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O grupocientistas que descobriu as regras que orientam a vida no planeta e mudou nossa visão do mundo:
"Eles viram coisas que ninguém havia visto antes, pensaram coisas que até então ninguém havia pensado e o que descobriram mudou a maneira como vemos a natureza", diz Carroll,entrevista à BBC News Mundo, serviçoespanhol da BBC.
E ele não está exagerando.
Além disso, demonstraram que, embora a intervenção do homem possa ser — e tenha sido — prejudicial ao planeta, ela também pode ser benéfica, "algo que precisamos levarconta nesse momento".
O que sabíamos
Todos esses cientistas começaram a partiruma visãomundo que talvez, hoje, seja familiar a todos nós.
As plantas recebem luz solar e a transformamalimento; alguns animais comem essas plantas e,seguida, predadores se alimentamalguns desses devoradoresplantas.
Mas, na década1960, um destes cientistas, o ambientalista americano Robert Paine, se perguntou se os predadores não eram realmente nada além disso, se o seu papel na natureza se reduziria apenas a comer carne na cadeia alimentar.
O problema era como investigar...
"Você não pode tirar todos os leõesum ambiente para ver o que acontece", escreve Carroll no livro The Serengeti Rules - The Quest to Discover How Life Works and Why It Matters ("As regras dos Serengeti - a missãodescobrir como a vida funciona e por que ela é importante",tradução livre).
Ele precisavaum lugar onde todo o ecossistema estivesse contido e tivesse um tamanho gerenciável.
Até que encontrou as poçasmaré da BaíaMakah, no noroeste dos Estados Unidos, onde havia tudo o que ele precisava: cerca15 espéciesorganismos, gastrópodes carnívoros se alimentandocracas, ouriços-do-mar se alimentandoalgas...
... e, o mais importante, um grande predador: estrelas-do-mar.
"As pessoas veem e pensam: 'Que lindas!' Mas elas são ferozes. São grandes devoradoras. Comem cracas, são fascinadas por mexilhões... são os leões das poçasmaré", diz Paine no documentário The Serengeti Rules ("As regras dos Serengeti",tradução livre), baseado no livroCarroll.
Com e sem estrelas
Ele podia dar início então ao experimento.
Paine tirou as estrelas-do-maruma das poçasmaré, masoutra, não — e, durante meses, observou o que acontecia.
Logo ele começou a notar as mudanças na piscina sem estrelas-do-mar: os mexilhões começaram a se multiplicar, enquanto outras espécies desapareciam.
Após alguns anos, das 15 espécies que existiam originalmente restavam apenas os mexilhões.
Paine retirou espécies diferentesoutras piscinas — masnenhum dos casos aconteceu o mesmo.
Claramente, a diversidade nas poçasmaré dependia das estrelas-do-mar.
O predador era o bastião do ecossistema.
Os experimentos dele mostraram queecossistemas maduros alguns animais são mais importantes que outros.
E decidiu chamar esses animais"espécies-chave", por terem um papel vital na estrutura do ecossistema.
A exceção ou a regra?
Paine havia estabelecido as bases, mas era necessário saber se o que descobrira era uma regravida ou uma peculiaridade.
Felizmente, a ciência costuma ser um trabalhoequipe — que não precisa ser feito ao mesmo tempo, tampouco no mesmo local.
No sudoeste do Alasca, há uma ilha vulcânica chamada Amchitka, onde você é recebido por uma placa com os dizeres: "Não é o fim do mundo ... mas daqui você pode vê-lo".
O fim do mundo não era exatamente o que o ecologista marinho Jim Estes estava estudando nesse remoto lugar.
O interesse dele estava debaixo d'água, onde havia encontrado uma florestaalgas que, assim como os bosques na superfície terrestre, fornecia um habitat para muitas espécies, incluindo um grande númerolontras-marinhas.
Um dia, Paine resolveu ir até o lugar seguindo um novo pontovista:vezver a floresta como o suporte para as lontras-marinhas, pensaria nas lontras como espécie-chave predadora desse habitat.
"Esse foi o começo do resto da minha vida", conta Estes no documentário.
Para ver que efeito esses mamíferos carnívoros tinham no ecossistema, ele visitou uma ilha próxima chamada Shemya, onde não havia lontras. Quando mergulhou,vezencontrar uma floresta cheiavida, se deparou com um deserto povoado apenas por ouriços.
Estes sabia que as lontras comiam muitos ouriços, e que os ouriços se alimentavamalgas. Sem as lontras, os ouriços se multiplicaramforma descontrolada e comeram todas as algas. E, sem as algas, todas as outras espécies haviam desaparecido.
Sem os predadores que a protegiam, a floresta subaquática não podia existir.
Água doce
Na década1970, a ecologista Mary Power — que havia sido alunaPaine e lera os relatóriosEstes — comprovou algo semelhantecórregosOklahoma, nos EUA.
Ela notou que alguns desaguavamuma sérielagos estéreis intercalados por lagoscor verde esmeralda vibrante.
Depoisinvestigar, ela descobriu que a diferença se devia à presença ou falta da espécie-chave, que nesse ecossistema era o Micropterus salmoides, um peixeágua doce mais conhecido como achigã.
Em terra firme...
O resultado do trabalhoPower nos córregos,Paine nas poçasmaré eEstes no oceano provou que a hipótese das espécies-chave era verdadeirauma ampla variedadeambientes aquáticos.
Faltava um experimentoterra — que foi realizado na Venezuela.
Um imenso lago foi criado com a construção da represaGuri, no rio Caroni, que deu origem a muitas ilhas, a maioria sem predadores.
O ecologista e biólogo John Terborgh foi quem explorou essas ilhas — e lembra que, quando chegou lá, "parecia que tinham sido arrasadas por um furacão".
Em algumas ilhas, as formigas-cortadeiras haviam se reproduzido descontroladamente, dada a ausênciaformigas-guerreiras, e, por isso, foram desfolhando as árvores até matá-las.
"O fenômeno se repetia,diferentes maneiras e com diferentes espécies-chave, mas o resultado era sempre o mesmo: o que havia começado como uma bela floresta verde,20 ou 25 anos era apenas devastação", diz Terborgh.
O mistério das lontras
O que esses cientistas estavam construindo era uma maneira totalmente novaver o mundo — derrubando preconceitos e revelando conexões ocultas completamente inesperadas entre as criaturas e a natureza.
Mas ainda faltava entender quão profundas e duradouras eram essas conexões.
Essa descoberta ficou para Jim Estes, quando retornou à Ilha Amchitka, no início dos anos 1990.
"Foi uma loucura: quando saí, havia 8 mil lontras; e cinco anos depois, não restava quase mais nenhuma!"
Não apenas lá, mastodo o arquipélago das Ilhas Aleutas, do qual Amchitka faz parte.
"Se tratava do desaparecimentovárias centenasmilhareslontras, uma redução95% a 99%, elas desapareciam sem que ninguém encontrasse seus restos mortais nas redondezas."
Logo, Estes notou outra mudança espantosa:
"Nos anos 1970 e 1980, se deparava com uma orca a cada três ou quatro anos. Nos anos 1990, comecei a vê-las três ou quatro vezes por dia... elas estavam comendo não só as lontras, mas também outros animais que tinham sumido."
O que havia acontecido?
Embora naquele momento não fosse óbvio, aquilo tinha sido obra do controlador-chave: o ser humano.
Muitas vezes, removemos o predador-chave dos ecossistemas naturais — mas, neste caso, não se tratavaeliminar um predador, mas seu alimento.
A causadesse evento tão dramático foi a caça industrial às baleias, que começou no Pacífico Norte após a Segunda Guerra Mundial e continuou até o início da década1960.
Naquela época, as enormes baleias no Pacífico Norte haviam sido dizimadas.
O sumiço das baleias abalou o ecossistema, uma vez que elas eram grandes e altamente nutritivas para as orcas (que, aliás, não são uma espéciebaleia, pois são da família dos golfinhos), que foram forçadas a diversificardieta.
As primeiras vítimas foram as focas, até serem exterminadas. Em seguida, os leões-marinhos. E, quando estes foram eliminados, foi a vez das lontras-marinhas.
Praticamente tudo foi afetado — do salmão às aves marinhas e águias-carecas. Todo o ecossistema entroucolapso.
Revolução no pensamento científico
Para Estes, reconhecer que a natureza está conectadaescalas tão vastasespaço e tempouma maneira tão importante foi uma revolução no pensamento científico.
Munidos dessa visão completamente nova, eles começaram a perceber coisas que não se via antes, apesarestarem bem diante do nosso nariz.
"Se eu te disser, assim do nada, 'as árvores precisam dos lobos', talvez isso te surpreenda, mas esse tiporevelação não surge ao olhar para a natureza como se fosse apenas uma imagem bonita, é o resultado dessa compreensãocomo funciona a natureza", diz Carroll à BBC News Mundo.
Para entender melhor, veja a imagem abaixo... você consegue notar algo estranho?
Se você não notou nadapeculiar, é porque nos acostumamos a ver como "normais" paisagens degradadas.
Esta foto é típicauma floresta na qual, na ausênciaum predador, no caso o lobo, os cervos se multiplicaramforma descontrolada para se tornar uma praga e comeram tudo o que deveria estar vivo entre o solo e os ramos mais baixos que aparecem na imagem.
É uma florestaextinção: não haverá árvores novas porque foram comidas; portanto, quando estas que estão na foto morrerem, não haverá mais floresta.
E não é um caso isolado.
Na verdade, "grande parte do mundo que vemos hojedia está degradado", diz Carroll.
E, mais uma vez, ele não está exagerando.
Mas tudo isso está soando muito pessimista e prometemos uma históriaesperança.
O fato é que falta uma peça fundamental desse quebra-cabeça, descoberta pelo biólogo Tony Sinclair enquanto trabalhavaum dos lugares mais icônicos do planeta: o Parque Nacional Serengeti, na Tanzânia.
Maistudo
Quando Sinclair começou a trabalharSerengeti — embora ainda não tivesse percebido naquele momento —, o parque nacional mais famoso do mundo estava bastante degradado.
Há 120 anos, uma epidemiapeste bovina, muito semelhante ao sarampo, dizimou os animais locais, particularmente os gnus, cuja população permaneceu baixa por 70 anos, até que, nos anos 1960, os veterinários conseguiram erradicar a doença na maior parte da África.
Quando Sinclair chegou, a mudança começava a ser óbvia.
"Quando cheguei, havia cerca250 mil gnus. Oito anos depois, já havia 1,4 milhão", relembra.
"Era um recorde mundial, a maior populaçãoungulados do mundo".
Em 1982, Sinclair participou entusiasmadouma reunião para contar ao mundo o que estava acontecendo.
"Quando eu disse o número1,4 milhão, houve um silêncio mortal. Eu não esperavaforma alguma aquela reação."
Os colegas dele acreditavam que era irresponsável permitir que os animais se multiplicassem dessa maneira e, na opinião deles, deviam ser sacrificados porque destruiriam o habitat e causariam um colapso do ecossistema.
"Mas, pensei, por que os homens deveriam interferir? Esses ecossistemas existem há milhõesanos sem precisar que os humanos interfiram para se manter."
Cienteque estava colocandorisco um dos lugares mais icônicos da Terra, a equipeSinclair decidiu se manter firme e convenceu as autoridades do parque a não sacrificar os animais.
O censo dos quatro anos seguintes apresentou o mesmo resultado: 1,4 milhão. O ecossistema havia se nivelado sozinho e não havia danos ao meio ambiente.
"Pelo contrário: para nossa surpresa, descobrimos que o ecossistema estava se recuperando por contra própria. De repente, tudo começou a se reconectar", diz Sinclair.
"Os gnus produziam esterco, que fertilizava as pastagens, que se tornavam altamente nutritivas. E, ao comê-las, havia menos material combustível no solo e, portanto, menos incêndios.
"Isso permitiu aumentar as populaçõesárvores que provavelmente não cresciam desde o século 19. Essas árvores forneciam mais alimento para elefantes, girafas e muitas espéciespássaros."
"E isso atraiu muito mais predadores, porque também havia mais comida para eles", completa.
"Percebi que o gnu era uma espécie-chave e que, ao contrário do que Robert Paine havia presumido — que a espécie-chave era sempre um predador —, na verdade, podia ser um herbívoro".
Além disso, e talvez mais importante, o que os estudosTony Sinclair mostraram foi que, embora essas espécies-chave estivessem ausentes há 70 anos, a capacidaderecuperação do ecossistema não havia se esgotado.
E quando a espécie-chave reapareceu, o Parque NacionalSerengeti mudou profundamente: havia mais árvores, mais girafas, mais pássaros cantando, mais borboletas, mais besouros, maistudo.
Foi uma provalarga escalaque a degradação não é uma condenação: é reversível.
Em busca da 'estrela do mar'
Robert Paine foi o primeiro a vislumbrar isso: se você eliminar a estrela-do-mar, a biodiversidade entracolapso.
Seis décadas após o experimento dele, ecologistas renomados compararam suas experiências e ficou claro que é assim que a natureza funciona. Em todas as partes.
Eles haviam descoberto as regras da vida no planeta.
"Se você quer consertar algo, precisa saber o que está danificado", declarou Paine.
E graças a ele e a um punhadocientistas, é possível averiguar isso.
Agora, ao nos deparar com paisagens degradadas,vezficar fazendo comentários negativos, pessimistas e fatídicos, podemos nos perguntar: estamos condenados? O destino está selado para esses lugares e espécies?
E,muitos casos, a resposta é: "Não".
"Não é que você vai encontrar espécies-chavetodos os lugares, mas elas são predominantes!", observa Carroll.
É uma questãoencontrar o equivalente à estrela-do-mar para cada ecossistema.
Um exemplo conhecido é o do Parque NacionalYellowstone, no noroeste dos Estados Unidos, no qual há cerca20 anos, a populaçãolobos aumentou mediante a intervenção do homem para controlar o númeroalces, que estavam afetando seriamente a vegetação do parque.
Com o retorno dos lobos após 70 anosausência, os salgueiros se recuperaram, os choupos prosperaram, os castores voltaram e os ursos se expandiram.
E na Argentina, algo surpreendente aconteceu: com o regresso dos pumas para os altiplanos, a grama cresceu e criou um habitat para todos os tiposcriaturas.
E há cada vez mais exemplos disso.
No Centro-Oeste dos EUA, há pessoas adicionando peixes-chave a lagos verdes e turvos, que se tornam cristalinos.
Nos arrozais, as aranhas são as espécies-chave. Então, se você quiser comer arroz, proteja as aranhas.
Na Escócia, enquanto isso, estão mostrando como as belas pradarias não deveriam ser... pradarias.
Este cercado na foto acima, onde crescem árvores e flores, revela o impacto dos animais que pastam e como seria a paisagem escocesa sem eles.
E assim,muitas partes do mundo, há projetos semelhantes que estão recuperando lugares e espécies.
Ressurreição
Uma das histórias que mais emocionam Carroll é a do Parque Nacional da Gorongosa,Moçambique, que, como costuma acontecer com experiências inspiradoras, começa com uma grande perda: da vida selvagem devido a uma das guerras civis mais longas e destrutivas das últimas décadas (1977-1992).
Mas a paz acabou trazendo o interesserecuperar o que muitos chamavam"o paraíso perdido" da Gorongosa.
Hoje, como bem resumiu um artigo da revista National Geographic, "você pode ver a natureza dando um suspiroalívio".
"O projeto levou pouco mais15 anos e ficamos assustados que as coisas possam se recuperar a essa velocidade", exclama Carroll,conversa com a BBC News Mundo.
"Isso prova que, se você dá a ela uma chance, a natureza é muito resiliente."
"Não é que eu não seja realista... sou um cientista: acreditodados empíricos!", completa.
Com base nestes dados, ele se dedica a divulgar que há luz no fim do túnel.
"Grande parte da história humana é sobre superar desafios. Para isso, é necessário lançar mãoenergia e perspectiva; o pessimismo é uma profecia autorrealizável e muitosnós estão preocupados que as pessoas desistam."
"Não é horadesistir, é horaredobrar nossos esforços e perguntar 'o que pode ser feito' repetidas vezes."
"Você precisa se concentrar no trabalho, não no desespero."
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