A história da Grippina e dos remédios ‘milagrosos’ contra gripe espanhola:0 bet

Crédito, BIBLIOTECA NACIONAL

Legenda da foto, O laboratório Sanitas usava0 betseu respaldo científico para anunciar os comprimidos Oxyform, "único remédio profilático e curativo da influenza espanhola"

A própria medicina, enquanto isso, apostava0 betfórmulas que prometiam combater a gripe. Uma das mais conhecidas era a da Grippina.

"Mesmo que na hora da propaganda fossem anunciados como algo que curava muitas coisas, há uma diferença entre medicamentos elaborados cientificamente para ajudar a prevenir ou combater a gripe, e os outros produtos", explica a historiadora Liane Bertucci, professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

"A Grippina é um remédio elaborado cientificamente por homeopata. Ele não propõe nenhuma cura milagrosa, apesar0 betcertos exageros nas propagandas."

Anunciada como "o remédio da gripe espanhola", a Grippina era produzida pelo laboratório0 betAlberto Seabra, um famoso médico homeopata paulista. Formado pela Faculdade0 betMedicina da Bahia, era bastante respeitado pelas autoridades, que inclusive recomendavam o uso0 betsua fórmula. Ela seguia os princípios do sistema elaborado pelo alemão Cristiano Frederico Samuel Hahnemann, cuja teoria defende a existência0 betuma força vital, imaterial e dinâmica, que funcionava como um intermediário entre o corpo físico e o espírito.

A doença nada mais seria que um desequilíbrio dessa força e, para restabelecer a saúde, era necessário eliminar os sintomas que prejudicavam o equilíbrio.

"Talvez essa ideia0 betque se tratava0 betuma cura milagrosa acontecesse devido à forma como os médicos homeopatas realizavam o diagnóstico e da prescrição individualizada0 betremédios, o que fazia algumas pessoas considerarem a homeopatia uma prática espírita", diz Bertucci.

"O que é diferente da alopatia, que tinha outro entendimento das moléstias e suas possibilidades0 betcura."

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Estima-se que entre 50 e 100 milhões0 betpessoas tenham morrido por causa da gripe espanhola

No desespero, vale até formol

Para a população0 betgeral, porém, distinguir homeopatia0 betalopatia e mesmo charlatanismo nem sempre era uma tarefa simples — especialmente quando as últimas páginas dos jornais estavam repletas0 betanúncios dos produtos. "Chega um momento0 betque as pessoas não querem mais saber se é alopatia ou homeopatia, elas querem é algo que cure", diz Bertucci.

Havia0 bettudo um pouco. O Instituto Butantan teve o nome ligado a medicamentos como o Extrato Tonsilar do Dr. Erico Coelho, que prometia estimular as defesas do organismo. Outro homeopata famoso no período, Murtinho Nobre, recomendava o Gelsemium, preparado a partir da raiz do jasmim amarelo.

Em Porto Alegre, o laboratório Sanitas usava0 betseu respaldo científico para anunciar os comprimidos Oxyform, "único remédio profilático e curativo da influenza espanhola". Ainda na capital gaúcha, o Formagem, produzido pelo laboratório EKA, não se propunha exatamente a curar a gripe, mas dizia atenuar os sintomas: "a base0 betformaldeído [formol], o mais poderoso desinfectante conhecido, ligado à lactose desinfecta (sic) radicalmente a boca e as vias respiratórias. […] De paladar agradável, é absolutamente inofensivo à saúde."

Em uma época na qual a medicina não era tão acessível à população, tais propagandas podiam ser bastante perigosas, explica a historiadora Daiane Rossi, pesquisadora da Casa0 betOswaldo Cruz (COC/Fiocruz).

"Pelo tipo da fórmula, já conseguimos imaginar o quanto esses medicamentos poderiam ser maléficos para quem os ingerisse. Mas os brasileiros tinham a tradição0 betse curar0 betoutra maneira, elas levam um bom tempo até confiar nos médicos", diz.

Além disso, a homeopatia também parecia tornar a cura ao alcance0 betqualquer cidadão. "Medicar-se0 betforma eficaz e econômica seria uma prática perfeitamente possível durante a epidemia", escreveu Bertucci em0 bettese0 betdoutorado, "Influenza, a medicina enferma: ciência e práticas0 betcura na época da gripe espanhola0 betSão Paulo".

Crédito, BIBLIOTECA NACIONAL

Legenda da foto, O quinino era feito com a quina, planta usada por índios para curar febre. Como um dos sintomas da gripe espanhola era a febre, as autoridades sanitárias passaram recomendar o uso dos sais0 betquinino como profilaxia

0 bet A "cloroquina" da 0 bet gripe 0 bet espanhola

A preocupação com os preços era grande na época. Na edição0 bet40 betnovembro do jornal O Combate, um leitor reclamava "contra os preços exorbitantes que a Farmácia Humanitária, a avenida Brigadeiro Luiz Antonio, 209, está cobrando na ganância0 bettirar proveito das desgraças alheias. Por exemplo: cobra 1$000 pela metade do alcoolato0 betcanela que o Serviço Sanitário está vendendo a $300. Pouco humanitária a tal farmácia."

Um dos casos que geraram muita polêmica foi o do quinino. Feito com a quina, uma planta tropical presente na América do Sul (especialmente no Peru) e usada por índios para curar febre, popularizou-se a partir do século 17, no combate à malária. Como um dos sintomas da gripe espanhola era a febre, as autoridades sanitárias brasileiras passaram recomendar o uso dos sais0 betquinino como profilaxia.

Em seus "Conselhos ao Povo", que circularam nos principais jornais do país, a Diretoria do Serviço Sanitário recomendava, entre outros, "tomar, como preventivo, internamente, qualquer sal0 betquinino nas doses0 bet25 a 50 centigramas por dia, e0 betpreferência no momento das refeições."

Não demorou para que o povo corresse às farmácias0 betbusca do quinino, e os preços acompanharam a demanda. No dia 160 betoutubro0 bet1918, o sulfato0 betquinina, comercializado a 320$000 o quilo,0 betmenos0 bet12 horas passou a custar 450$000,0 betacordo com a pesquisa0 betBertucci. Havia também quem desmaiasse no meio da rua0 bettanto tomar quinino, que0 betdoses excessivas é tóxico.

O Serviço Sanitário tratou0 betintervir, passando a regular os preços e a exigir receitas específicas para conter a "crise" do quinino. No entanto, ela pode ter contribuído para a popularização dos outros medicamentos. Uma das estratégias da Grippina, por exemplo, foi chamar a atenção para a virtude0 bet"estar ao alcance das classes pobres": um vidro0 betGrippina custava 3$000, preço equivalente ao0 bet10 cápsulas0 betsulfato0 betquinino0 bet0,5 miligramas. Outro ponto positivo seria o fato0 betser facilmente encontrada na Companhia Paulista0 betHomeopatia, enquanto o quinino estava tabelado pelo Serviço Sanitário.

Regulamentação das propagandas

Ainda que tímidas e sem muito sucesso, houve algumas tentativas0 betregular as fórmulas e produtos farmacêuticos. Em um apelo ainda0 betoutubro, o Serviço Sanitário pediu que clínicos uniformizassem e simplificassem as receitas. Um médico foi além, e sugeriu a proibição anúncios que se relacionassem à epidemia sem a aprovação prévia do diretor sanitário.

Chegou a haver algumas campanhas contra personagens específicos. O diretor do Serviço Sanitário do Estado0 betSão Paulo, Artur Neiva, encabeçou uma cruzada contra Moura Lacerda, a quem chamava0 bet"pseudo doutor", pois divulgava a "autocura física", que incluíam reeducação alimentar, uso0 betplantas medicinais, helioterapia, balneoterapia, entre outros. Mas o principal resultado parece mesmo ter sido a evidência da incapacidade das autoridades0 betcontrolar até mesmo quem acusavam0 betcharlatanismo.

Crédito, BIBLIOTECA NACIONAL

Legenda da foto, Propaganda0 betextrato tonsilar

Levou algumas décadas até que os medicamentos passassem a obedecer uma legislação0 betregistro, conforme explica a professora0 betfarmacologia e toxicologia Flávia Tissen, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Embora o Código0 betNuremberg0 bet1947 tenha estabelecido um conjunto0 betprincípios éticos para a pesquisa com seres humanos, foi só0 bet1962, com o caso da Talidomida (sedativo que causa malformação0 betfetos), que uma série0 bettestes passou a ser exigida para que um remédio possa ser lançado.

"Até então, só observavam que tinha problemas quando já tinha problemas", conta.

No Brasil, a lei que dispõe sobre o controle sanitário do comércio0 betinsumos farmacêuticos e correlatos é0 bet1973. A propaganda, por0 betvez, passou a ser regulamentada0 bet1976 e proibiu, entre outros pontos, a publicidade0 betmedicamentos que só podem ser vendidos sob prescrição. Em 1988, a nova Constituição Federal tornou obrigatória a restrição às propagandas0 betmedicamentos, para proteger a população dos riscos à saúde que podem surgir por causa delas.

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