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'O olho estava pressionado para fora do crânio': a cirurgia inédita que curou doença raramenina brasileira:
Atenção: algumas imagens que aparecem ao longo da reportagem podem ser sensíveis para algumas pessoas.
Primeiros sinais
Cleci Haerter, mãe-avóYasmin, relata que o primeiro sinalalgo errado no olho apareceu quando a menina tinha apenas dois anos.
À época, a família morava na cidadeSanto Ângelo, no interior do Rio Grande do Sul.
"Ela acordou com o olho direito levemente inchado e achamos que era uma conjuntivite", lembra.
"Com o passar do dia, começamos a notar que o globo ocular começou a inchar demais."
Na manhã do dia seguinte, elas já estavamPorto Alegre, capital gaúcha, para uma bateladaexames.
A primeira suspeita dos médicos era aque se tratavaum linfoma, tipocâncer que afeta o sistema linfático, uma redevasos e gânglios importantíssima para o funcionamento do sistema imunológico.
Os testes mostraram, porém, que o problema era outro: Yasmin tem linfangioma, uma doença marcada pela formação anormal dos vasos linfáticos (e tambémvasos sanguíneos), que se aglomeramdeterminada região e podem se dilatar, causar inchaços e promover o acúmulolíquidos.
Segundo os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, essa doença é rara e acomete um indivíduo a cada 10 mil nascimentos.
Só que o quadro da meninasete anos era ainda mais atípico: essas malformações linfáticas costumam se desenvolver na região da cabeça e do pescoço.
Na Yasmin, o linfangioma estava localizado atrás do olho — o globo ocular é "empurrado" para frente por causa do inchaço dos vasos e do acúmulolíquidos ali.
Esse tipo da enfermidade é tão incomum que nem existe uma estatística oficialquantos casos são conhecidos no mundo.
Calmaria e tormenta
Após esse primeiro episódio aos dois anos — que foi tratado com uma drenagem do líquido — a vidaYasmin seguiu relativamente normal.
"Quando víamos que o olho dela começava a inchar, já fazíamos compressasgelo para reduzir o edema", diz Haerter.
"Na escola, sempre conversava com a direção e os professores para que a Yasmin não fizesse muito esforço físico, pois isso poderia ser o gatilho para uma nova crise", acrescenta a mãe-avó.
O exercício mexe com os batimentos cardíacos, altera a pressão arterial e dilata os vasos sanguíneos. Isso, porvez, poderia levar a um transbordamentolíquidos no linfangiomaYasmin.
Nesse meio tempo, a família se mudou para a cidadeCascavel, no Paraná.
E é justamente aí que entra o fatídico episódio do caboguerra: no colégio, a menina participou da brincadeira com os colegas e, horas depois, já apresentava da alteração típica do linfangioma.
Tudo começou com uma pequena mancha roxa na pálpebra, que logo evoluiu para a projeção do olho para frente.
"Tentamos controlar o inchaçocasa e a levamos para dois oftalmologistas, mas ninguém sabia do que se tratava", conta Haerter.
"O olho começou a ficar muito saltado, estava pressionado para fora do crânio. Ela também estava com dor, não conseguia comer e só vomitava."
Haerter ligou então para o Hospital Pequeno Príncipe, que fica a cerca500 kmdistância,Curitiba, e é referência na áreapediatria.
Ela já havia cadastrado Yasmin para uma avaliação na instituição e aguardava na filaespera para atendimento pelo Sistema ÚnicoSaúde (SUS).
"Eles nos orientaram a levá-la com urgência. Saímos daqui por volta do meio-dia e chegamosCuritiba às dez da noite."
"A Yasmin ficou internada e passou por radiografia, tomografia e ressonância magnética enquanto os médicos decidiam o que fazer", resume.
Região delicada
A pediatra Rafaela Wagner, que trabalha no hospital e atendeu Yasmin, se recorda como a situação causou um impacto instantâneo.
"Ela estava com uma lesão deformante quando a vimos pela primeira vez", diz.
Naquele momento, o olho da menina estava tão projetado para fora que as pálpebras não eram mais capazesfechar completamente.
"Além da alteração física, o problema acometia uma região nobre e delicada, onde passa o nervo óptico", detalha.
Esse nervo é o responsável por transmitir a luz e os elementos visuais do olho ao cérebro, onde essas informações serão interpretadas.
O primeiro passo do tratamento envolveu controlar os sintomas, como a dor, e evitar outros problemas secundários, como uma infecção, por meio do usoantibióticos.
Mas como resolver o problemasi e colocar o olhovolta no lugar?
Por ser uma doença rara e que envolve múltiplos sistemas do organismo, o linfangioma pode ser tratado por diversas especialidades médicas, que vão desde a oncologia e a neurologia até a oftalmologia e a cirurgia.
Essa situação exigiu um verdadeiro batalhãoprofissionais da saúde, que analisaram o caso para encontrar a melhor alternativa.
No final das contas, a solução para o problema da Yasmin caiu nas mãos da radiologia intervencionista, uma área relativamente nova na medicina que usa equipamentosradiografia para analisar partes do corpotempo real durante um procedimento.
Uma picada
A menina foi encaminhada para a sala da hemodinâmica, que possui os equipamentos necessários para realizar uma operação do tipo, e ficou aos cuidados dos radiologistas intervencionistas pediátricos Pedro Santini e Helder Groenwold Campos.
Depoisrealizar o planejamento cirúrgico por meioalguns exames, a dupla inseriu uma agulha na região entre a base superior do nariz e o olho lesionado.
Para guiar o procedimento, eles contaram com uma máquina que faz radiografiatempo real, e permite que visualizem o local exato onde iriam intervir.
"O primeiro passo foi drenar o líquido que havia se acumulado ali", descreve Campos.
Os especialistas retiraram 12 mililitrosum material vermelho-escuroaspecto pegajoso.
Essa quantidade pode até parecer pouco, mas quando ela se acumula no espaço tão apertado atrás do olho, é capazcausar muitos problemas.
O próximo passo foi aplicar um quimioterápico, remédio que destrói apenas as células defeituosas que constituem o linfangioma.
"A ideia é fazer com que a malformação paresecretar os líquidos que causam o inchaço e todas as complicações relacionadas", resume Santini.
'Parece mágica'
Finalizado o procedimento, Yasmin ficouobservação por algumas horas.
Quando Haerter finalmente pode ver a filha-netanovo, não acreditou no que seus olhos mostravam.
"Foi maravilhoso ver como ela já estava com um aspecto 98% normal", estima.
"Eu estava super nervosa, porque a cirurgia aconteceu numa região muito delicada. Mas nem parecia que ela tinha passado por um procedimento ali", confessa.
Para Santini e Campos, recuperações rápidas e pouco traumáticas não são exatamente uma novidade.
"Não fazemos grandes incisões. Todo o material é guiado por agulha, atravéspequenos furos na pele", diz Campos.
"As pessoas às vezes esperam que o paciente vai sair com curativos e cicatrizes quando, na verdade, às vezes nem dá pra ver o furinho da agulha depois", complementa.
Um tratamento desses pode ser feito até com anestesia local quando o paciente é adulto — no público infantil, os especialistas fazem uma sedação para evitar que a criança se mexa ou fique muito assustada.
Mas mesmo para Wagner, a pediatra que acompanhou todo o caso, os resultados são "impressionantes" e "parecem mágica".
"Essa é a beleza do procedimento minimamente invasivo. Foi muito significativo ver o antes e depois da Yasmin", conta.
Cura ou controle?
Passado o momento mais grave da crise, os especialistas avaliam agora qual será o futuro do tratamento da menina.
Ela toma um comprimido1212 horas, para manter a inflamação sob controle e evitar novos inchaços.
A intervenção cirúrgica inédita foi considerada um sucesso pelos radiologistas intervencionistas.
"Tivemos uma redução superior a 75% e, após um mêsacompanhamento, não tivemos a formaçãouma quantidade significativalíquidos novamente", pontua Santini.
Mas os especialistas são cautelososusar a palavra cura para um caso desses.
"Precisamos acompanhar por mais tempo para ver se não ocorrem mudanças e o problema volta daqui a dois, três ou cinco anos", afirma Campos.
Do pontovista prático, a Yasmin está liberada para seguir uma rotina normal.
"A nossa recomendação é que ela seja criança e possa brincar livremente", orienta Wagner.
Para Haertner, essas notícias representam um alívio dos grandes.
Ela também acredita que contar histórias como essa ajuda a alertar outros pais que podem estar numa situação parecida e ainda não conseguiram fazer o diagnóstico adequado ou encontrar o tratamento mais efetivo para um problema.
"Parece que saiu uma tonelada das minhas costas", compara.
"Não tem palavra que possa resumir o sentimentover a Yasmin feliz e com qualidadevidanovo", conclui a mãe-avó.
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