'Coronavírus não é um inimigo, é um tropeço da natureza’, diz autor espanhol:free4all bet 365

Miguel Pita

Crédito, Carlos Givaja

Legenda da foto, Miguel Pita é autorfree4all bet 365livrosfree4all bet 365divulgação científica

A boa notícia é que "os vírus tendem a ser mais agressivos no começo e menos no final", não porque sejam bons ou inteligentes, mas por uma pura lógicafree4all bet 365sobrevivência.

Em seu mais recente livro, Um dia na vidafree4all bet 365um vírus, Pita usa dois vírus fictícios para explicar o que são, como operam e, sobretudo, como eles convivem com os humanos.

Veja a seguir, trechos da entrevista concedia por ele à BBC News Mundo (serviçofree4all bet 365espanhol da BBC) no festival literário Hayfree4all bet 365Querétero, no México.

free4all bet 365 BBC: Existe um debate na comunidade científica sobre se os vírus são seres vivos ou não. Por que é tão difícil defini-los?

free4all bet 365 Pita: O difícil é definir o que é um ser vivo, porque o que são vírus já se sabe muito bem: eles são material genético. Funcionam com DNA ou RNA, como todos os demais seres vivos, e basicamentefree4all bet 365essência é se reproduzir, que,free4all bet 365novo, é uma das características principaisfree4all bet 365um ser vivo.

Mas eles não fazem issofree4all bet 365forma independente e precisamfree4all bet 365um hóspede, que pode ser uma bactéria, uma planta, um humano... São parasitas químicos, que necessitam algumfree4all bet 365nós que somos claramente seres vivos para entrarfree4all bet 365nossas células e poder levar adiante afree4all bet 365reprodução.

Cada uma das nossas ridículas células, essas que caem aos milharesfree4all bet 365seu corpo toda vez que você coça seu braço, tem dentro delas uma maquinariafree4all bet 365enorme complexidade. Mas um vírus não. É como sefree4all bet 365um simples fragmentofree4all bet 365DNA ou RNA estivesse escrito: "Entre nesta célula maravilhosa e aproveite-se dela".

Virus

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Os vírus não são parentes da grande família que surgiu há 4 bilhõesfree4all bet 365anos, das quais os humanos são parte

Então o que é que os vírus não são? Eles não são seres celulares e não possuem outra sériefree4all bet 365características típicasfree4all bet 365seres vivos, como a presençafree4all bet 365um metabolismo, do tipo que seja.

As bactérias, os fungos, as plantas e os animais todos vêmfree4all bet 365um mesmo ser que surgiu há quatro bilhõesfree4all bet 365anos.

Ou seja, nós temos uma relação familiar com as bactérias, por mais longínqua que pareça, que não é a mesma que temos com os vírus.

free4all bet 365 BBC: O vírus não tem um cérebro que permita tomar decisões como nos infectar ou nos matar. Então o que o senhor pensa quando escuta o termo "inimigo"?

free4all bet 365 Pita: Obviamente como cidadão eu entendo porque é algo que colocoufree4all bet 365cabeça para baixo o mundo no qual vivemos. Então não se pode deixarfree4all bet 365encará-los,free4all bet 365forma inconsciente até, como inimigo.

Mas é claro, como biólogo, percebemos que o que desencadeia esta situação é pura química. Ou seja, uma molécula que anda solta encontrou uma formafree4all bet 365entrar nas nossas células e desencadear uma reação.

Simplesmente se produziu um milagre químico ou uma coincidência, se olharmos do pontofree4all bet 365vista dos nossos interesses pessoais.

Então não é um inimigo, é uma casualidade, um tropeço dos muitos que acontecem na natureza. Outros tropeços maravilhosos levaram a que existamos.

Capa do livro

Crédito, Editorial Periférica

Legenda da foto, Capa do último livrofree4all bet 365Pita, que tratafree4all bet 365assunto científico com linguagem ditática

Se você enxerga assim, não pode encará-los como um inimigo. Mas é claro, quantas vezes por dia alguém pensa desta forma? Quantas vezes por dia alguém se reconhece como uma estrutura celular, como reações químicas, como uma somafree4all bet 365coincidências? Não é assim que você se vê. O que você é seu nome, seu sobrenome,free4all bet 365família, seu trabalho.

Um ponto interessante é que os vírus nem sempre causam problemas.

No livro eu conto um exemplo, que é o mais exagerado,free4all bet 365que a existênciafree4all bet 365uma placenta e, no fundo, a existênciafree4all bet 365todos nós mamíferos, se deve à interação com um vírus.

Então eles não são sempre inimigos. O que acontece é que quando eles são, chamam muito mais atenção.

free4all bet 365 BBC: No seu livro o senhor compara o vírus e seu DNA/RNA com um ladrão que busca uma empresa para roubar. O senhor poderia explicar melhor essa ideia?

free4all bet 365 Pita: Como você dizia antes, o vírus se aproveita desta fábrica maravilhosa que é a célula, onde tudo está organizado e pensado para ler nosso material genético.

Mas agora,free4all bet 365vezfree4all bet 365ler e, por exemplo, fabricar algo útil para nosso pigmento ou digestão, ele faz cópias do vírus.

Então é um hack. É um assalto. É um aproveitamentofree4all bet 365recursos que, obviamente, é químico, inconsciente. No fundo são apenas reações.

A única razãofree4all bet 365compará-lo a um ladrão é para entendê-lo melhor.

Gravida

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, "A existênciafree4all bet 365uma placenta, ou seja, a existênciafree4all bet 365mamíferos, é explicada como uma função adquirida ao longo da evolução graças a uma (ou várias) inserçõesfree4all bet 365DNA viralfree4all bet 365nosso DNA", explica Pitafree4all bet 365seu livro.

Em suma, um material genético parecido ao seu chegou, se aproveitoufree4all bet 365tudo que existia ali, saqueou e, ainda por cima, ao sair, arrebentou a célula, deixando-a exausta.

Porque, claro, a célula está acostumada a seguirfree4all bet 365um ritmo. Mas se entram milharesfree4all bet 365vírus, eles fazem ela trabalhar muito. E ainda por cima, quando eles saem, eles perfuram a célula.

É isso que te dá febre. É um saque brutal nas suas células que faz com que você vá caindo, caindo, caindo, e que o sistema imunológico tenha que dizer: "Alguma coisa está acontecendo aqui".

free4all bet 365 BBC: No livro, o senhor diz que cada vírus estaria condenado a se extinguir no primeiro hóspede não fosse pelo contágio e pelo sistema imunológico já mencionado, o que parece contraditório. O que cada um faz para "ajudar" na sobrevivência do vírus?

free4all bet 365 Pita: Nessa dinâmicafree4all bet 365que os vírus entram na célula, se copiam e se decompõem, há uma progressão.

Se entraram dez, saem mil, que simultaneamente atacam um montefree4all bet 365outras células. Agora temos então um milhãofree4all bet 365cópias.

Em um momento seriam muitíssimos milhões —sem célula para entrar. E, no final, o vírus é uma molécula flutuante que, sem essa dinâmica ativa, acaba se degradando.

Às vezes isso acontecefree4all bet 365minutos, às vezesfree4all bet 365horas, depende do vírus ou da superfície onde ele se deposita, mas se passa um tempo, ele entrafree4all bet 365colapso. A não ser que seja capazfree4all bet 365saltar para outro corpo onde haja novas células para invadir.

Pode acontecer que um vírus novo infecte uma planta, a mate e nunca mais contagie outra. É provável que nem fiquemos sabendo que isso existiu.

Mas os humanos são uma espécie quefree4all bet 365geral se contagia muito bem porque vivemosfree4all bet 365contato uns com os outros.

Por isso, a superpopulação é um fatorfree4all bet 365risco. Primeiro, porque nos contagiamos e segundo, porque passa a ser muito mais provável que surja um vírus.

Além do contágio por proximidade, há outro fator que é o sistema imunológico.

O sistema imunológico é a grande invenção do corpo humano. É estar preparado para lutar contra coisas que ainda não existem. É uma singularidade espetacular da natureza.

Enquanto um vírus destrói umafree4all bet 365nossas células, o sistema imunológico se dá contafree4all bet 365que algo vai mal e basicamente manda agentes para pegar amostras. Com este exame, ele vai perguntando: "você já viu essa proteína?"

O que acontece é quefree4all bet 365muito pouco tempo o corpo começa a combater o vírus.

Pacientefree4all bet 365UTI

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Pita explica que o sistema imunológico trava uma grande guerra contra o coronavírus

Ou seja, o indivíduo tem a possibilidadefree4all bet 365lutar, mas tambémfree4all bet 365contaminar durante muito mais tempo do que teria se o vírus simplesmente chegasse ao primeiro infectado e o matasse. Seria muito triste para ele, mas melhor para todos porque a pandemia acabaria ali.

No caso do novo coronavírus, ele não pode destruir efree4all bet 365poucas horas matar todas as célulasfree4all bet 365nossa mucosa respiratória. Ninguém morrefree4all bet 365três minutos.

O que acontece é uma guerra tremenda, que ocorre inclusive nas pessoas que acabam morrendo da doença.

Na verdade, existem problemas causados pela própria batalha, e por como nossas defesas estão reagindofree4all bet 365forma exagerada. Nosso sistema imunológico fica desorientado porque é uma doença nova que luta, luta e luta. E no final,free4all bet 365alguns pacientes, isso causa tantos danos quanto o vírus.

Em todo caso, o que temos é que o sistema imunológico, que é nossa única chance contra uma nova doença, também faz o vírus ganhar tempo para se espalhar.

free4all bet 365 BBC: O senhor também diz que "os vírus mais agressivos são menos contagiosos", e é por isso que "diantefree4all bet 365um vírus que não é muito agressivo e altamente contagioso, o isolamento é muito eficaz". Onde o novo coronavírus se encaixa nesse espectro?

free4all bet 365 Pita: É verdade que podemos dizer que os vírus mais agressivos são menos contagiosos e os menos agressivos são mais contagiosos, mas isso não é uma regra matemática, não é uma verdade imutável. É uma consequência lógica.

O coronavírus está causando problemas sérios que não precisamos lembrar aqui porque todos já sabem sobre eles, mas não é um vírus particularmente agressivo. Muitos o superam sem perceber e, proporcionalmente, poucas pessoas morrem.

É verdade que temos números horríveis, com quase um milhãofree4all bet 365mortos. Mas a porcentagem é muito menor do que se tivéssemos uma pandemiafree4all bet 365ebola, por exemplo, que é um vírusfree4all bet 365uma agressividade tremenda.

Mas com o coronavírus estamos pagando caro por este ser muito mais contagioso que agressivo.

free4all bet 365 BBC: Em relação à ideiafree4all bet 365que um vírus tende a ser mais agressivo quando surge e que, no longo prazo, busca "um equilíbriofree4all bet 365convivência na batalha contra o hospedeiro", como o senhor diz no livro, o quão longe estamos com o coronavírus?

free4all bet 365 Pita: Os vírus tendem a ser mais agressivos no início e menos no final devido a um processo evolutivo. É outra consequência lógica, mas não uma regra. A verdade é que nossa máquinafree4all bet 365copiar material genético é muito precisa, mas não é perfeita. Portanto, introduz erros no nosso, mas também no dos vírus.

Covid-19

Crédito, EPA

Legenda da foto, Cientistasfree4all bet 365todo o mundo buscam desenvolver uma vacina e aprimorar métodosfree4all bet 365detecção da doença, entre outras linhasfree4all bet 365pesquisa

Na verdade, a célula é uma empresa coordenada tão grande que também tem um departamentofree4all bet 365correçãofree4all bet 365erros. Ela assume que haverá erros, corrige-os e, ainda assim, alguns vazam.

Mas o vírus não passa por esse departamento.

Além disso, seu material genético é copiado muitas vezes. Tudo isso torna a taxafree4all bet 365erro muito alta. E esses erros se traduzemfree4all bet 365mudanças, mutações.

Uma coisa fascinante que estamos vendo com esse coronavírus é o rastreamentofree4all bet 365mutações ao redor do mundo. Temos tantos recursos sendo usados para estudá-lo e um nívelfree4all bet 365conhecimento genético tão alto que as basesfree4all bet 365dados são atualizadas a cada dia.

"O coronavírus" na verdade já são milhõesfree4all bet 365coronavírus diferentes, embora muito semelhantes. Todos sabem fazer a mesma coisa, e as mutações que não sabem mais entrar na célula e nos infectar, nós nem ficamos sabendo que elas desapareceram.

Ou seja, o ideal para a sobrevivência do próprio coronavírus seria transformar-sefree4all bet 365um vírus que dificilmente nos faça adoecer. Isso nos causaria apenas tosse ou inflamação.

E não estou falando do ideal para nós, que também ficaríamos felizes se o vírus fosse menos agressivo.

Mas para o coronavírus o melhor é chegar a um equilíbrio. Ou seja, ele tem que nos maltratar o suficiente para fazer cópias, e para isso tem que quebrar nossas células, mas sem ser agressivo demais, porque assim é mais contagioso.

No fim das contas, há um número finitofree4all bet 365corpos para nos invadir, um número finitofree4all bet 365células para nos infectar e os vírus que são mais capazesfree4all bet 365atingir mais células terão melhor desempenho.

Mas é claro,free4all bet 365uma pandemia com tantas situações, tantas mutações, não podemos prever como os eventos se desenrolarão. Este é um modelo lógicofree4all bet 365longo prazo muito provavelmente.

free4all bet 365 BBC: Os padrõesfree4all bet 365educação estão repletosfree4all bet 365comportamentos que, segundo o senhor, provavelmente se originaramfree4all bet 365epidemias antigas, como cobrir a boca ao bocejar ou mastigar com a boca fechada. Você acha que algo do que vivemos no "novo normal" vai acabar sendo tão incorporado que nos esqueceremosfree4all bet 365seu vínculo com a pandemia?

free4all bet 365 Pita: O que restará disso é uma abordagem fascinante. No livro, levanto a questãofree4all bet 365tossir na parte interna do cotovelo, algo que pelo menos na Espanha realmente pegou.

Outra coisa que eu noto aqui, e que talvezfree4all bet 365outros países menos quentes não seja assim, é a questão do contato. Na verdade, acho que é uma das explicações para os altos índicesfree4all bet 365contágio no início da pandemia.

Tosse

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, A tosse na parte interna do cotovelo é um dos hábitosfree4all bet 365saúde mais difundidos durante esta pandemia

Mas,free4all bet 365poucos meses, foi criada uma normalidade na faltafree4all bet 365contato que agora seria até estranho dar um abraço. É incrível.

Aos poucos, isso vai se incorporando entre parentes ou amigos, mas o atofree4all bet 365encontrar alguém na rua e dar um abraço nele, não sei se isso vai voltar um dia. Abraços são muito agradáveis para mim, como para todo mundo, mas acho quefree4all bet 365algumas culturas havia um comportamento um pouco despreocupado que não era higiênico.

free4all bet 365 BBC: No Uruguai, que é o exemplo que conheço maisfree4all bet 365perto, muitos não compartilham mais o matefree4all bet 365escritórios e atéfree4all bet 365reuniões com familiares e amigos.

free4all bet 365 Pita: Eu não tinha pensado nisso. Copos grandesfree4all bet 365cerveja e coisas assim às vezes eram compartilhados aqui. Mas se no Uruguai e na Argentina o mate não for mais dividido, isso pode ser uma mudança cultural maior.

Claro, talvez tudo isso seja apagado, pode ser que free4all bet 365dois anos tenhamos esquecido disso e passando o mate novamente.

Na verdade, há uma coisa que me preocupa muito, que é quanto tempo levaremos para esquecer que essa pandemia era evitável.

Ou, pelo menos, que podem ser tomadas medidas necessárias para diminuirfree4all bet 365probabilidade.

Mate no Uruguai

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, A covid-19 pode levar a grandes mudanças como a culturafree4all bet 365se compartilhar mate no Uruguai, Argentina e Brasil

Porque agora estamos muito envolvidos com o assunto e parece que está tudo péssimo. Mas nossos cérebros são muito bonsfree4all bet 365esquecer.

Não podemos descartar quefree4all bet 3652022 lembraremos disso tudo como aquela épocafree4all bet 365que morreram algumas pessoas.

E então sigo com minha vida, me sentindo confortável no meu carro mesmo que ele polua, votandofree4all bet 365um presidente só porque ele baixou meus impostos e, quando vier outra pandemia, vou voltar a pensar nisso.

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