Os primeiros cães das Américas – que desapareceram com a chegada dos europeus:

Sítioescavação no Illinois, EUA

Crédito, Illinois State Archaeological Survey

Legenda da foto, Primeiros cães vieram para as Américas apenas por volta10 mil anos atrás, segundo achados arqueológicos

A pesquisa, publicada pela revista Science desta quinta-feira, mostra ainda que o DNA desse ancestral praticamente desapareceu, quando comparado com espécies contemporâneas.

Acredita-se que os europeus tenham trazido suas raçascães e, ao menosprezar o cão local, acabaram por fazer com que a reprodução fosse evitada ou até mesmo combatida.

Sítioescavação no Illinois, EUA

Crédito, Illinois State Archaeological Survey

Legenda da foto, Os cães ancestrais americanos podem ter sido extintos por pestes trazidas por europeus com seus cachorros

Sim, o cão americano original era um herói,uma linhagem que provavelmente cruzou o EstreitoBering ao fim da era glacial e espalhou-se por toda a América, do Norte ao Sul. Mas, para o europeu colonizador, foi tido com um reles vira-lata sem valor - e tal juízo decretouextinção.

Uma outra hipótese é que tais cães ancestrais tenham sucumbido a pestes trazidas a solo americano pelo europeu - e seus cachorros. Assim como muitos índios morreram por doenças desconhecidasseu sistema imunológico, fenômeno parecido pode ter ocorrido no mundo animal.

"Fato é que estudosDNA sugerem que a populaçãocães americanos anterior à chegada dos europeus foi ampla e rapidamente substituída", afirma a pesquisadora Máire Ní Leathlobhair, do departamentoMedicina Veterinária da UniversidadeCambridge.

"Dados obtidos por análise genética mostram que os cães contemporâneos sãoum grupo filogenético diferente dos cães anteriores ao contato com os europeus."

Ní Leathlobhair eequipe compararam os genomas dos 71 cães ancestrais com o material genético45 raças diferentescães contemporâneos.

Máire Ní Leathlobhair

Crédito, L. Brian Stauffer

Legenda da foto, Segundo pesquisadora, cão das Américas eraum filo originário do Ártico

Genética

Os pesquisadores concluíram que esse cão pioneiro das Américas eraum filo único originário do Ártico. Tal animal acompanhou diversas migrações humanas pela Ásia, sobretudo na Sibéria, até conseguir chegar ao continente americano.

A primeira vez que paleontólogos encontraram vestígios desses cães ancestrais foi ainda nos anos 1930. Desde então, se acredita que as primeiras levas migratórias desse animal tenham ocorrido há cerca10 mil anos.

A novidade do estudo publicado nesta semana, portanto, é o fatoque as ossadas foram analisadas geneticamente. E esse material foi comparado com os dos cães contemporâneos.

Aí, além da surpresaque praticamente nada deles restou nos cachorros atuais, veio ainda outra descoberta: um câncer conhecido há centenasanos e que ainda hoje afeta populações caninastodo o mundo pode ser o elo perdido a conectar os animaishoje com esses cachorros ancestrais.

Trata-se do tumor venéreo canino transmissível. É uma neoplasia exclusiva dos cães, o mais comum tumor genital entre esses animais - ocorre mais frequentementezonasclima temperado, mas está presentetodos os continentes.

"Este câncer, contagioso, se manifesta com tumores genitais. E se espalha entre os cães por transferênciacélulas cancerígenas vivas, geralmente durante a cópula", explica a veterinária Ní Leathlobhair.

Essa doença foi documentada por veterinários há centenasanos, mas,acordo com o estudo publicado hoje, pode ter surgido, na realidade, há muito mais tempo.

Sítioescavação no Illinois, EUA

Crédito, Del Baston | Center for American Archeology

Legenda da foto, Alguns cientistas acreditam que lobos norte-americanos podem ter cruzado com cães ancestrais

Mais precisamente há 8,2 mil anos. O levantamento genético concluiu que a doença não surgiusolo americano. Veiouma matriz comum, ou seja, o ancestral asiático siberiano que deu origem ao cão nativo americano.

Mas a julgar pelas análises efetuadas nas ossadas, originou-se justamente no lado que "ficou" na Ásia e,lá, se espalhou por todo o mundo, inclusive para a Europa.

Quando chegaram à América, os cães europeus traziam uma doença que os cães americanos já tinham - pois ambos a "receberam"um antepassado comum.

Legado

Contudo, mesmo que o cão americano ancestral tenha sido extinto, algo dele sobrou? Não há um consenso entre os cientistas, mas muitos acreditam que certos tonspelo dos lobos norte-americanos sejam resultado do cruzamento,tempos remotos, com esses canídeos.

"Além disso, alguns estudos anteriores sugeriam que algumas populações modernascães americanos possuem uma carga genéticacães ancestrais", relata Ní Leathlobhair.

"Para testar essa hipótese, resolvemos realizar examesmais5 mil cães modernos - incluindo exemplaresaldeias americanas. Encontramos7 a 20%ancestralidade desses animais pré-colombianos."