Crise na Venezuela: por dentro do necrotério onde cadáveres explodem por faltaaposta menos 4.5energia elétrica:aposta menos 4.5

Legenda da foto, Lençóis e papelão são usados para cobrir alguns corpos no necrotério venezuelano; outros ficam expostos, sem qualquer proteção

Nos arredores, macas danificadas e outros materiais inutilizados ​​se acumulam formando um imenso depósito a céu aberto.

Mas o que está ao final dessas escadas é pior.

Legenda da foto, Os cadáveres têm ficado semanas e até meses no necrotério onde não há condições mínimasaposta menos 4.5conservação

Separados do mundo dos vivos por uma cortinaaposta menos 4.5borracha transparente, vários corpos sem vida estão sobre mesõesaposta menos 4.5metal sujos.

As moscas voam sobre os cadáveres, que jazem à temperatura ambiente.

No sempre quente Estadoaposta menos 4.5Zulia, isso significa temperaturas superiores a 30 graus.

Ali há homens, mulheres e também crianças.

Eles deveriam permanecer no local por apenas algumas horas e sempre no frio, mas a maioria passa dias ali, alguns até meses, se decompondo sob o calor sufocante porque ninguém assume a responsabilidade e os refrigeradores onde deveriam ser conservados não funcionam.

Zulia é um Estado ricoaposta menos 4.5petróleo, pecuária e comércio, e a área mais populosa do país, com quatro milhõesaposta menos 4.5habitantes.

É também uma das cinco regiões ocidentais prejudicadas por constantes apagões, racionamentos e oscilaçõesaposta menos 4.5eletricidade.

Legenda do vídeo, 'A carne está apodrecendo e os cadáveres estão se decompondo': Retratos do colapso da Venezuela

Os apagões são constantesaposta menos 4.5várias partesaposta menos 4.5Maracaibo, a principal cidade do Estado.

Um necrotério à temperatura ambiente

Caminhando pelo chão pegajoso e desviandoaposta menos 4.5manchasaposta menos 4.5sangue, chega-se a refrigeradores que, há muito tempo, não refrigeraram nada.

As falhas constantes no fornecimentoaposta menos 4.5eletricidade, um problema comumaposta menos 4.5Zulia, comprometeram os equipamentos e os tornaram inúteis.

"Estão apodrecendo 2 ou 3 cadáveres por semana", diz o responsável pelo necrotério.

Por questõesaposta menos 4.5segurança, protegemosaposta menos 4.5verdadeira identidade, bem como o nome do necrotério.

Arnold, como chamaremos o homemaposta menos 4.5estatura baixa,aposta menos 4.5aproximadamente 30 anos, faz o trabalho que ninguém mais quer fazeraposta menos 4.5trocaaposta menos 4.5um salário mínimo: cercaaposta menos 4.5US$ 24 (R$ 88,70) por mês considerando o câmbio no mercado paralelo, oaposta menos 4.5referência para a população da Venezuela.

Na porta que fecha uma daquelas geladeiras danificadas, uma folhaaposta menos 4.5papel informa: "25 fetos para enterrar por bolsa".

Legenda da foto, Em uma das geladeiras danificadas no necrotério venezuelano, uma folhaaposta menos 4.5papel informa: 25 fetos para enterrar por bolsa

Neste hospital, contam os funcionários, cada vez mais crianças e recém-nascidos morrem.

Arnold nos mostra o interior das câmaras frigoríficas. Ele se mostra indignado e quer que o mundo saiba.

Em algumas delas, montesaposta menos 4.5papelão e panos envolvem o que já foi um ser humano.

Em outras, a morte apareceaposta menos 4.5cara, como no casoaposta menos 4.5uma mulher que morreu há maisaposta menos 4.5seis meses.

Seu crânioaposta menos 4.5parte consumido deixa os cabelos arrepiados.

O odor provoca náusea e é preciso tapar o nariz.

Crianças que ninguém quer

Arnold explica que esse cadáver explodiu dentro do porão, como acontece no necrotério com muitos outros que não são retirados a tempo para enterro ou cremação, nem recebem o tratamento adequado.

Legenda da foto, A demora na retirada dos cadáveres, por faltaaposta menos 4.5pagamento à empresa que faz o serviço, tem piorado as condições no local

É a consequência do que os peritos chamamaposta menos 4.5fase enfisematosa da decomposição, quando os corpos já não podem conter os gases e fluidos pútridos acumuladosaposta menos 4.5seu interior e estouram.

Isso deveria acontecer quando o corpo já estivesse enterrado, mas,aposta menos 4.5acordo com Arnold, atrasos na coleta dos cadáveres têm feito com que isso aconteça ainda no necrotério.

"A agência funerária não os leva porque diz que o governo não paga o que deve", diz ele.

"As famílias também não podem pagar, na situação atual, o custoaposta menos 4.5um enterro", acrescenta.

Mais uma consequência da grave crise econômica que o país da hiperinflação atravessa.

Entre os atuais ocupantes desse necrotério há uma menina que morreu há três diasaposta menos 4.5difteria.

"Nem o hospital, nem o governo, nem o gabinete do prefeito se pronunciam para ajudar os familiares", diz Arnold, que está praticamente sozinho com seus mortos.

Legenda da foto, O odor que os cadáveres exalam no local é quase insuportável e condiçõesaposta menos 4.5conservação têm deixado familiares indignados

Cinquenta trabalhadores do Plano Chamba Juvenil, promovido pelo presidente Nicolás Maduro para dar emprego aos jovens venezuelanos, foram alocados para auxiliar no serviço, mas ele conta que quase todos já foram embora.

"Não há eletricidade, não há máscaras, não há cloro, não há desinfetantes, não há botas, não há equipamento para entrar nas câmeras, não há nada", denuncia Arnold.

Cadáveres pelas escadas

Como não há luvas, Arnold e os poucos trabalhadores que resistem precisam manipular os cadáveres diretamente com as mãos nuas.

Eles também têmaposta menos 4.5limpar as câmeras quando algum dos corpos explode no interior.

"Quando isso acontece, há vermes e sangue podre por todos os lados."

De acordo com Arnold, muitos morremaposta menos 4.5HIV e outras doenças infecciosas, por isso, ele teme um dia ser infectado por não ter os equipamentosaposta menos 4.5proteção necessários.

Como os apagões também deixaram os elevadores do prédio foraaposta menos 4.5serviço, Arnold eaposta menos 4.5equipe têmaposta menos 4.5carregar os corpos pelas escadas, sob o olharaposta menos 4.5todo o público presente, com o riscoaposta menos 4.5que a manipulação provoque algum arranhão ou ferida.

Às vezes, os parentes os agridem ou insultam ao verem o tratamento que seus entes queridos recém-falecidos recebem.

O necrotério deveria estar hermeticamente fechado, mas na ausênciaaposta menos 4.5ar condicionado, deixar as portas abertas é a única maneiraaposta menos 4.5mantê-lo minimamente arejado,aposta menos 4.5modo que, apesar do acesso não ser permitido, os parentes às vezes entram livremente.

Arnold tenta dissuadi-los, mas nem sempre consegue.

Crédito, AFP

Legenda da foto, Os moradoresaposta menos 4.5Zulia se queixam dos problemas gerados por horas sem fornecimentoaposta menos 4.5energia na região mais quente da Venezuela

Não são poucos os que se enfurecem ou que desabam ao verem o corpoaposta menos 4.5um familiar abandonadoaposta menos 4.5uma mesa ensanguentada.

Tudo isso pesa para Arnold, embora não seja o primeiro destino difícil que ele tem no hospital.

Antes, ele esteve na unidadeaposta menos 4.5pediatria e as coisas não eram muito melhores por lá.

"Eu chorava muito, porque a unidade está contaminada e muitas crianças que entravam se complicavam ali com outras doenças."

Ele também passou pela unidadeaposta menos 4.5queimados, onde se lembraaposta menos 4.5ter visto muitos morrerem por faltaaposta menos 4.5medicamentos.

Um hospital cercado por lixo

Atrás do hospital, montesaposta menos 4.5lixo, muitos resíduos do próprio hospital, corroboram denúncias dos trabalhadoresaposta menos 4.5que, comoaposta menos 4.5toda a rede hospitalar do país, há ali um estadoaposta menos 4.5abandono.

A BBC News Mundo tentou, sem sucesso, obter a versão das autoridadesaposta menos 4.5Zulia sobre o estado do hospital e os cortesaposta menos 4.5energia.

O ministro da Energia Elétrica, Luis Motta Domínguez, garantiuaposta menos 4.5setembro que os racionamentos haviam acabado e que as falhas no fornecimento se devem à sabotagem e ao rouboaposta menos 4.5material estratégico.

As coisas chegaram a tal ponto que Arnold frequentemente diz às famílias dos mortos que, se elas conseguirem formol, ele poderá tratar os corpos para que eles aguentem mais tempo.

Crédito, AFP

Legenda da foto, Venezuelanos têm sofrido com constantes apagões, mas governo assegura que eles não são frutosaposta menos 4.5racionamento

Na faltaaposta menos 4.5uma resposta oficial, o esforço é para suprir as necessidades com boa vontade.

"Alguns (dos mortos) são recolhidos e acabam deixadosaposta menos 4.5uma vala comum ouaposta menos 4.5uma vala que abremaposta menos 4.5qualquer terreno."

Isso acontece especialmente com os Wayu, os povos indígenas da região, que por razões culturais são muito mais relutantesaposta menos 4.5abandonar os restos mortaisaposta menos 4.5um membro da família.

Apesaraposta menos 4.5tudo, Arnold gosta do trabalho. Diz que o segreo é fazer o que pode para diminuir o sofrimento nas circunstâncias atuais.

"Quando ando na rua, ou quando estouaposta menos 4.5casa com a minha família, não consigo pararaposta menos 4.5pensar no que vejo lá."

"Aquilo é desumano."

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