias possibilitaram a criação das conferências acadêmicas internacionais na segunda metade do século 19 e os navios a vapor permitiram que alguns acadêmicos, como Max Weber, dessem conferências nos Estados Unidos", explica o professor.
"Depois da república do vapor, surgiu a 'república do jato', quando era possível viajar por todo o mundo, trocando conhecimentos. E, por fim, a 'república virtual', que permite a colaboração por e-mail", segundo Burke, trazendo a fraternidade para o tempo presente, na qual todos nós podemos fazer parte.
Como todo cidadão da República das Letras, Burke acrescenta: "não elimino nenhuma dessas formasbetboo bahiscomunicação que ajudaram os estudiosos a auxiliar-se e colaborar uns com os outros, o que não significa que sempre tenha sido assim, mas que existia pelo menos uma éticabetboo bahiscooperação".
Este é o ponto central dessa república espetacular: a éticabetboo bahiscolaboraçãobetboo bahisprol do saber, superando todos os obstáculos.
E, ainda que a República das Letras à qual seus cidadãos juraram lealdade por séculos seja um lugar que só existe na nossa mente... não seria este também o caso, até certo ponto,betboo bahistodas as repúblicas?
Texto originalmente publicadobetboo bahishttp://vesser.net/geral-63059535
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