‘A Peste’,bet bbb 23Albert Camus, vira best-sellerbet bbb 23meio à pandemiabet bbb 23coronavírus:bet bbb 23
bet bbb 23 Numa pequena cidade da costa argelina, na décadabet bbb 231940, a vida dos habitantes seguebet bbb 23rotina até que milharesbet bbb 23ratos começam a surgir do subterrâneo e morrer aos milhares. Logo as pessoas também começam a pegar a doença — e seu destino é,bet bbb 23muitos casos, o mesmo.
Essa narrativa, escritabet bbb 231947 pelo franco-argelino Albert Camus, tem atraído muitos leitoresbet bbb 23diversos países da Europa,bet bbb 23meio à pandemiabet bbb 23coronavírus.
Não só ela — livrosbet bbb 23ficção que se passambet bbb 23situaçõesbet bbb 23epidemias ou pandemias, como Ensaio Sobre a Cegueira (1995), do português José Saramago, ebet bbb 23não-ficção que descrevem a disseminaçãobet bbb 23doenças no passado estão constantemente nas listasbet bbb 23mais vendidos.
No Brasil, isso ainda não está acontecendo. A editora Record, que publica a versão brasileira mais recentebet bbb 23A Peste, diz que ainda não viu aumento na procura. A Livraria da Vila, uma das principaisbet bbb 23São Paulo, informou à BBC que, por enquanto, não notou aumento nas vendas ou na procura por títulos do gênero.
"Encaramos com naturalidade que os europeus estejam procurando se informar por meiobet bbb 23obras com a temática, uma vez que a Europa já passou por grandes epidemias ao longo dos séculos e é uma das regiões mais atingidas pelo coronavírus. No entanto, a situação no Brasil é distinta e não há como prever os próximos cenários", disse a administração da livraria, por e-mail.
A livraria afirma que, por ser um fenômeno recente no Brasil, ainda não está preparando ações específicas, como pedidos às editorasbet bbb 23livros sobre o tema, mas pode recomendar alguns livros, como História da Humanidade Contada Pelo Vírus,bet bbb 23Stefan Cunha Ujvari; Cidade Febril- Cortiços e epidemias na corte imperial,bet bbb 23Sidney Chalahoub e Peste e Cólera,bet bbb 23Patrick Deville.
A BBC procurou outras grandes livrarias, como Cultura, Travessa e Martins Fontes, mas não teve resposta.
Se não no Brasil, esses livros estão vendendo mais? Do que tratam? O que têm a ver com a realidade do surtobet bbb 23coronavírus? Que lições nos oferecem sobre como lidar com o surto? Por que as pessoas buscam esses livros?
Na opinião do pesquisadorbet bbb 23Camus Raphael Luizbet bbb 23Araújo, doutorbet bbb 23Letras pela USP e tradutorbet bbb 23Os Primeiros Cadernosbet bbb 23Albert Camus, "diante da doença precisamos nos repensar — quem somos, o que estamos enfrentando. Por falarem da condição humana, esses livros ganham interesse".
Além disso, pensa ele, serve como um espelho e uma maneirabet bbb 23não nos sentirmos sozinhosbet bbb 23meio à incerteza da epidemia. "E é também uma formabet bbb 23buscar esclarecimento, tem um potencial didático, que é pensar como foi para pessoas que viveram e pensaram nisso", palpita Araújo.
"É uma busca por dar forma à experiência, o que o (crítico) Antonio Candido chamavabet bbb 23fabulação. A Peste e outros clássicos trazem explicaçõesbet bbb 23princípios sem que a gente entre na religião, oferecem caminhos para a nossa busca ética", resume ele.
A peste
O romance A Peste foi publicadobet bbb 231947, pouco após o fim da Segunda Guerra Mundial, e conta a história da chegadabet bbb 23uma epidemia à cidade argelinabet bbb 23Orã. O personagem principal é um médico, Rieux, que combate a doença até o momentobet bbb 23que ela se dissipa, depoisbet bbb 23muitas mortes. O narrador descreve como a população reage, indo da apatia à ação, e como alguns se expõem a risco para enfrentar a disseminação da peste.
Há aproveitadores, como um personagem que lucra com um mercado paralelobet bbb 23produtos. Num primeiro momento, as autoridades hesitambet bbb 23publicizar a doença, algo que Camus veriabet bbb 23forma crítica, diz Araújo —bet bbb 23obra sempre volta ao tema da importânciabet bbb 23nomear as coisas.
Nos anos anteriores à publicação do livro, diz Araújo, Camus vinha pesquisando sobre como se deram algumas epidemias na Argélia e na Europa. Logo apósbet bbb 23publicação, o livro foi lido como uma analogia sobre a ocupação alemãbet bbb 23Paris durante a Segunda Guerra,bet bbb 23parte por causa da epígrafe do livro, uma frase do escritor Daniel Defoe: "É tão válido representar um modobet bbb 23aprisionamento por outro quanto representar qualquer coisa quebet bbb 23fato existe por alguma coisa que não existe".
Araújo aponta alguns paralelos com o momento atual: "a questão do conhecimento. Vivemos um momentobet bbb 23que há desinformação, fatos vêm sendo contestados. Em A Peste há um cuidadobet bbb 23mostrar as coisas como sãobet bbb 23fato. O livro fala que existe (na história) um problemabet bbb 23abstração. A desinformação, a abstração, geram histeria, comportamentos levianos ou xenofóbicos, como temos visto", interpreta ele.
Outra coincidência é a questãobet bbb 23burocratização das informações sobre as mortes, que pode gerar certa desumanização dos casos, opina ele. Na ficção, o númerobet bbb 23mortes é anunciado diariamente numa rádio. Por outro lado, o narrador descreve algumas das mortes, o que faz o leitor senti-lasbet bbb 23uma forma mais direta.
Para Araújo, uma lição a ser tirada do romance é a ideia do coletivo. "A Peste pode ser um convite para se pensar como partebet bbb 23um grupo. Neste momentobet bbb 23que temos divisões muito marcadas no Brasil, é um convite a pensar sobre nós como coletivo. O que atravessarmos vamos atravessar juntos. Não é 'cada um que se salve'. Como diz o Camus, a peste vira assuntobet bbb 23todos. Os problemas que nos atingem passam a serbet bbb 23todos. Os sentimentos individuais dão lugar aos sentimentos coletivos no livro", diz o acadêmico.
"A narrativa que se apoia nos feitosbet bbb 23um grande herói é substituída pela narrativabet bbb 23um destino comumbet bbb 23uma cidade que alcança todas as classes, incluindo o filho do juiz Othon. Nesse sentido, apesar das diferenças sociais, A Peste nos recorda que somos todos naturalmente condenados à morte."
Livros que estão vendendo bem
Na França, as vendasbet bbb 23A Peste chegaram a mais que dobrar nas primeiras oito semanasbet bbb 232020, comparado ao mesmo períodobet bbb 232019, segundo a publicaçãobet bbb 23estatísticasbet bbb 23mercado editorial Edistat. O país registrava 30 mortes pelo vírus até terça-feira.
Na Itália, o segundo país mais impactado pelo vírus depois da China, o aumentobet bbb 23vendas colocou o romance na lista dos dez mais vendidos, segundo a revista literária francesa Actuallité.
Todo o país está sob medidasbet bbb 23emergência, determinadas pelo governo, para conter a contaminação da população pelo vírus.
A Amazon italiana tem entre seus 100 livros mais vendidos diversos exemplosbet bbb 23narrativasbet bbb 23ficção e não-ficção sobre epidemias, como Virus, La Grande Sfida (Vírus, o grande desafio,bet bbb 23tradução livre), do virologista Roberto Burioni. O livro, segundo a sinopse, "descreve a natureza e o funcionamento dos vírus,bet bbb 23transmissãobet bbb 23animais para seres humanos, a evoluçãobet bbb 23nosso conhecimento científico sobre ele, os efeitos devastadores das epidemias na história da humanidade e as batalhas travadas no último século contra elas".
Ensaio sobre a Cegueira, do romancista português José Saramago, também anda nos altos postos da lista. O livro conta a históriabet bbb 23uma "treva branca" que vai deixando cegos, um a um, os habitantesbet bbb 23uma cidade.
No Reino Unido, leitores também vêm procurando A Peste, que deve ser reimpresso pela editora Penguin, já que já quase não há mais exemplaresbet bbb 23estoque na Amazon.
O livro The Great Influenza: The Story of the Deadliest Pandemic in History (A grande gripe: a história da pandemia mais mortal da história,bet bbb 23tradução livre) estava entre os 100 mais lidos na versão britânica do site.
A narrativabet bbb 23não ficção fala sobre "o vírus da gripe mais letal da história", segundo a sinopse. "No auge da Primeira Guerra Mundial, irrompeubet bbb 23um acampamento do exército no Kansas, expandiu para o leste com tropas americanas e depois explodiu, matando até 100 milhõesbet bbb 23pessoasbet bbb 23todo o mundo. Matou mais pessoasbet bbb 2324 meses do que a AIDS matoubet bbb 2324 anos, maisbet bbb 23um ano do que a Peste Negra matoubet bbb 23um século."
"Como o autor sabia?"
"Não costumo ler esse tipobet bbb 23livro, mas tive que lê-lo porque estamos 2020 e no meio do avanço do coronavírus. Como o autor sabia?", se pergunta um leitor no site britânico da Amazon sobre o romance The Eyes of Darkness (Os olhos da escuridão,bet bbb 23tradução livre),bet bbb 231981, escrito pelo americano Dean Koontz.
Assim como ele, muitos se perguntaram,bet bbb 23redes sociais, se o autor havia "previsto" a expansão da doença. Koontzbet bbb 23fato descreve no livro um vírus fictício que se chama "Wuhan-400" e cujo nome refere-se à cidade chinesa onde começou o surtobet bbb 23coronavírus. No entanto, o vírus, no romance fictício, é uma arma biológica da China, desenvolvidabet bbb 23laboratório, e não um micróbio que se espalha espontaneamente pelo mundo. Além disso, o vírus do livro é mais letal e se espalha mais rapidamente.
Embet bbb 23primeira versão, publicadabet bbb 231981, o vírus fictício não vinha da China, mas sim da Rússia, e se chamava Gorki-400, segundo a agênciabet bbb 23notícias Reuters. A segunda versão saiubet bbb 231989.
Não apenas livros
O filme Contágio esteve entre os mais vistos nas plataformas iTunes e Google Play, algo que pode ser considerado um marco para um filme que não é estreia.
No enredo, Beth Emhoff (Gwyneth Paltrow) retorna ao Estadobet bbb 23Minnesota (Estados Unidos) após uma viagembet bbb 23negóciosbet bbb 23Hong Kong e começa a se sentir mal. Emhoff atribui seus sintomas ao fuso horário.
No entanto, dois dias depois ela morre, sem que os médicos encontrem a causa. Logo depois, outras pessoas começam a manifestar os mesmos sintomas e, logo, é desencadeada uma pandemia que as autoridadesbet bbb 23saúde tentam conter.
Em menosbet bbb 23um mês, o númerobet bbb 23mortos na história chega a 2,5 milhões nos EUA e 26 milhõesbet bbb 23todo o mundo.
No momentobet bbb 23seu lançamento, alguns especialistas elogiaram a maneira como o filme refletia a situaçãobet bbb 23uma pandemia.
Mas o que a realidade do coronavírus chinês realmente tembet bbb 23comum com a ficção do filmebet bbb 23Soderbergh?
Um tema comum é que ambos os vírus se originam na China e os morcegos parecem desempenhar um papel preponderante.
Especialistas da Organização Mundial da Saúde apontam que é muito provável que o novo coronavírus venhabet bbb 23morcegos. Eles estimam que ele teve que pular primeiro para um grupobet bbb 23animais não identificado antesbet bbb 23poder infectar humanos.
O filme mostra imagensbet bbb 23cidadesbet bbb 23quarentena, aeroportos fechados, profissionaisbet bbb 23saúde com trajes especiais, pessoas com máscaras, cidades vazias, lojas fechadas… Essas cenas vêm se tornando mais comuns, com China e Itália sob medidasbet bbb 23emergência para conter a disseminação do vírus.
No filme, entretanto, a doença tem contágio mais rápido e é mais letal.
Na história, pesquisadores conseguem produzir e distribuir uma quantidade limitadabet bbb 23vacinasbet bbb 23apenas 90 dias.
A realidade do coronavírus é diferente, ainda que, diferentemente dos surtosbet bbb 23vírus anterioresbet bbb 23que as vacinas para proteger a população levavam anos para serem desenvolvidas, a busca por um medicamento para controlar a disseminação da pneumoniabet bbb 23Wuhan tenha começado poucas horas após a identificação do vírus.
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