Como um diplomata desobediente ajudou a salvar milharesjudeus do Holocausto:

Crédito, Courtesy Sousa Mendes Foundation

Legenda da foto, AristidesSousa Mendes e telegrama do ditador português Salazar

No dia 9junho, Portugal finalmente concedeu reconhecimento oficial ao diplomata, e o Parlamento do país decidiu que um monumento no Panteão Nacional deveria levar seu nome.

Por que Bordeaux?

Em meadosjunho1940, as forçasHitler concluíam a vitória sobre a França. Paris caiu14junho e um armistício foi assinado pouco maisuma semana depois.

O corpo diplomáticoPortugal seguia estrita orientação da ditaduradireitaSalazar: os vistos deveriam ser concedidos a judeus refugiados e apátridas somente com permissão expressaLisboa.

Crédito, Fundação Sousa Mendes

Legenda da foto, Rabino Chaim Kruger disse a Sousa Mendes que não podia abandonar os milharesoutros refugiados judeusBordeaux

Para aqueles que lotavam as ruasBordeaux na esperançaatravessar a Espanha e escapar da perseguição nazista, não havia tempo para esperar.

"Ouvimos dizer que os franceses se renderam e os alemães estavammovimento", diz à BBC Henri Dyner. Judeu, Dyner tinha três anos na época, mas guarda lembranças vívidas da fugasua famíliasua casaAntuérpia, quando a Alemanha nazista atacou a Bélgica e invadiu a França e a Holanda.

"O que eu lembro é o som do bombardeio, que deve ter me acordado, e minha mãe me dizendo que era um trovão."

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Salazar (à esq.) manteve Portugal neutro durante a Segunda Guerra Mundial

"Meus pais ligaram o rádio e ouviram o rei Leopoldo dizer aos belgas que havíamos sido traídos e atacados pelos alemães. Meu pai suspeitava que poderia haver uma guerra desde 1938. Ele tinha um plano e um carro", lembra Dyner, agora um engenheiro aposentado que viveNova York.

Eliezar Dyner,esposa Sprince e outros cinco parentes, incluindo um bebêsete meses, fugiram do ataque e entraram na França.

"Meu pai evitou grandes estradas, distanciou-seParis e ficamos presos à costa. Ele queria estar apenas 16 quilômetros à frente do front o tempo todo, porque achava que poderia ser uma guerra rápida. Qual seria a razão para ir longe demais se teríamos que voltar à nossa casa? "

Depoisver aviõesguerra alemães bombardeando trincheiras francesas e ouvir as notíciassucessivas vitórias do Eixo, o paiHenri percebeu que, quando chegaram a Bordeaux, não conseguiriam voltar à Antuérpia tão cedo.

Crise moral e colapso nervoso

Em Bordeaux, o cônsul havia feito amizade com um rabino. Chaim Kruger também havia fugido da ofensiva nazista na Bélgica.

O cônsul Sousa Mendes ofereceu ao rabino efamília passagem imediata e segura pela fronteira espanhola, mas depois sofreu uma "crise moral", segundo o historiador Mordecai Paldiel.

Kruger recusou a oferta, pois não podia abandonar os milharesoutros refugiados judeusBordeaux.

Numa carta13junho1940, Sousa Mendes escreveu: "Aqui a situação é horrível, e eu estoucama por causaum forte colapso nervoso".

"Ninguém realmente sabe o que passou pormente naqueles dois ou três dias", diz Paldiel, que dirigiu o departamento dos Justos entre as Nações no centro memorial do Holocausto Yad Vashem,Israel, por 25 anos. Os Justos entre as Nações como o EstadoIsrael classifica não judeus que arriscaram suas vidas durante o Holocausto para salvar vidasjudeus do extermínio pelo nazismo.

"Alguns dizem que o deverum diplomata é obedecer às ordenscima, mesmo que essas determinações não sejam morais."

"Mais tarde,Lisboa, Sousa Mendes disse a um rabino: 'Se tantos judeus podem sofrer por causaum católico, é certo que um católico sofra por muitos judeus.' Ele estava falando sobre Hitler, é claro."

'Cheganacionalidades'

O que quer que tenha passado pela cabeça do diplomata, Sousa Mendes acordou na segunda-feira, 17junho, imbuídoum novo espírito.

De acordo com o filho Pedro NunoSousa Mendes, "ele saiu do quarto e anunciouvoz alta: 'De agoradiante, estou dando vistos a todos. Não haverá mais nacionalidades, raças ou religiões'."

Para Henri Dyner efamília, foi o que salvouvida.

Crédito, Fundação Sousa Mendes

Legenda da foto, Henri Dyner antessua família fugir da Bélgica

Coincidentemente, a mãeHenri conhecia o cônsul português desde a épocaque viviamAntuérpia, onde ela era secretária no Consulado britânico.

A família Dyner já havia tentado e não conseguiu obter vistos das autoridades americanas, britânicas e canadenses para deixar a França. Antesseu colapso, Sousa Mendes os colocouuma listaum pedido enviado ao governoSalazar.

"Minha mãe lembra que ele desapareceu por alguns dias e, quando voltou, seu cabelo estava grisalho", diz Henri Dyner, que lembra filasrefugiados do ladofora do consuladoBordeaux e acampandopraças.

"Minha mãe começou a trabalhar para Sousa Mendes naqueles dias, ajudando com esse tipolinhaproduçãovistosuma longa mesa. Sousa Mendes salvou nossas vidas."

Corredor para Espanha

Ninguém sabe ao certo quantos vistostrânsito foram emitidos, permitindo que os refugiados passassem da França para a Espanha e viajassem para Portugal. Mas as estimativas variam entre 10 mil e 30 mil, e a maioria acabou atravessando o Atlântico rumo aos Estados Unidos.

A Fundação Sousa Mendes, com sede nos EUA, identificou cerca3,8 mil beneficiários desses vistos.

Crédito, Keystone/Getty Image

Legenda da foto, Refugiados tentam fugir para Espanhameio a avançotropas nazistas

Como se estivesse possuído por uma missão, o cônsul chegou a assinar vistostrânsito, enquanto multidõesBordeaux começavam a marchardireção ao sul, para a cidade fronteiriçaHendaye. Ele parou no ConsuladoBayonne para emitir mais documentos.

O Ministério das Relações ExterioresLisboa começou a enviar cabogramas (telegramas enviados por cabos submarinos) para Bordeaux, ordenando que Sousa Mendes parasse,meio a relatoscolegasque ele havia "perdido o juízo".

Quando as autoridades espanholas começaram a considerar seus vistos inválidos, milhares já haviam atravessado o rio Bidasoa na região basca da Espanha.

Quem saiu?

Eventualmente, Sousa Mendes se reportou a seus chefesLisboa no dia 8julho.

Entre os que escaparam da França ocupada graças a seus vistos estavam o artista surrealista Salvador Dalí, o cineasta King Vidor, membros da famíliabanqueiros Rothschild e a maioria do futuro governo exilado da Bélgica.

Legenda da foto, Henri Dyner voltou à 'ponte da liberdade' na fronteira franco-espanhola

O paísSalazar mais tarde seria elogiado por seu papelpermitir que os refugiados escapassem da ocupação e repressão nazistas, mas Sousa Mendes acabou expulso do corpo diplomático e perdeuaposentadoria.

A casasua famíliaCabanasViriato acabou desmoronando e nunca foi reerguida.

"Sousa Mendes foi maltratado por Salazar. Ele morreu na miséria como um pobre e seus filhos emigraram para tentar encontrar um futuro melhoroutro lugar", diz Henri Dyner.

A famíliaHenri acabou no Brasil, antesse mudar para os EUA por questões profissionais. Mas ele se lembraum homem que teve coragemsuas convicções.

"Do jeito que as coisas estão no mundo hoje, precisamosmais pessoas preparadas para defender o que é certo e tomar uma posição".

Quem foi AristidesSousa Mendes?

  • 1885: Nascidouma família portuguesa próspera. Ele era um "bon vivant" extrovertido e tinha 15 filhos, diz o neto Gerald Mendes
  • 1910: Ingressa na carreira consular, no início, atuouZanzibar, Brasil, Espanha, Estados Unidos e Bélgica
  • 1919: A serviço do governo português no Brasil, Sousa Mendes é suspenso por dois anos por comportamento "anti-republicano"
  • 1938: Torna-se cônsulBordeaux, na França
  • 1940: Em junho, concede vistos indiscriminadamente. É chamado a Lisboa e afastadosuas funções pelo períodoum ano, com metade dos vencimentos. No fim deste ano, Salazar forçouaposentadoria, sem pensão. Isso "condenou-o a viver o restosua vida na mais absoluta miséria", diz seu neto. Sousa Mendes sobrevive graças a um sopão gerenciado pela comunidade judaicaLisboa
  • 1954: Morre na obscuridade, considerado uma pária aos olhos do governoPortugal
  • 1966: Yad Vashem o reconhece como Justo entre as Nações
  • 1988: O parlamento português retira postumamente as acusações disciplinares contra ele.
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