A campeã paralímpica que viveu 'presa ao próprio corpo':bets 96

Crédito, Clive Rose/Getty Images

Legenda da foto, Victoria Arlen conquistou uma medalhabets 96ouro e trêsbets 96prata na natação dos Jogos Paralímpicos Londres 2012

bets 96 Desde pequena, Victoria Arlen sonhavabets 96ser atleta.

Mas, aos 11 anos, uma condição (até então inexplicável) a deixoubets 96estado vegetativo — e ela acordou quase três anos depoisbets 96uma camabets 96hospital "presa"bets 96seu corpo, incapazbets 96se comunicar ou se mover.

Ela estava conscientebets 96tudo que acontecia àbets 96volta, mas ninguém sabia.

Em entrevista ao apresentador Harry Graham do programabets 96rádio Outlook, da BBC,bets 962018, ela compartilhoubets 96históriabets 96superação — que a levou a conquistarbets 96tempo recorde uma medalhabets 96ouro na natação nos Jogos Paralímpicos Londres 2012.

Quando a professorabets 96Victoria Arlen perguntava o que ela queria ser quando crescer, a resposta estava na ponta da língua:

"Medalhistabets 96ouro e nadadora olímpica."

Victoria cresceubets 96New Hampshire, nos Estados Unidos, ao lado dos dois irmãos trigêmeos. E o esporte sempre foi uma parte importante dabets 96vida.

"Eu era boabets 96natação e hóquei na grama. Fiz dança competitiva por um tempo, mas nadar era realmente o que eu amava, minha paixão", diz a jovem, hoje com 26 anos.

Ela esbanjava saúde e ótima forma física — até que, por volta dos 10 anos, algo mudou.

"Meu sistema imunológico começou a ficar comprometido. Quando completei 11 anos, a cada duas semanas eu pegava uma pneumonia, uma gripe, tinha desmaios, desenvolvi asma. Como eu sempre melhorava, não era muito uma preocupação."

"Mas,bets 9629bets 96abrilbets 962006, comecei a sentir uma forte dor do lado direito (do meu corpo) e foi meio que o início da jornada", relembra.

Foi quando Victoria começou a perder o controle sobre algumas partes do corpo.

"(Primeiro) foram minhas pernas e,bets 96seguida, a parte superior do meu corpo, meu tronco, minhas mãos. E depois minha voz."

"Perder o controle completobets 96todo o seu corpo, mas ainda estar mentalmente consciente, é aterrorizante", afirma.

Este processo durou cercabets 96dois meses. O rápido (e até então inexplicável) declínio físicobets 96Victoria afligia não só a ela, mas a todos que estavam àbets 96volta.

"Meus pais estavambets 96pânico, tentando descobrir o que estava acontecendo e por que a filha deles estava se deteriorando tão rápido."

A situação se agravou ainda mais quando ela estava sendo transferidabets 96hospital.

"Eu só me lembrobets 96entrar na ambulância e tudo meio que escureceu", conta.

Era agostobets 962006, e Victoria estava entrandobets 96estado vegetativo. Os próximos anos seriam completamente perdidos para ela.

O despertar

Somente no iníciobets 962009, a jovem voltaria a ficar conscientebets 96novo.

"Acordei basicamentebets 96um quartobets 96hospital, com pessoas falando ao meu redor, mas ninguém reconhecendo o fatobets 96que eu estava fazendo uma pergunta."

"Havia um tubo na minha garganta, algo estava respirando por mim, eu estava meio presa. Não conseguia me mover e não conseguia gritar."

"Me lembrobets 96ficar (perguntando): 'Onde estou? O que está acontecendo?' Eu ficava tipo: 'Oi, oi'. Sem perceber que estava, na verdade, 'falando' dentro da minha cabeça, e não para alguém."

Victoria finalmente se deu contabets 96que as pessoas àbets 96volta não faziam ideiabets 96que ela estava consciente.

"Quando percebi que eles não sabiam que eu 'estava' ali, que eles não sabiam que estava 'trancada', foi aí que comecei a ficar realmente apavorada com o fatobets 96estar 'presa' e ser considerada um caso perdido."

Para não ser tomada pelo pânico, ela conta que tentou se concentrar no lado positivo da situação:

"Pelo menos eu tenho meu cérebro, pelo menos eu posso ter esses pensamentos... Meu corpo pode não funcionar, mas eu tenho minhas memórias. A Victoria ainda está aqui", ela pensava.

Arlen havia recuperado a consciência, mas ainda não fazia ideiabets 96quanto tempo havia se passado desde que apagara na ambulância.

"(Até que) algum médico ou alguém mencionou o dia, e foi quando eu me dei conta: 'Meu Deus, passou esse tempo todo, agora sou uma adolescente. E isso também me deu pânico."

"Senti que todos aqueles anos haviam sido roubadosbets 96mim, esse período para crescer e aprender...", desabafa.

Não havia nenhuma indicaçãobets 96que Victoria estava consciente. Mas ela estava cientebets 96tudo que acontecia àbets 96volta.

Seus olhos estavam abertos e, alémbets 96escutar, ela conseguia enxergar, mas o que ela via dependiabets 96onde seus olhos estavam fixados — "eles meio que tinham vontade própria", segundo ela.

"Nove entre dez vezes, eles rolavam para trás na minha cabeça, e meio que ficavam caídos para um lado."

"Eu piscava, mas não quando queria. Era uma espéciebets 96movimento involuntário", relata.

Abusos

Enquanto estava neste estado, Victoria sofreu abusos por parte da equipe médica.

"Você não imagina como os médicos e enfermeiros podem ser horríveis e desrespeitosos quando pensam que você está inconsciente e incapazbets 96se comunicar ou é dada como uma causa perdida."

"Lidei com muitos abusos e negligências da equipe médica", revela a jovem, que preferiu não entrarbets 96detalhes sobre a natureza dos abusos durante a entrevista.

Mas,bets 96seu livrobets 96memórias, Locked in: The Will to Survive and the Resolve to Live, ela descreve os abusos como repetidas agressões físicas.

Ela diz que preferiu deixar essa partebets 96sua história para trás e por isso não processou nenhum dos hospitaisbets 96que ficou internada.

Enquanto estava acamada, Victoria também testemunhou conversas que nunca deveria ter escutado.

"Tenho uma lembrança muito forte dos meus pais saírem para almoçar, e duas enfermeiras entrarem. Elas estavam fazendo algum procedimento, e uma enfermeira disse para a outra: 'Você acredita que os pais dessa menina acham que ela vai ficar bem? Essa criança é um caso perdido'."

"Eu só me lembrobets 96ouvir e pensar: 'eu estou ouvindo'."

"Eu queria gritar com elas. Talvez soltar alguns palavrões naquele momento."

Apoio da família

Naquela ocasião, o prognósticobets 96Victoria não era,bets 96fato, nada bom — para a equipe médica, parecia muito improvável que ela se recuperasse.

Mas a família se recusou a aceitar. E a cada visita, os pais e irmãos faziam questãobets 96expor Victoria ao que estava acontecendo no mundo lá fora — davam a ela roupas da moda, por exemplo, e botavam para tocar músicas que faziam sucesso entre os adolescentes, alémbets 96sintonizar a televisãobets 96seus programas favoritos, como Dancing with the Stars, o Dança dos Famosos americano — do qual ela sonhava participar um dia.

"Eles tentavam fazer tudo que achavam que poderia colocar a Victoria para fora ou pelo menos manter a Victoria, Victoria", diz ela.

"Meu irmão costumava dançar Lady Gaga para tentar me fazer rir."

A parte mais difícil, no entanto, era quando seu pai assistia a programasbets 96gastronomia.

"Ver comida e não ser capazbets 96comer era uma espéciebets 96tortura", relembra.

Apesarbets 96nunca ter perdido a esperança, a família sofria profundamente.

"Eu via o medo nos olhos dos meus irmãos quando eles vinham me ver."

Quando as visitas iam embora e as luzes se apagavam, Victoria conta que criava roteirosbets 96histórias na cabeça para se entreter e se manter produtiva.

"Eu meio que tentava visualizar a vida que me imaginava vivendo, as experiências que queria ter, os lugares que gostariabets 96ir... Eu realmente tentava focar na gratidão, na esperança e no otimismo."

'Começo do milagre'

Até então ninguém sabia o que estava por trás da doençabets 96Victoria — os médicos estavam cientes que havia uma inflamação no cérebro, mas não conseguiam identificar a causa. E ela própria foi descobrindobets 96situação aos poucos, pescando fragmentosbets 96conversas.

"Descobri que ficaria paralisada ouvindo uma conversa aleatória, assim como soube que havia danos irreversíveis na minha coluna, danos no meu cérebro... Descobri tudo isso por meiobets 96conversas entre enfermeiros e médicos."

Victoria tinha convulsões frequentes ao longo do dia — e os médicos resolveram prescrever um remédio para ela dormir, quebets 96alguma forma acabou com as convulsões.

Foi quando seu corpo experimentou subitamente uma calma desconhecida, o que levou a uma mudança milagrosa.

"Pela primeira vezbets 96quase um ano, desde o início das convulsões, tive um momento para respirar. E percebi que podia mover meus olhos."

"Minha mãe entrou no quarto, e eu apenas olhei para ela e a segui com meus olhos. Ela veio até mim e disse: 'Se você consegue me ouvir, você pode piscar? Pisque uma vez, pisque duas vezes, apenas pisque'."

"E eu não pareibets 96piscar. Esse foi o começo do nosso milagre."

"Tive muitos momentos realmente extraordinários, mas,bets 96longe, este momento foi a minha maior conquista, porque foi o momentobets 96que finalmente mostrei à minha família, mostrei à minha mãe: 'Ainda estou aqui'."

"Ela começou a chorar, e dentrobets 96mim eu ficava pensando: 'Que bonito isso'."

Aos poucos, Victoria retomou o controlebets 96seu corpo novamente, e foi abrindo canaisbets 96comunicação com o mundo exterior. De piscar, ela passou a apontar para um quadro com o alfabeto e, na sequência, a usar linguagembets 96sinais — até o momentobets 96que ela conseguiu dizer suas primeiras palavras.

"As primeiras palavras que disse à minha família foram: 'Eles me machucaram'", recorda a jovem, fazendo referência aos abusos que sofreu por parte da equipe médica.

"Foram primeiras palavras tristes, mas eu realmente precisava dizê-las."

"Contar à minha família que eles haviam me machucado, foi como se eu retomasse o controle que havia sido tiradobets 96mim", avalia.

E Victoria focou todos seus esforços na recuperação.

"Sou muito teimosa. Então, se você me disser que não posso fazer algo, vou provar que você está errado."

"Trabalhei todos os dias com um fonoaudiólogo, um terapeuta ocupacional, um fisioterapeuta, era muito tempo que precisava recompensar."

Ela finalmente recebeu alta — e deixou o hospitalbets 96uma cadeirabets 96rodas, paralisada da cintura para baixo.

"Foi devastador. Eu tive dificuldadebets 96aceitar, mas também pensava: 'É melhor do que estarbets 96uma camabets 96hospital'."

O diagnóstico

Enquanto se recuperava, os médicos descobriram a causa do seu declíniobets 96saúde: dois distúrbios neurológicos raros, mielite transversa e encefalomielite aguda disseminada.

Estas duas condições fizeram basicamente com que seu corpo atacasse seu cérebro e medula espinhal.

Crédito, Frederick M. Brown/Getty Images

Legenda da foto, Victoria desafiou todos os prognósticos médicos

Pouco antesbets 96completar 16 anos, ela havia melhorado a pontobets 96poder voltar para a escola. Mas não foi um retorno fácil.

"Foi um pesadelo."

"Eu estava fora da civilização há 4 anos, então era alvobets 96bullying", relembra.

"Eu pensava: 'O que é Facebook, o que é iPhone?' Quando eu tinha 11 anos, celular era uma grande coisa: era preciso ser adulto para ter um. E agora todo mundo tinha um celular."

Aos poucos, ela conseguiu se reinserir — graças, principalmente, à ajuda dos irmãos. Foram eles, inclusive, que a levarambets 96volta parabets 96grande paixão: a piscina.

"Eu era o tipobets 96criança que você não consegue tirar da água. Adorava estar na água. Mas a ideiabets 96nadar sem minhas pernas me apavorava."

"Meus irmãos diziam: 'Temos que superar esse medo da Victoria. Precisamos levá-labets 96volta ao lugar que a deixa mais feliz'."

"Então eles colocaram um colete salva-vidasbets 96mim, agarraram meus braços e minhas pernas e pularam comigo na água", conta.

O sonho (e o ouro) Paralímpico

Começava alibets 96trajetória na natação paralímpica. Victoria botou todabets 96energia no esporte — e aprimoroubets 96técnica a cada dia.

Crédito, Clive Rose/Getty Images

Legenda da foto, 'Aquela medalha tinha um significado maior. Era sobre nossa família e o fatobets 96nenhumbets 96nós ter desistido', diz Victoria

Mas quando compartilhou com seu treinador o desejobets 96disputar os Jogos Paralímpicos Londres 2012, a resposta foi um banhobets 96água fria.

"Ele respondeu: 'Você quer dizer, daqui a um ano?' E eu pensei: 'Sim'. E ele disse: 'Ah, querida, você não tem chance, as pessoas treinam por anos e anos, e você acaboubets 96voltar para a piscina'."

"Foi como levar uma facada", recorda.

Masbets 96mãe havia ouvido a conversa. E, na volta para casa, parou o carro e disse à filha algo que ela nunca vai esquecer.

"Ela apontou o dedo para mim e disse: 'Nunca deixe ninguém dizer que você não pode fazer algo. Se você acredita que pode fazer algo, trabalhe duro nisso, você pode alcançar qualquer coisa. Eu estaria condenada se deixasse um treinador qualquer dizer o que você é capaz, dado o quão longe você já chegou'."

Victoria mudou entãobets 96treinador.

Os Jogos Paralímpicos Londres 2012 aconteceram apenas três anos depoisbets 96ela ter recuperado a habilidadebets 96piscar.

E Victoria não só entrou para a equipe, como conquistou a medalhabets 96ouro nos 100m estilo livre (S6) — e três pratas (50m livre, 400m livre e revezamento 4x100m livre).

"Foi muito louco estar no pódio e me dar contabets 96que dois anos antes meus irmãos estavam me jogando na piscina. (...) Foi definitivamente um momento incrível."

"(Só que) ganhar o ouro não se tratava do ourobets 96si, masbets 96olhar para as arquibancadas e ver minha família. Vê-los pela primeira vez chorando lágrimasbets 96alegria,bets 96vezbets 96lágrimasbets 96tristeza e medo."

"Aquela medalha tinha um significado maior. Era sobre nossa família e o fatobets 96nenhumbets 96nós ter desistido", avalia.

Primeiros passos

Ganhar a medalhabets 96ouro paralímpica não foi suficiente para Victoria. Havia algo que ela estava desesperada para conseguir: a habilidadebets 96andar.

A natureza dabets 96condição era muito rara. E, a princípio, não estava claro se ela voltaria a andar. Os efeitos no longo prazo do distúrbio que ela teve variambets 96pessoa para pessoa.

Ela decidiu então ignorar os prognósticos mais uma vez.

"Mentalmente, eu não conseguia superar o fatobets 96que eu tinha literalmente desafiado todos os prognósticos, exceto aquele."

Com a ajuda dos pais, ela passou então a se dedicar ao projetobets 96reabilitação para voltar a andar — eram seis horasbets 96treinamento diário.

"Era uma espéciebets 96(processo de) regeneração. Mover as pernas, lembrando-asbets 96trabalhar, para recriar as redes neurais, reconectar as redes neurais", explica.

"Após dez mesesbets 96treinamento rigoroso e intenso, senti uma fisgada no meu quadril direito. Era uma contração muscular, que eu conseguia ativar."

Até que, na primaverabets 962016, Victoria foi capaz finalmentebets 96dar seu primeiro passo sozinha — dez anos depois do último passo que havia dado.

"O primeiro passo foi bem vacilante. Caí bastante, mas foi incrível. Me lembrobets 96caminhar até minha família e dar um abraço nelesbets 96pé. De abraçar meus treinadoresbets 96pé. E pensar: 'Nossa, como sou alta'."

A partir daí, Victoria não parou mais — se tornou comentarista esportiva, apresentadorabets 96televisão e palestrante motivacional, alémbets 96cofundadora junto à mãe da Victoria's Victory Foundation, ONG que ajuda pessoas com desafiosbets 96mobilidade.

Ela realizou, inclusive, outro sonhobets 96infância: participar do programa Dancing with the Stars. E ficoubets 96quinto lugar na competiçãobets 962017.

Crédito, David Livingston/Getty Images

Legenda da foto, Victoria e Valentin Chmerkovskiy,bets 96dupla no programa 'Dancing with the Stars'

"Sei o quão precioso é cada dia, cada momento, cada respiração — e não quero perder um momento sequer", diz ela.

"Se eu pudesse voltar e dizer algo para a pequena Victoria, deitada naquela cama, seria: 'Adivinha o que vai acontecer? Você só precisa continuar lutando'."

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