Linhagens, cepas e mutações do coronavírus: o que são e quando devemos nos preocupar:

Homemjalecolaboratório mostra com a mão modelo do coronavírus

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Desde que começou a infectar humanos na China, o coronavírus já apresentou muitas mudançasseu genoma ao redor do mundo e com o passar do tempo

Já no Brasil, uma nova linhagem, caracterizada por até cinco mutações, foi identificada pela primeira vezamostras do Estado do RioJaneiro e apresentada por pesquisadores na terça-feira (22/12). Segundo a equipe, a cepa derivououtra variante que circulava no país, a B.1.1.28, originada na Europa.

Os dois casos dispararam o alarmeque tais mutações possam dar mais poderes ao SARS-CoV-2 — por exemplo, favorecendocapacidadetransmissão ou a gravidade da infecção. Entretanto, segundo pesquisadores, até aqui não há evidências suficientesque este cenário preocupante esteja acontecendo e nem que novas linhagens coloquemrisco a efetividade das vacinas contra a covid-19.

"Não precisa entrarpânico. Em plena pandemia, com muita gente e vírus circulando, é natural que ele vá mutando. Ele está tentando escapar do sistema imunológico do hospedeiro, é normal", resume Ana Tereza RibeiroVasconcelos, à frente da pesquisa com genomas do Rio e coordenadora do LaboratórioBioinformática do Laboratório NacionalComputação Científica (LNCC).

"O que estamos fazendo é uma vigilância genômica para ver como o vírus está evoluindo no Brasil. Isto é importante para acompanhar se terá alguma mutação que possa conferir a ele alguma característicainfecciosidade maior,transmissibilidade", afirma Vasconcelos, acrescentando que na linhagem identificada no RioJaneiro, não há indícios que o vírus tenha tido esta periculosidade aumentada.

"Já na Inglaterra, ainda são necessários mais dados para comprovar que aquela linhagem (a B.1.1.7) é mais infecciosa, por exemplo associando as mutações a informaçõespacientes que ficaram mais graves ou doentes por mais tempo."

Gráfico com pontos marcando diferentes registros do coronavírus pelo mundo

Crédito, Gentileza Nextstrain

Legenda da foto, Em plataformas online como a Gisaid, pesquisadores estão dividindo entre si informações genéticas sobre o coronavírus

A pesquisadora, doutoraciências biológicas pela Universidade Federal do RioJaneiro (UFRJ), reconhece porém que, "se o vírus ficar mais perigoso, será atravésmutações".

"Por isso, é importante monitorá-las", diz Vasconcelos.

"Tem alteraçõesalgumas partes do genoma que não acontece nada. Mas se ocorreum local chave que afeta a ligação (do patógeno) com o sistema imune, aí é preocupante."

14 mutaçõesvariante do Reino Unido

Apesarinstituições como a Organização Mundial da Saúde (OMS) apontarem que ainda é cedo para tirar conclusões sobre a variante que ganhou destaque no Reino Unido, estudos preliminares apontaram para um número incomummutações, 14, algumas delas possivelmente afetando o gene que codifica a proteína spike — espéciechave que o coronavírus usa para acessar as células humanas.

Entretanto, apenas as mutações não são suficientes para indicar maior ameaça do vírus, lembra Paola Cristina Resende, pesquisadora do LaboratórioVírus Respiratórios e do Sarampo do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz).

"Mesmo que os vírus apresentem mutações e/ou sejamdiferentes linhagens, isso não significa que fenotipicamente sejam diferentes. Ou seja, não significa que eles apresentem características diferentes", explica a pesquisadora, doutorabiologia molecular e celular.

"A caracterizaçãolinhagem é muito refinada, foi adotada no início da pandemia para caracterizar vírus com certos gruposmutações que estão circulando ao redor do mundo. Isso é mais para uma caracterização epidemiológica, para entender a dispersão do vírus."

"Análises complementares devem acompanhar as análises genômicas para ratificar hipótesestestes como: maior dispersão viral; maior gravidade da doença; resistência antiviral, entre outros", completa.

E as vacinas?

Se o coronavírus passa por alterações significativas no genoma, ése imaginar que as vacinas estudadas ou atualmente já aplicadas pelo mundo talvez não funcionem nestas novas configurações.

Por enquanto, porém, pesquisadores afastam esse cenário alarmante porque as principais vacinas treinam o sistema imunológico para atacar diferentes partes do vírus — atingindo um alvo maior do que partes pontuais que possam ter passado por mutações.

Além disso, lembra Ana Tereza RibeiroVasconcelos, o conhecimento sobre outros coronavírus mostra que eles mutam muito menos do que os vírus da gripe — para a qual é preciso fazer fórmulas diferentesvacina a cada ano, tamanha alteração.

Entretanto, falando à BBC News na Inglaterra, o professor Ravi Gupta, da UniversidadeCambridge, demonstrou preocupação com as mutações que o coronavírus já apresentou — como na linhagem B.1.1.7.

"Se o caminho para acréscimomais mutações é aberto, começa a ficar preocupante", afirmou Gupta.

"Este vírus está potencialmenteum caminhofuga da vacina. Ele deu os primeiros passos nesse sentido."

Ilustração gráficavírus

Crédito, Science Photo Library

Legenda da foto, 'Na maioria das vezes, a mutação simplesmente não faz nada, não causa nenhuma alteração significativa no vírus', explica o virologista Rômulo Neris

Como acontecem as mutações

Pode não parecer, mas as mutações que às vezes podem favorecer um organismo invasor não acontecem "propositalmente" — e sim por acaso.

Na maior parte das vezes, erros no processocópia do material genético levam a alterações, masmenor escala, a radiação e elementos químicos (como o alcatrão na fumaça do cigarro) também podem fazê-lo.

Comotodo processo evolutivo, vantagens biológicas se destacam no processoseleção natural e são reproduzidas. É o que pode acontecer com alguma característica benéfica advindaalguma mutação.

Mas nem sempre estas alterações levam a vantagens, explica o virologista Rômulo Neris.

"Quando infecta uma célula, o vírus tem que se multiplicar. E para fazer isso, a célula lê o genoma do vírus, que é onde estão as instruçõescomo fazer mais vírus. A mutação acontece no momentoque o genoma é copiado", explica o pesquisador, doutorando na UFRJ.

"Na maioria das vezes, a mutação simplesmente não faz nada, não causa nenhuma alteração significativa no vírus. Em outras, ela pode ser ruim para o vírus — quando isso acontece, a mutação não é passada adiante, porque o vírus simplesmente não consegue se proliferar."

"Em último caso, partículas oriundas das mutações podem adquirir alguma função nova ou modificar alguma função que já existia. Algumas dessas mutações podem por exemplo dar mais afinidadeelementos do vírus a proteínas celulares — o que potencialmente aumenta as chancestransmissão. Outros tiposmutação podem dar o vírus a capacidadeevadir da resposta imune."

"O acúmulo dessas mutações pode até,última instância, caracterizar um novo organismo — como é o caso do novo coronavírus. Em algum momento, um outro vírus precursor, que até agora parece ser um vírusmorcegos, sofreu adaptações suficientes no genoma para que passasse a infectar com sucesso humanos."

Línea

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