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Quase R$ 300 miaposta ao vivomultas ambientais podem prescreveraposta ao vivo2022; valor perdido vem subindo desde 2017:aposta ao vivo
A realidade que se desenha é que infratores não temem as punições pois contam com a prescrição para livrar-se dos malfeitos.
Consequentemente, vêm mantendo práticas ilegais por anos, contribuindo para aumentar o desmatamento e a grilagemaposta ao vivoterras, enquanto mantêm negócios com a venda e exportaçãoaposta ao vivoprodutos, como carne e madeira.
Quatro etapas são necessárias para que a infração ambiental seja punida: identificar o ilícito ambiental, autuar, julgar e cobrar a multa. Se o Estado demorar cinco anos ou mais para realizar qualquer uma dessas etapas ou ficar três anos sem "mover" o processo, a multa prescreve e nenhum dinheiro pode ser recolhido, embora a empresa ainda possa teraposta ao vivorestaurar a área degradada, se assim determinado pela Justiça. Também há possível punição na esfera criminal.
Maisaposta ao vivo10 mil multas ambientais são aplicadas anualmente no Brasil. Mas, segundo diagnóstico do próprio Ibama, a atual equipe que analisa e julga não consegue dar conta desse volumeaposta ao vivotrabalho, então a papelada se acumula e é repassada para o ano seguinte, situação que se repete até o vencimento das multas. Uma estimativa interna do instituto diz que quase 40 mil multas podem prescrever até 2024.
Faltaaposta ao vivopessoal e mudanças frequentes na legislação são os motivos do problema, segundo avaliação interna do Ibama e as fontes ouvidas.
"As pessoas têm a impressãoaposta ao vivoque o Estado é incapazaposta ao vivopunir", diz Felipe Nunes, pesquisador da Universidade Federalaposta ao vivoMinas Gerais (UFMG) e um dos autoresaposta ao vivoum estudo que mostra que menos multas ambientais estão sendo aplicadas e julgadas pela atual administração do Ibama.
Especialistas apontam que uma das razões que ajudaram a aumentar o riscoaposta ao vivoprescrições é a chamada audiênciaaposta ao vivoconciliação, uma nova etapa antes do julgamento da multaaposta ao vivoque o Ibama oferece ao infrator a possibilidadeaposta ao vivochegar a um acordo com a empresaaposta ao vivovezaposta ao vivopassar por um julgamento.
Criadoaposta ao vivo2019, o procedimento acabou retardando o processamentoaposta ao vivomultas nos primeiros meses. Dados da agência ambiental apontam que aquele ano teve o menor númeroaposta ao vivojulgamentosaposta ao vivoinfrações ambientais ao menos desde 2013 no órgão.
O Ibama reconheceu essas audiências como um desafioaposta ao vivouma avaliação interna, mencionando-asaposta ao vivoseu memorando internoaposta ao vivouma seção sobre "ameaças ao processo sancionatório".
"A audiênciaaposta ao vivoconciliação foi uma política que veioaposta ao vivocima pra baixo, sem ouvir os servidores. Gastou-se muita energia. Se tivessem priorizado o trabalho para melhorar julgamento e instrução das multas, não teríamos tantas prescriçõesaposta ao vivomultasaposta ao vivovalores altíssimos", diz o geógrafo e analista ambiental Govinda Terra, um dos diretores da Associação dos Servidores da Carreiraaposta ao vivoEspecialistaaposta ao vivoMeio Ambiente e do Plano Especialaposta ao vivoCargos do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e do Ibama (Asibama-DF).
O próprio presidente Jair Bolsonaro (PL) já se mostrou crítico às multas ambientais por diversas vezes. Ele próprio foi multado por pescaraposta ao vivoárea protegidaaposta ao vivojaneiroaposta ao vivo2012 e vem dizendo, desde que foi eleito, que quer acabar com a "indústria da multa" no Brasil.
Sua multa prescreveuaposta ao vivo2019, e o agente que a escreveu foi removidoaposta ao vivoseu cargo no mesmo ano.
Multas prescritas não são um problema novo, e atualmente há até mais mecanismos para evitá-las do que há alguns anos, como a digitalizaçãoaposta ao vivodocumentos nos órgãos públicos, que ajuda na tramitação da papelada e evita a perdaaposta ao vivoarquivos.
Mas a perdaaposta ao vivoarrecadação com as prescrições está aumentando. Registros obtidos por meio da LAI mostram que pelo menos 649 multas ambientais prescreveram no ano passado, a maior perda financeira reconhecida da agência desde 2017 — o equivalente a um totalaposta ao vivoR$ 144 milhões, após correção pela inflação.
Uma das preocupações mais graves dos servidores é com multas milionárias, cujo trabalhoaposta ao vivoautuação pode levar mesesaposta ao vivopreparação, mas que têm se perdido com prescrições.
"As grandes empresas preferem gastar com advogado e estender o processo administrativo ao máximo — muitas enrolam mesmo — e, quando não dá certo, vão brigar na Justiça", diz a ex-presidente do Ibama, Suely Araújo, que ocupou o cargo no governo Temer e hoje trabalha como especialista sênioraposta ao vivopolíticas públicas do Observatório do Clima.
O Ibama publicouaposta ao vivojulho uma portaria que tenta "organizar" essa fila do passivo, priorizando aqueles com valores mais altos.
Registros internos mostram que o Ibama reconhece o problema oficialmente. "Deficiências administrativas comprometem a apuração e mobilização das fiscalizações, não gerando o efeito dissuasório que a multa deveria ter", diz um documento produzido no ano passado.
Quando uma multa prescreve, o instituto precisa abrir uma apuração para identificar o responsável. Mas nem sempre isso é possível. Em alguns casos, o instituto não consegue nem sequer encontrar o agente responsável pelo julgamento da empresa. Por causa da demora, há servidores envolvidos nos processos que até já se aposentaram.
Autoridades do Ibama disseram,aposta ao vivoum plano interno, que o órgão precisa contratar 300 pessoas para preencher cargos administrativos e iniciar uma "força-tarefa" para evitar mais prescrições.
Raoni Rajão, professoraposta ao vivoGestão Ambiental e Estudos Sociais da Ciência da Universidade Federalaposta ao vivoMinas Gerais (UFMG), diz que as mudanças promovidas pelo governo Bolsonaro agravam a faltaaposta ao vivopessoal no Ibama e geram um obstáculo artificial à fiscalização. "O processo não anda e, com isso, mais multas serão vencidas."
"Seria muito importante que o tratamento das multas fosse feitoaposta ao vivomaneira estratégica. Isso garantiria que grandes e reincidentes infratores fossem objetoaposta ao vivosistemasaposta ao vivointeligência compartilhados, por meioaposta ao vivouma governança entre órgãos administrativos e penais,aposta ao vivomodo que fossem investigadosaposta ao vivomaneira apropriada e prioritária", disse à BBC News Brasil Andreia Bonzo Araujo Azevedo, que é Diretora-Adjunta do Programaaposta ao vivoClima e Segurança do Instituto Igarapé.
O Ibama não respondeu aos pedidosaposta ao vivoentrevista após duas semanas.
'Sensaçãoaposta ao vivoenxugar gelo'
A alta no valor prescritoaposta ao vivo2021 foi puxada por um caso emblemático. Em 2009, o Estado brasileiro multou uma empresa agrícola por impedir a regeneração florestalaposta ao vivouma áreaaposta ao vivomaisaposta ao vivo6 mil hectares, no Estado do Pará.
Em vezaposta ao vivopermitir que a floresta voltasse a cresceraposta ao vivouma área que tinha sido desmatada, a empresa Agropecuária Santa Bárbara do Xinguara criou gado. Por causa do tamanho da fazenda, a multa estabelecida atingiu o teto previstoaposta ao vivolei,aposta ao vivoR$ 50 milhões.
A operação, que envolveu diversas fazendas da empresa, fazia parteaposta ao vivoum trabalho do Ibamaaposta ao vivodiversas regiões do Pará para comprovar a situação do desmatamentoaposta ao vivoáreasaposta ao vivoatividade agropecuária na Amazônia. Os fiscais afirmaram que a empresa vinha comprando áreas já desmatadas para criar gado. Segundo a própria agropecuária, havia 20 mil cabeças no local da autuação.
Servidores da Superintendência do Ibama no Pará que acompanharam a operaçãoaposta ao vivo2009 disseram à reportagem que esta autuação tinha um peso histórico.
"Era a primeira multa dessa empresa, na época a maior agropecuária do Brasil", disse um servidor, que pediu anonimato por não ter autorização para dar entrevistas. "Descobrimos que estavam usando normalmente áreas que já tinham sido desmatadas e estavam embargadas (ou seja, que não tinham autorização para nenhum tipoaposta ao vivoatividade produtiva, como a criaçãoaposta ao vivogado)."
Mas o desfecho "histórico" não favoreceu os cofres públicos: a multa nunca foi paga e teve a prescrição reconhecida pelo Estado no ano passado. Isto significa, na prática, que, por causa da demoraaposta ao vivoagir, o Ibama perdeu definitivamente o direitoaposta ao vivocobrar a agropecuária pela infração.
"Temos a sensaçãoaposta ao vivoenxugar gelo. Não é só o valor da multa que é perdido. É o trabalhoaposta ao vivoquem fez a fiscalização, o que se gastou com helicópteros, com pessoal, com tempoaposta ao vivotrabalho. É um prejuízo impossívelaposta ao vivomensurar. É como se zerasse o efeitoaposta ao vivotudo que foi feito", diz Terra, do Asibama-DF.
A multa foi uma das infrações mais altas a prescrever nos últimos 20 anos, segundo dados obtidos pela reportagem e atualizadosaposta ao vivomarço deste ano. Desde 2000, ao menos R$ 1,3 bilhãoaposta ao vivomultas ambientais já prescreveu.
Além do lado administrativo, casos como esse também podem ser analisados na Justiça, no âmbito civil e criminal. Em junhoaposta ao vivo2018, o juiz federal Heitor Moura Gomes, da subseção Judiciáriaaposta ao vivoMarabá do Tribunal Regional Federal da Primeira Região condenou a agropecuária a recuperar a área desmatada, mas a empresa recorreu e, desde então, aguarda decisão definitiva da corte.
Na decisão, o juiz absolveu a empresa do pagamento por danos materiais justamente por causa do alto valor da multa que seria aplicada contra a empresa — e que agora, sabe-se, prescreveu.
Bruno Valente, procurador federal do Pará, diz que é comum casos como esse durarem uma década ou mais na Justiça. "A consequência é ruim, pois não desencoraja os infratores".
A Agropecuária Santa Bárbara Xinguara se apresenta como uma das maiores do setor na América Latina. Em 2019, o jornal britânico The Guardian informou que eles estavam fornecendo à JBS, a maior empresa frigorífica do mundo, que vende carne bovina para praticamente o mundo todo.
O Pará, onde está localizada a fazenda, é o Estado da Amazônia com a maior taxaaposta ao vivodesmatamento.
A AgroSB, atual nome da empresa, reconheceu por e-mail que houve dano ambiental na área, mas afirmou que o desmatamento tinha acontecido antes da compra da fazenda e que ela estava invadida pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no momento da autuação.
"O melhor para a AgroSB (e Estado) seria o Ibama ter analisado rapidamente este fato e ter declarado no mérito a nulidade da multa, evitando-se, assim, o arrasto do deslinde do feito por maisaposta ao vivouma década até ser fulminado pela prescrição", disse a empresa à reportagem.
O instituto ainda tentava descobrir,aposta ao vivojunho deste ano, quem foi o responsável por ter deixado a multa prescrever,aposta ao vivoacordo com um memorando interno obtido pela reportagem.
Um funcionário do Ibama que trabalhou no julgamento administrativoaposta ao vivomultas e conhece o caso da AgroSB disse que a estratégia da empresa é comum.
"É modus operandi entrar no processo administrativo e esperar o vencimento da multa. Desde o momentoaposta ao vivoque a empresa foi multada até agora, ela já lucrou muito mais. Esse é um caso emblemáticoaposta ao vivofaltaaposta ao vivopunição, que gera mais injustiça", afirmou.
Multa prescrita no passado, investigação no presente
Em marçoaposta ao vivo2009, o Ibama multou a empresa Tradelink Madeirasaposta ao vivoR$ 161 mil (hoje equivalentes a R$ 355 mil,aposta ao vivovalores corrigidos pela inflação) por ter adquirido 4.500 metros cúbicosaposta ao vivomadeira serradaaposta ao vivoipê (um dos tipos mais valorizados do Brasil) e outros por meioaposta ao vivouma empresaaposta ao vivofachada, situação parecida com a da atual investigação.
A madeira comprada à época foi apreendida e, segundo o relatório do órgão, ficou guardada por quase uma décadaaposta ao vivoum galpão, a pontoaposta ao vivoficar "com aspecto envelhecido,aposta ao vivocor acinzentada", até que o órgão governamental aplicasse a multa,aposta ao vivofato,aposta ao vivo2018. Por conta do lapso temporal, a punição prescreveu e a empresa não precisou pagar a sanção.
Em uma nota técnica enviada à reportagem por meio da LAI, o Ibama justificou a prescrição por "atrasos na análise quanto à lavratura, possivelmente devido à complexidade da operação".
A Tradelink voltou a ser destaque no ano passado depois que uma operação da Polícia Federal investigar se o ministro Ricardo Salles e o atual presidente do Ibama, Eduardo Bim, faziam parteaposta ao vivoum suposto esquema para facilitar o contrabandoaposta ao vivomadeira para os Estados Unidos.
Destituído do cargo por 90 dias, Bim voltou ao trabalho e, no relatório anualaposta ao vivo2021 do Ibama, escreveu que o instituto está "firme no combate ao desmatamento ilegalaposta ao vivoterras indígenas e nos diversos biomas brasileiros."
Procurada, a Tradelink negou irregularidades, diz que não houve exportação ilegal e que "a documentação comprobatória da exportação desses contêineres foi apresentada ao Ibama e à Receita Federal do Brasil, antes do embarque".
Disse ainda que "nunca comprou madeiraaposta ao vivoempresas que foram fechadas" e que a açãoaposta ao vivomarçoaposta ao vivo2009 "está sendo apreciada pelo sistema judicial brasileiro".
Também afirmou que os autos não tiveram relação com desmatamento, mas com "formalidades administrativas vinculadas com divergências no preenchimento específico da documentação".
Especialistas acreditam que irregularidades ambientais poderiam ser evitadas se o Ibama garantisse as sanções, freando possíveis reincidentes.
"A prescrição desses maisaposta ao vivo2 mil autosaposta ao vivoinfração ambientais (da planilha obtida pela reportagem) é uma formaaposta ao vivochancelar as condutas ambientais criminosas. Se muitos infratores ambientais já viam nas falhas sistêmicas uma via para cometer ilegalidades, sabendo da predisposiçãoaposta ao vivoque, se pegos, suas autuações acabarão sendo alcançadas pela prescrição, serão ainda mais estimulados a continuar a expandir o desmatamento ilegal", disse Daniele Galvão, analista jurídica do Center for Climate Crime Analysis (CCCA), uma organização sem fins lucrativos.
"O CCCA tem se deparadoaposta ao vivosuas análises com diversos casosaposta ao vivoque o desmatamento associado à extração ilegalaposta ao vivomadeira, muitas vezes destinada à exportação para o mercado europeu ou norte-americano, poderia ser evitado se o Ibama (e também os órgãos ambientais estaduais) atuasseaposta ao vivoforma mais efetivaaposta ao vivocampo."
Petrobras: mesmo com alertasaposta ao vivosubordinados, multasaposta ao vivoR$ 10 milhões prescreveram
Uma investigação aberta pelo Ibamaaposta ao vivo2018, a que a reportagem teve acesso, mostra que um agente do órgão teria se "esquecido"aposta ao vivotrataraposta ao vivopelo menos quatro multas emitidas contra a Petrobras, deixando R$ 10 milhõesaposta ao vivoinfrações prescreverem entre 2017 e 2018, apesaraposta ao vivoter sido avisado por seus subordinados.
O caso contra o servidor foi arquivado por faltaaposta ao vivoprovas, mas as multas foram perdidas.
A Petrobras é a empresa que mais recebeu multas ambientais no país, com maisaposta ao vivo2 mil sanções desde 2009,aposta ao vivoacordo com dados do Ibama, que somam maisaposta ao vivoR$ 1 bilhão, mas a maioria ainda não resultouaposta ao vivopagamento. A empresa foi constantemente mencionada nas entrevistas para esta reportagem como um exemplo da dificuldade da agência ambientalaposta ao vivogarantir o pagamentoaposta ao vivomultas.
De acordo com a investigação, um coordenadoraposta ao vivoexploraçãoaposta ao vivopetróleo do Ibama no Rioaposta ao vivoJaneiro "reteve deliberadamente" vários autosaposta ao vivoinfração contra a petroleira estatal.
O documento apontou que um agente da unidade do Rio apresentou mensagens remetidas ao coordenador que pediam a ele para trabalhar na multa, o que indicaria "que não houve negligência, mas, sim, a intençãoaposta ao vivomanter a situação como está".
Os servidores que investigaram o caso também constataram vários problemas administrativos naquela unidade do Ibama, como "faltaaposta ao vivocontrole documental do processo" na unidade e faltaaposta ao vivocontrole dos horários dos funcionários.
O caso também foi denunciado ao Ministério Público Federal, que abriu um inquérito. O servidor deixou o cargo comissionado que ocupava na mesma época da denúncia,aposta ao vivo2018, mas segue atuando no Ibama. O caso foi arquivadoaposta ao vivo2021, segundo o MPF, por "ausênciaaposta ao vivoindíciosaposta ao vivofalha funcional por parte dos coordenadores".
A Petrobras informou,aposta ao vivonota, que "atua com responsabilidade social e ambiental, alémaposta ao vivotransparência e respeito a normas e regras vigentes emaposta ao vivomissãoaposta ao vivotransformar recursos brasileirosaposta ao vivoriquezas".
A reportagem procurou o Ibama, mas não obteve nenhuma resposta após duas semanas.
- Este texto foi publicado originalmenteaposta ao vivohttp://vesser.net/brasil-62429583
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