'Meus pais adotivos acreditavambet7k entrar na contaatobet7k entrar na contaamor, mas foi sequestro':bet7k entrar na conta

Ela sempre soube que era adotada.

O que ela não sabia eram as verdadeiras circunstânciasbet7k entrar na contaquebet7k entrar na contaadoção havia ocorrido.

Esta ébet7k entrar na contahistória, contadabet7k entrar na contasuas palavras.

I. Uma guatemalteca na Europa

Tive uma infância muito boa. Minha família adotiva é maravilhosa.

Meus pais me deram a oportunidadebet7k entrar na contaaprender a tocar piano ebet7k entrar na contafazer outras atividades. Viajávamosbet7k entrar na contaférias todos os anos.

Tenho uma grande família adotiva (irmão, primos, tias e tios) e cresci próxima das minhas avós. Nunca me senti diferente porque minha família sempre me protegeu e me amou.

Mas, sim, fisicamente eu era diferente.

Meus pais sempre me disseram que eu fui adotada.

Minha mãe tinha uma maneira muito bonitabet7k entrar na contafalar sobre isso quando eu era criança e lhe fazia perguntas: "Não te carreguei no ventre, mas sempre te carreguei no coração".

Minha mãe adotiva queria que eu continuasse conectada às minhas raízes, mas ela não queria falar muito sobre isso antesbet7k entrar na contaeu me tornar adulta.

Comecei a fazer perguntas quando era adolescente. Como qualquer jovem que se torna mulher, eu queria saber quem eu era. Eu me olhava no espelho e queria saber com quem eu parecia.

Foi mais ou menos assim que começou esse processobet7k entrar na contabusca.

Comecei a indagar aos 18 anos, masbet7k entrar na contauma forma "indireta", sem saber como, nem para onde olhar.

Foi um períodobet7k entrar na contaque vaguei, pois não havia nenhuma organização que ajudasse os adotados a encontrar suas origens.

Em cada um dos meus aniversários, eu me perguntava se minha mãe biológica estava pensandobet7k entrar na contamim.

Embora agora eu saiba que a databet7k entrar na contaaniversário que celebrei por maisbet7k entrar na conta30 anos estava errada por uma diferençabet7k entrar na contadias.

No fundo do coração, todos os anos, eu celebrava também o aniversário da minha mãe biológica, a data que constava na carteirabet7k entrar na contaidentidade do meu arquivo, que também se revelou falsa.

Mas comecei mesmo a procurar quando me tornei mãe.

II. Refazendo o caminho

A "história oficial" me dizia que minha mãe estavabet7k entrar na contapéssimas condições econômicas, que não tinha dinheiro para comer e foi por isso que me deu voluntariamente para adoção.

Gostariabet7k entrar na contasalientar que minha família na Guatemala não é uma família pobre, o que torna o clichê da "menina que foi salva" ainda pior.

Esse contexto socioeconômicobet7k entrar na contaque as pessoas querem que valorizemos "a sortebet7k entrar na contater sido adotado" é totalmente falso no meu caso.

Quando eu tinha 18 anos, meus pais adotivos me deram meu registrobet7k entrar na contaadoção. Eu já tinha acesso a ele antes, mas nunca tinha lido na íntegra porque não estava interessadabet7k entrar na contasaber mais sobre o meu passado.

Meus pais me deram porque sentiram que era a minha história e que eu deveria ter esses documentos.

O arquivo continha informações que acabaram se revelando incorretas ou mesmo falsas.

Havia inconsistênciasbet7k entrar na contaalgumas datas, problemasbet7k entrar na contacronologia. Comecei a duvidar.

Foi como uma revolução, que se intensificou quando minha filhabet7k entrar na conta5 anos também começou a fazer perguntas.

Li reportagens sobre a tragédia das crianças roubadas na Guatemala, sobre adoções ilegais, sobre tráficobet7k entrar na contabebês.

Recebi ajudabet7k entrar na contaum jornalista, Sebastián Escalón.

Entreibet7k entrar na contacontato com ele depoisbet7k entrar na contaler umbet7k entrar na contaseus artigos sobre o assunto, no qual me chamou a atenção um nome que ele citou: Ofeliabet7k entrar na contaGamas.

Em meu arquivo, essa senhora aparece como testemunhabet7k entrar na contaum falso atestadobet7k entrar na contaabandono que minha mãe teria assinado.

Escalón se ofereceu para me ajudar. Quero citá-lo porque sem ele nada teria sido possível.

Seu trabalho me permitiu fazer o meu. Graças abet7k entrar na contaajuda encontrei o rastrobet7k entrar na contaminha mãe biológica no Facebook.

III. Uma adoção "em ordem"

Meus pais adotivos são pessoas inteligentes.

Eles sempre quiseram adotar e,bet7k entrar na contameados da décadabet7k entrar na conta1980, contataram o escritório infantil belga para saber mais sobre as agênciasbet7k entrar na contaadoção aprovadas pelo estado.

A agência (chamada Fazendo Ponte) resolveu todos os procedimentos administrativos com a senhora que mencionei anteriormente.

Normalmente, a agência levaria entre três e dez crianças ou bebês para a Bélgica.

No anobet7k entrar na contaque minha adoção foi feita, a agência pediu aos pais adotivos que fossem para a Guatemala.

Os meus pais foram me buscar com a certezabet7k entrar na contaque tudo estavabet7k entrar na contaordem, pois tinham a garantiabet7k entrar na contauma organização reconhecida pelo governo belga.

Agora sabemos que essa mulher, já falecida, era cunhada do então presidente guatemalteco Oscar Mejía Victores, e havia sido presa junto com um homem chamado Edmond Muletbet7k entrar na conta1980 por tráficobet7k entrar na contacrianças.

Mas naquela época não havia internet! E meus pais adotivos não tinham como saberbet7k entrar na contatudo isso.

Guatemalabet7k entrar na contadestaque

A Guatemala é frequentemente apontada por organizações internacionais como uma das principais fontesbet7k entrar na contaadoções internacionais irregulares no mundo.

O país centro-americano foi palcobet7k entrar na contaum conflito armado brutal (1960-1996), que deixou uma nação empobrecida, com instituições frágeis, 1 milhãobet7k entrar na contadeslocados e milharesbet7k entrar na contacrianças perdidas.

Ao longo das décadasbet7k entrar na conta1980, 1990 e iníciobet7k entrar na conta2000, os hotéis na Guatemala estavam cheiosbet7k entrar na contaamericanos e europeus buscando crianças.

Muitas das adoções foram realizadasbet7k entrar na contacondições legais, mas o tráficobet7k entrar na contamenores tornou-se um grande negócio clandestino para o qual é muito difícil ter números exatos.

Segundo o Unicef, órgão das Nações Unidas responsável pela proteçãobet7k entrar na contacrianças, maisbet7k entrar na conta30 mil crianças guatemaltecas foram entregues para adoção internacional entre 1997 e 2007 por um sistema "que não oferecia garantias sobre a origem ou idoneidade da família anfitriã".

IV. Amor e solidão

Meus pais adotivos sempre me apoiaram e incentivaram.

Minha mãe me disse que viria comigo para a Guatemala se eu sentisse essa necessidade.

Quando mencionei a possibilidadebet7k entrar na contatráficobet7k entrar na contacrianças, meus pais ficaram muito surpresos e estiveram mais presentes do que nunca.

Eles estavam com medo por mim. Meus amigos e familiares me apoiaram muito.

A pessoa a quem devo tudo é meu marido.

Ele me viu desabar, me acolheu, cuidou da nossa família ebet7k entrar na contamuitas coisas do cotidiano quando mergulheibet7k entrar na contatodo o coração e segui os rastros dos traficantes.

Mas apesarbet7k entrar na contater tanto amor e apoiobet7k entrar na contameus entes queridos, me senti muito sozinha para enfrentar e entender essa toneladabet7k entrar na containformações, para aprender espanhol etc.

Durante minha busca, senti que estava desconectada da vida real. As únicas ocasiõesbet7k entrar na contaque me senti mais presente foram para meus filhos. Tive que continuar sendo a melhor mãe possível e acimabet7k entrar na contatudo não ser afetada pela minha situação.

Primeiro, encontrei maisbet7k entrar na conta200 mulheres com o mesmo nome e sobrenomebet7k entrar na contaminha mãe biológica. Na Guatemala, você deve pesquisar por organização administrativa e cidade.

Depoisbet7k entrar na contanoites e dias, descobri uma foto e imediatamente soube que era ela, "minha mãe". Não gostobet7k entrar na contadizer mãe biológica.

V. Como um fantasma

Eu me pareço com minha mãe. Pareço quase uma gêmeabet7k entrar na contaminhas irmãs. É uma conexão visceral. Achei que meu coração fosse explodir quando vi seus perfis e fotos no Facebook.

Minha irmã mais velha no início pensou que fosse uma mentira. Umabet7k entrar na contaminhas irmãzinhas me disse: "É impossível que você seja Mariela, ela está morta".

Então minha mãe, Lorena, me escreveu: "Olá, meu amor, acho que soubet7k entrar na contamãe. Meu coração vai parar, me disseram que você estava morta".

O relato do que aconteceu comigo foi muito diferente do que eu conhecia até então.

Nasci no Hospital Roosevelt na Cidade da Guatemala. Com 2 diasbet7k entrar na contavida, me roubaram.

Minha mãe, que era muito jovem, soube que eu havia sido levada para outro hospital.

Quando ela foi me procurar nesse hospital, disseram que eu não estava, que ela precisava voltar para o Roosevelt.

Na época, disseram a ela que eu havia morrido e que ela não podia ver meu corpo porque eles me enterrarambet7k entrar na contauma vala comum.

Ela tevebet7k entrar na contaassinar um pedaçobet7k entrar na contapapel, mas não era o mesmo que fazia parte do meu arquivo.

A primeira conversa com minha mãe, por vídeo chamada, foi muito intensa.

Ela estava muito agitada, ela se mexia, chorava. Todo 7bet7k entrar na contanovembro, ela publicava uma oração parabet7k entrar na contafilha morta, e agora eu estava na frente dela.

Para ela, foi como ver um fantasma.

VI. Estresse pós-traumático

Eu não vou mentir. Estou sofrendobet7k entrar na contaum choque pós-traumático.

Emocionalmente, estou arrasada porque ter me reunido com minha família depoisbet7k entrar na conta30 anosbet7k entrar na contaseparação e mentiras.

Tenho 13 irmãos biológicos que acabeibet7k entrar na contaconhecer.

Hoje, presumo que fui vítimabet7k entrar na contaum sequestro quando tinha 2 diasbet7k entrar na contaidade, estive 11 mesesbet7k entrar na contacativeiro e depois fui vendida sob pretextobet7k entrar na contauma adoção internacional.

Descobri uma foto minha com outras crianças amarradas com cordabet7k entrar na contaum porão na Guatemala antesbet7k entrar na contaser entregue a famílias adotivas.

Estoubet7k entrar na contatratamentobet7k entrar na contaum centrobet7k entrar na contatrauma. Tenho muitas ansiedades, mas isso não me impedebet7k entrar na contafalar.

Minha família adotiva me meu valores, educação e recursos para enfrentar esse horror. Eles estão devastados e destruídos. Entraram com ações na Justiça. São vítimas como eu.

Hoje estou cansadabet7k entrar na contaviver duas vidasbet7k entrar na contauma.

As pessoas que fizeram isso me condenaram a viver longebet7k entrar na contameus pais para sempre. Eles roubaram minha vida.

Um negócio coordenado

Em 2007, o Congresso da Guatemala ratificou a Convenção sobre Proteção e Cooperação Infantilbet7k entrar na contaAdoções Internacionais. Também aprovou uma nova leibet7k entrar na contaadoção que marcava "avanços positivos drásticos",bet7k entrar na contaacordo com a ONU.

A extinta Comissão Internacional contra a Impunidade na Guatemala elaborou então um relatório no qual denunciava as irregularidades cometidasbet7k entrar na contarelação às adoções, complexa rede da qual participavam representantesbet7k entrar na contadiferentes instâncias do Estado.

"Essas redes (ilegais) são constituídas, entre outras, por colaboradoras encarregadasbet7k entrar na contaroubar ou 'comprar' criançasbet7k entrar na contasuas mães biológicas ou,bet7k entrar na contaoutros casos, ameaçá-las, coagi-las ou enganá-las para que entreguem seus filhos para adoção. Essas colaboradoras são associadas aos cartórios que processam as adoções", explica o documento.

"Às vezes, usam crianças roubadas com documentação falsa e mulheres que se fazem passar pelas mães biológicas com documentosbet7k entrar na contaidentidade falsificados. Para isso, tanto os notários quanto as colaboradoras, que geralmente são os núcleos dessas redes, recorrem a médicos, parteiras e cartóriosbet7k entrar na contavários municípios e laboratóriosbet7k entrar na contaDNA onde também são falsificados os respectivos exames."

Em 2018, a Corte Interamericanabet7k entrar na contaDireitos Humanos condenou a Guatemala por um dos casosbet7k entrar na contaadoção irregular e ordenou que o país aprove as medidas necessárias para restabelecer os laços familiares das vítimas.

Ofeliabet7k entrar na contaGamas faleceu na décadabet7k entrar na conta2010. Edmond Mulet, que nunca foi processado e nega ter cometido qualquer crime, se tornou o secretário-geral adjunto das Nações Unidas para Operaçõesbet7k entrar na contaPaz e concorreu às eleições presidenciais na Guatemalabet7k entrar na conta2019.

Na Bélgica, o escândalo atingiu o Unicef. O diretor da filial belga, Bernard Sintobin, teve que renunciarbet7k entrar na contamaiobet7k entrar na conta2019 por estar relacionado às adoções fraudulentas após ter sido tesoureiro da agênciabet7k entrar na contaadoção Fazer Pontes.

Mariela Sifontes agora está focadabet7k entrar na contaajudar outras pessoas a encontrar suas famílias biológicas, ebet7k entrar na contaque a Justiça seja feita.

A luta deles foi registradabet7k entrar na contaum documentário na rede Telemundo que recentemente ganhou um prêmio Emmy da Academiabet7k entrar na contaTelevisão dos Estados Unidos.

VII. Futuro

Fundamos uma associação para apoiar a buscabet7k entrar na contapessoas adotadas na Bélgica. Chama-se Raízes Perdidas e representamos adotados guatemaltecosbet7k entrar na contamaisbet7k entrar na conta20 países ao redor do mundo.

Fazemos as buscas administrativas e depois enviamos o arquivo para a Ligabet7k entrar na contaHigiene Mental, organização que inclui um programabet7k entrar na contabuscabet7k entrar na contadesaparecidos na Guatemala.

Este prêmio Emmy não é só minha história, é um reconhecimentobet7k entrar na contaum assunto pouco conhecido por todos aqueles que são adotados irregularmente naquele país.

As pessoas não devem ter medobet7k entrar na contafalar, mas na Guatemala não se pode dizer tudo porque ainda é perigoso.

Escrevi um livro que será publicadobet7k entrar na conta2021 no qual conto minha história e as pesquisas que fiz na Guatemala, seguindo a trilha dos traficantes para a Europa, mas também as relações internacionais com o Canadá e os Estados Unidos.

É um dever,bet7k entrar na contanomebet7k entrar na contatodas as crianças desaparecidas da Guatemala, lembrar o que aconteceu.

Éramos considerados mercadoria e exportados para os quatro cantos do mundo. Somos a prova viva deste tráficobet7k entrar na contacrianças que gerou milhõesbet7k entrar na contadólares e se infiltroubet7k entrar na contatodos os níveisbet7k entrar na contagoverno, diplomacia e dentro das chamadas organizações humanitárias.

Como diz meu amigo Osmin Ricardo Tobar Ramírez, que aparece no documentário premiado: "Não somos mais bebês, somos adultos com direitos humanos: conhecer nossas mães e nossas verdadeiras identidades".

Sou filhabet7k entrar na contameus pais biológicos e filhabet7k entrar na contacoraçãobet7k entrar na contameus pais adotivos. O amor que tenho pelos quatro é forte e vou lutar para fazer justiça a eles e trazer este tráfico à luz.

Essa luta é o projeto da minha vida e vou defendê-la até fechar os olhos.

Vou terminar dizendo que somos milhares e que, quando a realidade vai além da ficção, não podemos simplesmente nos sentar e não dizer nada.

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