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Da comida à religião: as semelhanças entre Rússia e Brasil:x motion
Gigantes
Ambos estão na seleta lista dos paísesx motiondimensões continentais. A Rússia — que na época da União Soviética chegou a ter uma áreax motion22,5 milhõesx motionquilômetros quadrados — lidera o ranking mundial com impressionantes 17 milhõesx motionquilômetros quadrados. Caberiam na Rússia quase 39 milhõesx motionVaticanos.
O Brasil não perde feio. Com 8,5 milhõesx motionquilômetros quadrados, é o quinto maior país do mundo.
Essas enormidades fazemx motionambos os territórios espaço para diversidades climáticas e culturais. E isso se reflete até nos fusos horários: o Brasil tem quatro, a Rússia tem 11.
Em termos populacionais, o Brasil está na frente. Tem a sexta maior população do mundo, com 216 milhõesx motionhabitantes. Os russos são 145 milhões — figuram na nona colocação.
Por outro lado, parece que atraímos mais os russos do que o contrário. Dados mais recentes do Ministério das Relações Exteriores registram apenas 1,1 mil brasileiros vivendo na Rússia. Segundo a Embaixada da Federação Russa no Brasil, há 35 mil russos vivendo no Brasil. No livro Imigrantes Russos no Brasil, o pesquisador Igor Chnee afirma que vivemx motionsolo brasileiro 1,8 milhãox motiondescendentesx motionimigrantes russos atualmente.
Novelas e futebol
Russos e brasileiros compartilham alguns gostosx motioncomum. As novelas, por exemplo. Produções nacionais são exibidas por lá desde a época soviética — com A Escrava Isaura. E seguem sendo um hit.
"Fonte inesgotávelx motioninformações sobre cenários e comportamentos tipicamente brasileiros, as nossas novelas continuam fazendo sucesso na Rússia", diz Oswald,x motionseu livro. "Acho que boa parte da simpatia que nutrem por nós […] vem das imagens que guarda das novelas. Descobri, inclusive, que as novelas brasileiras estão entre os itens mais pirateados da internet russa, segundo dadosx motionuma empresax motionsegurança que acompanha movimentos suspeitosx motioncópias e reproduções piratas na rede."
"É comum vê-los sonhando com as praias cariocas", acrescenta ela.
O futebol é outra paixãox motioncomum. E aí russos não pestanejamx motionexaltar nomes como Pelé, Ronaldinho, Kaká, Neymar… E Vágner Love, atacante que está longex motionter se tornado uma unanimidade no Brasil, mas que fez história no clube CSKA Moscou, onde jogoux motion2004 a 2012 e, depois, novamentex motion2013.
Coincidentemente, Brasil e Rússia foram os países-sede das últimas duas Copas do Mundo, respectivamentex motion2014 e 2018.
Religião
Maisx motion100 milhõesx motionrussos se declaram cristãos da Igreja Ortodoxa — embora se estime que o númerox motionfiéis ativos esteja entre 20 e 30 milhões. No Brasil, são quase 119 milhõesx motioncatólicos — e 170 milhões que se dizem cristãos.
Além da religiosidadex motionsi, a história das duas principais denominações religiões também diz muito sobre a formação socialx motionambos os países. Isto porque as igrejas Católica Apostólica Romana e Ortodoxa Russa têm uma raiz comum — e guardam semelhanças e uma relaçãox motionrespeito mútuo.
O racha histórico entre esses dois mundos ocorreux motion1054, no episódio chamadox motionCisma do Oriente. Conforme explica o vaticanista Filipe Domingues, doutor pela Pontifícia Universidade Gregorianax motionRoma e vice-diretor do Lay Centrex motionRoma, uma diferença importante é que a Igreja Ortodoxa "não tem a autoridade central, como os católicos têm o papa".
"São igrejas autocéfalas, com patriarcas, que são líderes locais. No caso russo, há a figura do patriarcax motionMoscou, atualmente Cirilo 1º. Para os ortodoxos, papa Francisco seria o "patriarcax motionRoma".
A relação é amigável. Em 2016, Francisco e Cirilo se encontraram,x motionum gesto histórico. "Ao mesmo tempo, é uma relaçãox motioncuidado, diplomática. Porque a Igreja Russa é muito influenciada pelo governo russo", diz Domingues.
Nesse sentido, pode haver algum paralelo com o presidente brasileiro Jair Bolsonaro, que costuma adotar pautas moralistas, se aproximando do eleitorado cristão conservador.
"[O presidente russo Vladimir] Putin usa a Igreja Ortodoxa como um meiox motioncontrole. É quase a religião oficial. Os bispos agem como parte do governo russo", analisa Domingues.
Uma nostalgia reacionária
Na política, o pesquisador Paulo Rezzutti, autorx motiondiversas biografias sobre personalidades do antigo império brasileiro e do recém-lançado Os Últimos Czares - Uma Breve História Não Contada dos Romanov, observa que "as simpatias monarquiasx motionambos os países nunca morreram".
"Acabaram se metamorfoseando com o tempo", pontua ele. "A extrema-direita,x motionambos os países, é anticomunista e tradicionalista, autoritária e nacionalista. O que une muitos dentro desse espectro político é o tradicionalismo, representado pela monarquia, tanto que diversos políticos brasileiros não tiveram o menor escrúpulox motionsurfar na onda o movimento, sem saber o mínimo sobre nossa história e seus personagens e ainda tentando emplacar fake news a respeito deles."
"Aqui no Brasil, a bandeira do Império brasileiro retornoux motionalguns gabinetes políticos e até chegou a ser hasteadax motionalgumas cidades", lembra Rezzutti. "Na Rússia, houve ameaçasx motionbombasx motioncinemas e uma crítica feroz ao filme Mathilde,x motion2017, sobre uma bailarina que foi amante do czar Nicolau 2º."
Nesse sentido, a religiosidade também permeia os discursos. Se entre parcela dos monarquistas brasileiros há um movimento que pede a canonização da princesa Isabel, os Romanov já gozam dessa prerrogativa dos altares.
"Nicolau, Alexandra e os cinco filhos foram canonizadosx motion1981 como neomártires pela Igreja Ortodoxa Russa no exterior. Para esse ramo, por ter sido chefe espiritual da Igreja Ortodoxa, Nicolau fora sacrificado por causax motionsua fé, e isso era provax motionsua santidade", contextualiza o pesquisador.
"A Igreja Ortodoxa Russa, depoisx motionmuito debate, também canonizou posteriormente Nicolau, Alexandra e os filhos, mas como portadores da paixão, ou seja, pessoas que encararam a morte com resignação. A evidência disso seria o sinal da cruz feito por Alexandra e Olga antesx motionmorrerem", completa.
Vícios
Bebe-se muitox motionambos os países, é verdade. Nos dois casos, acima da média global —x motiontornox motion6,2 litros por pessoa ao ano. Mas entre cachaças e vodcas, os russos são muito mais exagerados do que os brasileiros: 15,2 litros anuais per capita, contra 8,7.
"O riscox motionmorte violenta entre os homens […],x motiongeral causada pelo abusox motionálcool ou drogas, éx motiontrês a quatro vezes superior aox motionoutros países da Europa e das Américas", pontua Oswald,x motionseu livro sobre a Rússia. "O álcool, o tabaco e, mais recentemente, as drogas estão entre os principais responsáveis pela morte precoce dos locais, sobretudo dos homens."
Segundo a autora, o álcool é visto como um dos maiores vilões da nação. "Chama a atenção do estrangeiro a relação dos russos com a bebida. Homens e mulheres podem ser vistos a qualquer carregando garrafas graúdasx motioncerveja pela rua", frisa ela.
"Uma das imagens clássicas do inverno é ax motiongarrafasx motionvodca enterradas parcialmente na neve", conta. "Alguns dos seus donos acabam na mesma situação. Reza a lenda que se a nevasca for muito intensa e o gelo durar por muito tempo, só são encontrados depoisx motionpassado o inverno."
E se no Brasil cigarro é algo visto como forax motionmoda, e principalmente os jovens não demonstram interesse pelo tabagismo, na Rússia o cenário é preocupante. De acordo com dados do livro Com Vista para o Kremlin, 75% dos homens fumam e 70% dos estudantes na faixa entre os 13 e 18 anos também alimentam o vício. Além disso, o tabagismo faz parte do cotidianox motionmetade das grávidas.
No prato
De um lado, delícias como a feijoada. De outro, pratos famosos como estrogonofe.
Que, vale ressaltar, ganhou também suas versões brasileiras e caiu no gosto popular. A jornalista Vivian Oswald conta,x motionseu livro, que os russos "surpreendem-se ao descobrir que o brasileiro come seu aportuguesado estrogonofe sempre, desde criança".
Mas as diferenças estão nos ingredientes. Na Rússia, não vai tomate. E o cremex motionleite é uma versão um pouco diferente, chamadax motionsmetana, comum aliás aos paísesx motioncultura eslava. "O prato costuma ser servido com batatas cozidas ou purêx motionbatatas", detalha a jornalista. "Arroz, muitox motionvezx motionquando. E não é lenda: as russas,x motionfato, têm a receita na ponta da língua."
O mais importante, contudo, é a carne. Ao contrário das invenções brasileiras — com versõesx motionfrango e até camarão —, para um russo não é admissível estrogonofe que não seja feitox motioncarnex motionboi.
Na alta gastronomia os russos também têm seus expoentes. No mesmo estilo do brasileiro Alex Atala — ou seja, com a ideiax motionfazer um mergulho nas tradições culinárias e reinventá-las com pose contemporânea e preços exorbitantes — o White Rabbit faz sucessox motionMoscou. Em comum, ambos são há anos figurinhas fáceis nos rankings dos melhores restaurantes do mundo e estrelam episódios da cultuada série Chef's Table, da plataforma Netflix.
A nostalgia pelo passado
São dois lados opostos, mas muito provavelmente da mesma moeda: a nostalgia russa e a saudade brasileira tem bem aquele espírito que jocosamente costuma ser chamadox motion"viúvo da ditadura".
Assim como no Brasil muitos celebram com "bons tempos" aquele períodox motionregime militar opressor, muito provavelmente pela memória embaçada pelo passar do tempo, pela censura que não permitia saber das corrupções e das violência impostas pelas instituições, na Rússia não são poucos os que lamentam pelo passado glorioso — no caso, o período socialista soviético.
"[A nostalgia] está na maneira como idealizam o passado da potência que querem ressuscitar com o capitalismo e velhos sonhos prometidos pela propaganda soviética que alguns juram ter sido realizados", comenta Oswald,x motionseu livro.
"Fala-se com saudade dos temposx motionque a vida era mais dura, masx motionque os aposentados não precisavam arranjar bicos ou pedir esmolas para viver os anos que lhes restavam depoisx motionuma vida inteirax motiontrabalho", exemplifica ela.
Como brincam os memes, são as "saudades do que não vivi". Quem nunca?
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