'2021 foi o melhor ano da minha vida': as conquistas do autor que vivecasa de aposta bonuscorpo 'estranho e disforme':casa de aposta bonus
A celebração é porque neste ano ele publicou dois livros - a autobiografia Formas propias, diariocasa de aposta bonusun cuerpo en guerra (em tradução livre, "Formas próprias, diáriocasa de aposta bonusum corpocasa de aposta bonusguerra") e Los Despiertos (uma coleçãocasa de aposta bonusrelatoscasa de aposta bonusseus enfermeiros e cuidadores noturnos) -, apresentou-se pela primeira vezcasa de aposta bonuspúblico como rapper, compôs dezenascasa de aposta bonuscanções e está se preparando para estrear como atorcasa de aposta bonusum filme do diretor argentino Luis Ortega.
"Não parocasa de aposta bonuscriar, minha cabeça não para", conta o jovemcasa de aposta bonus23 anos.
"Fernández Burzaco não olha o mundo com fragilidade, mas sim com força, jorra nestas páginas filtrado pela experiência intransferívelcasa de aposta bonusvivercasa de aposta bonusum corpo difícil e tenta encontrar resposta a uma pergunta: 'como se aguenta tudo isso?'", escreveu a conhecida escritora e editora Leila Guerreiro sobre Formas propias.
A seguir, a BBC News Brasil traduz livremente os primeiros capítulos desse livrocasa de aposta bonusque Matías aborda com sinceridade, ternura e humorcasa de aposta bonusdoença e seu olhar sobre ela:
1.
Me desperto quando o respirador se desliga, e sempre abro os olhos como se estivessem me arrancandocasa de aposta bonusum susto. Minha boca não abre nem fecha demais, então mastigo com a boca aberta e faço ruídos estranhos. Certa noite, meu pai me disse: 'shhh, cale-se, não faça barulho ao comer', e eu comecei a chorarcasa de aposta bonuscima do prato. Não aguento ficar sozinho nem por cinco minutos. Se precisocasa de aposta bonusalgo, não posso me mexer para fazê-lo. Me preocupo muito com o meu cabelo. A fisioterapeuta me diz que eu soucasa de aposta bonusuma edição limitada. Meu cachorro me jogou tantas vezes da cadeiracasa de aposta bonusrodas que agora nem se aproximacasa de aposta bonusmim.
No peito tenho um nódulo que parece um seio. Em alguns dias, acordo com metade do rosto dormente. Os tênis que uso têm quatro anos e seguem novos. Minhas pernas têm o mesmo tamanho desde que eu nasci. Aos quatro anos, diziam que era Deus: 'ser raro te dá poderes', eu pensava. Comia terra.
Gostocasa de aposta bonusassustar crianças pequenas para fazer meus amigos rirem. Desenhei, sobretudo, silhuetas humanas, até que meus braços não me serviram mais. Meus pais me dão banho e passam sabão no meu pito (gíria para pênis). Minha mãe pede que eu não faça a barba para não mostrar os nódulos, 'embora sejam lindos'. Também me diz: 'Para mim, você vai ser um bebê a vida inteira'.
Uma vez, tive um sonho erótico com ela.
Tive um fisioterapeuta que,casa de aposta bonusvezcasa de aposta bonusme levar para comprar bolacha na loja, freava na esquina e me fazia conversar com as putas. Um enfermeiro que agarrava os meus testículos e me perguntava a cada meia hora se eu queria fazer xixi. Outro tentou me masturbar com luvas/ Outro que usava cocaína e pintava as paredes da minha casa rapidíssimo. Outro que havia sido milico durante a ditadura.
Minha enfermeira atual —Vero— joga meu xixi no bidê.
Minha fisioterapeuta atual —Fernanda— vê gente morta quando tem febre alta.
Se eu me inclino para frente, a minha baba cai. Não choro nunca, mas as lágrimas caem sem que eu perceba e precisam ser secadas com papel. Acho difícil pronunciar o erre. Não tive medos até que tive todoscasa de aposta bonusuma vez só. Passei muito tempocasa de aposta bonushospitais. No hospital, passarcasa de aposta bonusalacasa de aposta bonusalacasa de aposta bonusuma maca é como passarcasa de aposta bonusum sonho a outro. Não acreditocasa de aposta bonusDeus, mas se fico sozinho e chamo minha mãe ou enfermeira e ninguém aparece, peço a Ele que me mande alguém com urgência. Estou quieto, a doença me fecha.
Tenho nódulos nas costas. Quando peço que me coloquem fonescasa de aposta bonusouvido ou que me limpem o ouvido com cotonete, não encontram o buraco da orelha.
Minha mãe se chama Gabriela e é bailarina. Meu pai se chama Juan e é donocasa de aposta bonusuma lojacasa de aposta bonuscomputação. Estão separados desde que eu tenho dois anos. Meus irmãos mais velhos são gêmeos: têm 24 anos. Meu irmão loiro se chama Agustín, toca guitarra, compõe. Meu irmão moreno se chama Juani e quer ser um comerciante ou um jogadorcasa de aposta bonusfutebol bem-sucedido.
Eles me levam a todos os lados e digo a eles que são como meu Uber. Morocasa de aposta bonuscasa com minha mãe e com eles. Também tenho um irmão menor - filhocasa de aposta bonusoutra mulher do meu pai - que tem 14 anos e se chama Joaquim: ele peida na minha cara e rouba meu computador para jogar. Vem dormir na minha casa três noites por semana.
Eu não sei o que faço aqui.
Penseicasa de aposta bonussubir na cadeiracasa de aposta bonusrodas - que tem motor -, acelerar, chegar à estaçãocasa de aposta bonustrem e e desligá-la no meio da via.
Algumas vezes,casa de aposta bonusvários supermercados, escondi doces, chocolates e alfajores nas costas, encostei na cadeiracasa de aposta bonusrodas e saí sem pagar. Jogo PlayStation e ganho, embora não alcance todos os botões. Faço rap a uma velocidade tão elétrica que parece que não respiro. Quando quero mijar ou cagar, sacudo as pernas. Se sinto cócegas, grito por minha mãe ou meu pai. Quando me perguntam sobre garotas, fico enrubescido e falo: tranquilo. Também tenho medocasa de aposta bonusficar excitado mirando uma meninacasa de aposta bonuscorpo pequeno e parecido ao meu. Nas aulas da minha mãe há muitas, e as vejo por tráscasa de aposta bonusuma planta.
Cortam a comidacasa de aposta bonuspedacinhos para mim, mas adoraria devorar pedaços gigantes. Já caí muitas vezes com a cadeiracasa de aposta bonusrodas,casa de aposta bonuscara no chão, mas nunca quebrei nada: o sangue salta, mas os nódulos protegem.
A cada noite, me pergunto se estarei vivo na manhã seguinte.
Sou estranho, sou disforme, e vou contar tudo a respeito.
2.
A primeira pergunta que todos se fazem é: 'ele nasceu assim?' A resposta é não.
Minha mãe acaboucasa de aposta bonusme contar.
—E você era um bebê que não tinha nadacasa de aposta bonusnada. Nasceucasa de aposta bonusparto normal: empurrei só duas vezes e você saiu. Tinha as pestanas longas, uma carinha rosa, era exibido. E beiçudo. Até que... bom. De qualquer forma você sempre foi lindo e tranquilo.
Faz um tempo, pedi a ela um banhocasa de aposta bonusimersão. Ela me colocou na espreguiçadeira e agora me lavacasa de aposta bonusmangueira como se eu fosse uma planta. Me esfrega sabão nos nódulos, mas eles não saem. Nunca saem. Estão colados. Não sei bem o que acontece com o meu corpo. Meu peito é uma paisagem pontiagudacasa de aposta bonusmontanhas rosas. Não consigo ver o pinto. Nunca toquei nos meus pés, nem nas costas, nem no quadril, nem no rosto: nunca me toquei. Há partes do meu corpo que não conheço.
É marçocasa de aposta bonus2018. No 30casa de aposta bonusjaneiro, fiz 20 anos.
A minha doença se chama fibromatose hialina juvenil (fhj), é genética, autossômica e recessiva:- meus pais, ambos, têm o gene da patologia. Fabrico mais colágeno do que o normal, mais pele, mais tecido conectivo, e assim nascem esses caroços redondos, os nódulos, que são tumores benignos, as bolas que são vistas nas fotos e vídeos onde apareço. A doença muda todo o meu corpo e não me deixa, entre outras coisas, caminhar. Invade o corpo da pele - por dentro, por fora - e pareço um homem derretido.
A coisa - esta coisa - começou a se manifestar aos oito mesescasa de aposta bonusvida.
Ou aos seis.
Ou aos quatro.
Minha mãe não me dá uma data exata.
Minha mãe me veste.
Me conta que, quando eu era pequeno - não sei o quão pequeno -, me esticava a perna para colocar as calças e eu flexionava os joelhos e eles ficavam dobrados. Ela tentava esticá-los: voltavam. Não engatinhava. E tinha saído uma bolinhacasa de aposta bonuspele no meu peito que não era uma verruga.
Me levaram ao hospital Garrahan. Foram feitos vários estudos, e vieram especialistas internacionais, tiraram a foto da minha saliência. Os especialistas daqui foram a congressos no exterior, levaram as imagens, disseram olhem esta coisa estranha. Alguém sabe que merda é essa? Um cisto, uma bolacasa de aposta bonusgordura, uma espinha teimosa? Até que me diagnosticaram com a doença. Foi a dermatologista Margarita Larraldecasa de aposta bonusLuna: disse que era fibromatose hialina juvenil, e a diferenciou da hialinose sistêmica, que é mortal.
Minha mãe conta que, quando soube, chorou pelas rampas coloridas do hospital; meu pai não falava. Enquanto isso, meu corpo ia mudando. Comecei a ter hipertrofia gengival, por exemplo: a carne cresce demais nas gengivas, o queixo infla. Apareceram nódulos subcutâneos.
Agora, nos joelhos e nas pernas, tenho nódulos internos que trituram as minhas articulações. Oscasa de aposta bonusfora não incomodam tanto, mas são feios, moles, esponjosos. Geram dobras - lugares horrendos, transpirados - que, se não são limpos, geram uma massa branca. Dentro dos nódulos há veias, artérias, um poucocasa de aposta bonusvida. Embora eu tenha sido operado várias vezes, eles voltam a sair. Por isso, não posso esticar as pernas nem caminhar.
A doença não se move por órgãos vitais nem pelo sangue, não afeta o sistema nervoso nem o hormonal. O cérebro funciona. Embora o corpo viva para não funcionar. Só há 65 casos no mundo, dois na Argentina: Mayra Ordóñez e eu. Uma vez a vi. A minha mãe me conta que trocava correspondência com um rapaz da França e uma mulher da Espanha que tinham o mesmo. Eu nunca soube. Será que eles cresceram?
Eu tenho 20 anos e o corpo do tamanhocasa de aposta bonusuma criançacasa de aposta bonusseis.
Um corpinho.
A doença não tem cura. Nem melhora.
Durmo abraçado a enfermeiros e a um respirador, porque tenho apneia do sono. Uma máscara encaixacasa de aposta bonusuma mangueira longa e fina, que se conecta a um aparelho que me manda ar. Por alguns segundos, enquanto durmo, deixocasa de aposta bonusrespirar. Por conta dos nódulos e da mobilidade reduzida, meu tórax é pequeno e não se expande. O respirador - bipap é o nome técnico - me ajuda. Além disso, por via das dúvidas, tenho um tubocasa de aposta bonusoxigênio ao lado da cama. Nunca precisei dele.
Estudo jornalismo, mas não gostocasa de aposta bonusnenhuma matéria. E - faixa bônus - tenho crisescasa de aposta bonusansiedade todos os dias. O céu me dá vertigem. Como ando na cadeiracasa de aposta bonusrodas, não apoio os pés na terra. Não tenho medocasa de aposta bonuscair, mas simcasa de aposta bonusdesmaiar e morrer infartado: se me deixam sozinho, ninguém ia nem perceber. Sinto tonturas, pontadas no peito, faltacasa de aposta bonusar, formigamento e transpiraçãocasa de aposta bonustodo o corpo.
No entanto, dizem que sou o protótipo da ternura, que sou um gênio, um guerreiro, alguém com um podercasa de aposta bonusadaptação muito grande, que sou um enviadocasa de aposta bonusDeus, um anjo caído, que tenho um milhãocasa de aposta bonuspessoas boas ao redor. Dizem, ou creem, que por estarcasa de aposta bonusuma cadeiracasa de aposta bonusrodas sou boa pessoa, não posso ser filho da puta.
E o que tenho é medo.
Nunca perguntei nada aos médicos que me viram. Eles falavam com 'os papais'.
Tampouco quis falar com Mayra, a outra, que é igual a mim.
—Você se esquivava, esquivava, esquivava - diz minha mãe, e passacasa de aposta bonusunha pintada no meu cabelo. - Não pude fazer nada. E olha que eu insisti: que você nadassecasa de aposta bonusuma piscina especial, que fosse a uma oficinacasa de aposta bonusrap, que visse fora do hospital uma amiguinha que estava internada, que dançasse na cadeiracasa de aposta bonusrodas com outras pessoas, que jogasse futebol com a cadeira motorizada. Você via um deficiente e me pedia para atravessarcasa de aposta bonuscalçada. Isso te espantava. Eu queria que você dançasse comigo.
É 2018, e percebo que a doença não existiu.
Até agora...
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