O diaque Frank Sinatra 'fez a chuva parar' e cantou para 175 mil pessoas no Maracanã:

Crédito, Artplan Publicidade

Legenda da foto, Roberto Medina demorou a convencer Frank Sinatra a vir tocar no Brasil

Há exatos 40 anos, passou o dia com o ouvido grudado no radinhopilha: ora os organizadores diziam que o show tinha sido cancelado por causa da chuva; ora que ele estava confirmado, apesar dela. "A tensão era enorme", resume o jornalista, hoje com 57 anos, que assistiu a dois outros shows'A Voz' e escreveu dois livros, Sinatra: O Homem e a Música (2008) e Frank, Dean & Sammy: Três Homens e Nenhum Segredo (2011).

Sensibilizado com a multidão que tomava chuva à espera do show, Sinatra reviudecisão. "Não posso deixar essa gente na mão", disse, segundo jornais da época. "Vou cantarqualquer jeito."

Ele e Medina se conheceram1977, quando o astro gravou um comercial para uma marcauísque. Convencê-lo a se apresentar no Brasil não foi fácil. O paiRoberto, o empresário Abraham Medina, bem que tentou,1955, sem sucesso.

Sinatra alegava que uma cartomante teria dito que, se viesse à América do Sul, seria assassinado. Conversa. Tudo não passavauma desculpa inventada pelo próprio para escapar do assédioempresários brasileiros.

Crédito, Acervo Maksoud Plaza

Legenda da foto, Frank Sinatraseu show no Maksoud Plaza,São Paulo,agosto1981

Em 1979, porém, Sinatra aceitou a proposta. Mas, na dúvida, incluiu no contrato uma cláusula que obrigava os organizadores do show a garantir um público de, no mínimo, 60 mil pessoas.

A hora da estrela: 20h53

"A sete minutos da hora marcada, algo mágico aconteceu: a chuva parou", relata outra testemunha ocular daquela noite, o jornalista Ruy Castro. Em Saudades do Século XX (1994), ele dá mais detalhes: "O céu se abriu sobre o estádio e as estrelas apareceram. E a maior delas também".

A cerimonialista Amarilis Vianna assistiu ao showum lugar privilegiado: no meio da orquestra40 músicos regida pelo maestro Vinnie Falcone. Contratada pela Artplan para atuar como intérpreteBarbara Sinatra durante a temporada carioca, Amarilis ficou responsável por traduzir as falasSinatra durante a apresentação.

"Os organizadores pediram que eu encurtasse algumas frases. Tinham medo que começasse a chover bem no meio do show", explica.

Naquela noite, Sinatra "deu trabalho" a Amarilis. Elogiou o público ("Nunca,toda a minha vida, tive uma plateia assim"), reclamou da imprensa ("Vim aqui para cantar e não para conversar com repórteres") e até fez gracejo sobre o tempo ("Viram como Deus é nosso amigo? Parouchover!").

O show começou às 21h e terminou às 22h15. Ao longo75 minutos, revisitou 20 cançõesseu repertório, como I've Got You Under My Skin, The Lady Is a Tramp e New York, New York. Como bônus, prestou homenagem a Tom Jobim, com quem gravara o álbum Francis Albert Sinatra e Antônio Carlos Jobim (1967), cantando Corcovado.

"Quando veio ao Rio, Sinatra já tinha 64 anos. Claro que já passara do apogeuseus anosouro, dos anos 1940 a meados da década1960", avalia o jornalista e crítico musical Roberto Muggiati, então editor-chefe da Manchete, que ocupou uma das 5,1 mil cadeiras do gramado. "O que ele perderavigor, ganharaexperiência".

The 'Serial Kisser'

Pelo menos dois momentos do show tornaram-se antológicos. O primeiro deles aconteceu durante Strangers in the Night, quando Sinatra esqueceu um trecho da letra e, parasurpresa, foi "socorrido" pelo público. "Quando parei, todo o Maracanã começou a cantar. Fiquei emocionado", escreveuumasuas biografias.

Quando terminoucantar My Way, outro susto. O taxista português José AlvesMoura, "o Beijoqueiro", invadiu o palco, driblou os seguranças e tascou uma beijoca na bochecha do cantor. "O próprio Sinatra,suas memórias, lembrou daquilo que chamou'The Kissing Bandit'", diz Renzo.

Crédito, Arquivo pessoal/Renzo Mora

Legenda da foto, Renzo Mora com seus ingressos dos showsFrank Sinatra

Às 22h15, depoisacenar pela última vez com um lenço branco, despediu-se do público e desceu a passarela, rumo ao camarim. "E, como se tivesse havido um acordo cósmico, a chuva voltou com toda a força", afirma Ruy Castro.

A passagemSinatra pelo Rio não se resumiu ao show do Maracanã. Entre os dias 22 e 25janeiro, realizou quatro apresentações no recém-inaugurado Rio Palace, hoje rebatizadoFairmont.

O espetáculo atraiu, entre outros, o humorista Chico Anysio, o cantor Agnaldo Timóteo e o sambista Oswaldo Sargentelli. Cada um dos 600 espectadores pagou, por noite, Cr$ 20 mil, algotornoR$ 4,7 milvalores atuais.

FafáBelém foi uma das mais assíduas espectadorasSinatra no Brasil. Viu os shows do Rio e osSão Paulo. "Aprendi a gostarSinatra com papai. Ele gostava tanto que,1997, foi sepultado ao somNew York, New York", recorda. "Sinatra não era mais criança quando veio ao Rio. Mas continuava charmoso como sempre."

'Sinatra in Rio'

"The Voice" desembarcou no Galeão na segunda, dia 21, às 8h40. Junto dele, veio uma comitiva25 pessoas, que incluía Barbara,mulher, e Robert, seu enteado. De lá, o cantor seguiu,helicóptero, para o Santos Dumont, onde pegou um carro até Copacabana. Na frente do hotel, cerca200 jornalistas, do Brasil e do exterior, se acotovelavam à espera do astro.

A repórter do jornal Última Hora Rose Esquenazi, então com 25 anos, estava entre os profissionais escalados para cobrir a visitaSinatra ao Rio. "Foram sete diasmuita ralação", lembra a hoje pesquisadora do DepartamentoComunicação da PUC-Rio. "Chegava ao hotel por volta das 9 da manhã e só saía depois do show que Sinatra fazia no hotel, lá pelas onze da noite."

Só houve uma coletivaimprensa, no dia da chegadaSinatra, e durou pouco maistrês minutos. Nela, o cantor limitou-se a dizer que a viagem tinha sido cansativa, que ele estava exausto e que só não veio antes ao Brasil por faltatempo. Antes que alguém pudesse esboçar mais alguma pergunta, Lee Solters, seu assessorimprensa, puxou o cantor pelo braço.

No empurra-empurra entre fotógrafos e seguranças, sobrou até para Barbara. "Sinatra não veio ao Brasil para ser tratado como animal", vociferou o assessor. O correspondente Harold Emert, que produzia conteúdo para o Latin American Post, não guarda boas recordações. "Levei uma dura do Solters por ter dito, numa matéria, que Sinatra usava peruca", afirma.

Crédito, Acervo Maksoud Plaza

Legenda da foto, Entre os presentes no showSinatraSão Paulo estavam Roberto Carlos e Myrian Rios

'Estou cheioSinatra'

Entre um show e outro, Sinatra pouco saía do quarto. Enquanto Barbara se esbaldava pela Floresta da Tijuca ou pelo Cristo Redentor, seu marido permanecia recluso na suíte600 metros quadrados. Os vidros das varandas tinham 20 milímetrosespessura e eram à provabalas.

Havia rumoresque Sinatra estaria à basemedicamentos para livrar-seum resfriado. Outra lenda urbana especulava que o cantor teria vindo ao Brasil para abrir um cassino na Amazônia.

"A tentaçãocantar para o maior público já reunido para um único artista foi o que motivouvinda ao país", explica Renzo Mora. Durante os seis diasque Sinatra passou na cidade, não se falavaoutra coisa. Até o poeta Carlos DrummondAndrade,umasuas crônicas para o Jornal do Brasil, desabafou: "Estou cheioSinatra e, onde quer que eu vá, só ouço falar nele, só vejo o retrato dele, só escuto músicas cantadas por ele".

Nas poucas vezesque saía do quarto, o cantor descia para jantar no restaurante do hotel, o Le Pré Catelan. Numa dessas vezes, foi acompanhado, entre outros felizardos, pela cantora Eliana Pittman.

O convite para um jantar "exclusivérrimo" partiu do guitarrista Al Viola, um dos músicosSinatra e amigo do paiEliana, o saxofonista Booker Pittman. "Ele convidou, mas fez uma recomendação: não tire fotos, porque o Sinatra não gosta. Fui obediente, mas me arrependo até hoje", ri Eliana ao contar a história.

Crédito, Acervo Maksoud Plaza

Legenda da foto, Frank Sinatraseu show no Maksoud Plaza,São Paulo; ao todo, ele fez nove apresentações no Brasil

Durante o jantar, Barbara não desgrudou do marido. Nem deixou ninguém chegar perto. "Não lembro sobre o que conversamos. Afinal, lá se vão 40 anos. Mas, dos olhos azuis dele eu não me esqueço. Aquele homem era um tesão!", gargalha Eliana.

A atriz Myrian Rios também teve o privilégiover "Old Blue Eyes"pertinho. O encontro aconteceu no Maksoud Plaza,São Paulo,agosto1981. Na ocasião, o casal Roberto Carlos e Myrian Rios, para ficar mais próximo do ídolo, se hospedou no mesmo andar da suíte presidencial Trianon: o 20º andar.

"Sinatra elogiou o Roberto pela qualidadeseu trabalho e o parabenizou por ter uma esposa tão jovem", recorda Myrian.

Ao todo, Sinatra fez nove shows no Brasil: cinco no Rio,1980, e quatroSão Paulo, um ano depois. O convite para se apresentarSão Paulo partiu do empresário Henry Maksoud, fundador do hotel que leva seu sobrenome. Cada ingresso foi vendido a Cr$ 59 mil, o equivalente hoje a R$ 7,5 mil.

Os shows aconteceram entre os dias 13 e 16agosto1981 para um seleto público2,8 mil espectadores.

Crédito, Getty Images

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