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A eleiçãoque Bolsonaro defendeu urna eletrônica como antídoto contra fraude no voto impresso:
No final daquele ano, enumeraria as providências que julgava necessárias para garantir a lisura do processo eleitoral — entre elas, a proibição do voto dos analfabetos, a exigênciasegundo grau (o antigo ensino médio) para os candidatos e a informatização das eleições.
"Só com essas medidas conseguiríamos evitar os votos comprados", disse.
As declarações contrastam com uma das principais plataformas do atual presidente da República: lançar desconfiança sobre a lisura da urna eletrônica.
As investidasBolsonaro contra o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) vêm se acirrando desde 7outubro2018, com a definição do segundo turno contra Fernando Haddad (PT) na última disputa presidencial.
"Lamentavelmente, o sistema derrotou o voto impresso", disse o então candidato presidencial do PSL. "Se tivéssemos confiança no voto eletrônico, já teríamos o nome do futuro presidente da República decidido no diahoje".
No último dia 14julho, o Ministério da Defesa sob comandoBolsonaro sugeriu, para as eleições2022, uma votação paralelacédulaspapel, sob a justificativatestar a confiabilidade do sistema eletrônico.
Quatro dias depois,meio a uma reunião com embaixadores estrangeiros no Palácio da Alvorada, Bolsonaro criticou ministros do TSE e do Supremo Tribunal Federal (STF), acusando-ossabotar eventuais medidastransparência.
"Bozo Ricupero"
Em 1994, anoque Bolsonaro se reelegeu para a Câmara dos Deputados, a inflação e o Exército assombravam os debates políticos no país.
Era também o início do Plano Real.
A medida provisória nº 434, publicada no finalfevereiro1994, instaurava a Unidade RealValor (URV), empregando-a como referência nas conversões financeiras para a nova moeda, a ser lançadajunho.
Organizações trabalhistas se opunham aos critérios do governo, por considerá-los prejudiciais aos assalariados. Segundo cálculos do Departamento IntersindicalEstatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), as perdas no podercompra da população oscilariam entre 26% e 55%.
A URV desagradava igualmente ao Exército. De acordo com Bolsonaro, coronéis teriam soldos reduzidos a 5,5 salários mínimos; capitães, a 3,2; e sargentos, a 2,5.
O jornal Tribuna da Imprensa noticiou que,1ºmarço, Bolsonaro discursou na tribuna da Câmara: "Não admito uma política econômica dessa forma. Já que o presidente não é homem, que pelo menos o ministro seja, e assumavez esse arrocho".
Segundo o diário Jornal do Brasil12março, o atual presidente recomendava "açõesguerrilha, saques e sabotagem" contra o Plano Real para evitar que militares se transformassem"meros funcionáriosquarteis".
Em 14abril, o Congresso aprovou a medida provisória nº 457, que implementava pequenas mudanças à URV, sem incorporar as propostas da oposição.
Bolsonaro, aos berros, alardeou: "Vejam o que eu faço com essa m...".
Em seguida, dirigiu-se ao senador Ronan Tito (PMDB-MG), que segurava uma cópia do texto, e arrancou o papelsuas mãos, rasgando-o e cuspindo sobre as folhas picadas.
Quatro dias depois, o incidente reverberaria no Clube Militar. Falas do evento foram registradas pelo Tribuna da imprensa — o jornal que mais citaria o parlamentar ao longo dos anos 1990.
"Hoje não preciso cuspirninguém. Aqui, estou entre amigos", discursou Bolsonaro,volta ao local.
"Mas não posso dizer o mesmo do Congresso, que é uma pocilga."
Rubens Ricupero, que substituíra Fernando Henrique no Ministério da Fazenda, foi o maior alvo do deputado naquela segunda-feira: "Esse ministro Bozo Ricupero está fazendo papelpalhaço ao dizer que as medidas protegem salários", acusou.
"O Plano Real só dura até o dia 3outubro, para eleger o canalhão do FHC. Tenho imunidade para falar o que quero, não para roubar."
Fernando Henrique se demitira para disputar o comando do Executivo pelo PSDB. Luiz Inácio Lula da Silva, seu principal adversário, concorria à presidência pelo PT.
O golpe1964 completava três décadas, ememória vinha sendo relativizada por diversas candidaturas militares menosdez anos após a redemocratização.
No Clube Militar, uma plateia200 oficiais aplaudiu a falaBolsonaro.
Mas Euclydes Figueiredo externou certa ressalva: "Já dei conselho para ele falar tudo o que queira do Congresso, desde que não use adjetivos".
"Eu não entendo nadapolítica"
Numa sexta-feira, 12agosto, cem militares da reserva se aglomeraramfrente ao Palácio DuqueCaxias, no centro do RioJaneiro. Insatisfeitos com os próprios salários, entoavam palavrasordem: "Melhor sobreviver na ditadura que morrer nessa democracia".
Bolsonaro liderava a manifestação. Como prova dos baixos vencimentos recebidos pela categoria, ostentou uma xerox do seu contrachequeparlamentar, lado a lado com oum general e oum juiz.
"Desafio o presidente da República a divulgar na imprensa os contracheques dos funcionários das estatais, do Banco Central, dos auditores fiscais, entre outros", declarou à Tribuna da Imprensa. "Eles financiam a campanha do FHC com o que roubam dos civis e militares", acusou o congressista, sem apresentar provas.
Os militares planejavam disputar eleições majoritárias naquele ano.
O general Newton Cruz (1924-2022), candidato ao governo do Estado pelo PSD carioca, mostrava-se otimista com o futuro dos militares junto à opinião pública: "A maioria da população do Rio prefere um governador que não seja político", afirmou o general.
"A todo momento, a gente ouve que antigamente era melhor, que as coisas não eram tão ruins quanto hoje".
Em agosto daquele ano, pesquisas do Instituto Gerp revelariam que o general tinha apenas 4% das intençõesvoto no estado, contra 10%Jorge Bittar (PT), 24%Marcello Alencar (PSDB) e 27%Anthony Garotinho (PDT).
Cruz, porém, questionou as estatísticas: "O que vale é o que estou vendo nas ruas", disse. "Pelo que li, o estudo foi pago pelo PT. Não quero discutir com nenhum instituto, mas não acredito nessa pesquisa. Se for verdade, tem muita gente mentindo para mim."
Enquanto isso, Bolsonaro se dizia ignorante sobre política.
Um jornalista da Tribuna da Imprensa perguntou o que ele achava da coligaçãoseu PPR com o PSDNewton Cruz: "Eu não entendo nadapolítica, não tenho a mínima ideia", respondeu.
"Só estou aqui no cantinho, com o meu pessoal."
Mas o capitão mostrava-se desconfortável com outros colegascaserna que adentraram a política: "Alguns querem apenas atrapalhar o trabalho dos mais bem situados", reclamou.
A declaração foi vista como uma indireta a Sérgio Porto da Luz — oficial da Marinha, assessor legislativo e candidato a deputado federal pelo PMDB.
"Há lugar para todos", defendeu-se Porto da Luz. "Bolsonaro diz no programa eleitoral que os demais candidatos não fizeram nada pelos militares, quando na verdade é ele quem rouba as ideias dos outros."
Numa quinta-feira, 10novembro, o oficial da Marinha prestou queixa no 22º DP da Penha, acusando Bolsonaro e outros seis homensterem agredido seus eleitores na campanhasegundo turno.
O ataque, segundo Porto da Luz, teria provocado ferimentos nas mãos e braços das vítimas, entre elas um sargento, Eurico Pamplona, efilha, Andrea Lisboa.
Bolsonaro narrou uma outra história: dizia ter se apoderado dos panfletos que seus adversários distribuíam pela Avenida Brasil, e descartado o material num bueiro.
Negava, entretanto, quaisquer agressões físicas: "Porto da Luz é homossexual passivo e recalcado", declarou à Tribuna da Imprensa. "Não vou comprar briga com ele".
"Claro que roubaram meus votos"
O segundo turno para governador do Rio1994 seria disputado entre o ex-prefeito do Rio Marcello Alencar (PSDB) e o ex-prefeitoCampos dos Goytacazes Anthony Garotinho (PDT). O tucano acabaria vencendo.
Mas o Legislativo fluminense também teve uma nova eleição no segundo turno porque a votação para deputado ocorrida no primeiro turno foi anulada.
Jairo Vasconcelos do Carmo, juiz da 13ª Zona, anulou os votosuma urna mal lacrada na 923ª seção. Na 890ª, teriam sido encontradas pelo menos 20 cédulas não assinadas pelos mesários.
Na 1ª Zona, o juiz Fernando Cabral descobriu irregularidades185 cédulas —acordo com uma reportagem publicada pelo Jornal do Brasil, todas elas beneficiavam um candidato militar.
"Isso abala a credibilidade da democracia", lamentou a deputada Cidinha Campos (PDT). "O iníciotudo é a fraude eleitoral. O parlamentar já chega ao Congresso roubando".
A sede do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), no centro da capital fluminense, tevevigilância reforçada após o recebimentoum telefonema anônimo com ameaçasmorte a Youssef Salim Saker, presidente do Tribunal, ao procurador Alcir Molina e ao então juiz e atual presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, que ordenara a recontagem380 mil votos na 25ª Zona.
"Isso parteum grupopessoas contrariadas com meu trabalho contra as fraudes", declarou Fux. "Mas vou jogar duro até o final".
No dia 19outubro, o TRE decidiu, por unanimidade, anular as eleições para deputado no RioJaneiro — um novo pleito,15novembro, ocorreria paralelamente ao segundo turno para governador.
Bolsonaro, eleito na disputa cancelada, apoiava a medida: "Claro que roubaram meus votos", declarou.
O TRE requisitou o apoio das Forças Armadas para o monitoramento dos colégios eleitorais na nova votação.
As tropas do Exército, contudo, mostraram-se incapazesdeter as irregularidades no dia.
Luiz Noronha Dantas, juiz da 25ª Zona, descobriu, numa única urna, 12 cédulas preenchidas com a mesma caligrafia, todasbenefícioum candidato a deputado estadual pelo PSC.
"A semelhança é incontestável, por isso decidi anular os votos", explicou o magistrado ao Jornal do Brasil.
Um procedimento similar envolveu os nomesoutros candidatos a deputado. A falsificação, nesse caso, era mais sofisticada: "As caligrafias se repetemquatroquatro edoisdois votos", disse Dantas.
Bolsonaro mostrava-se confiante: "Em 3outubro, fui o mais votado aqui na 13ª Zona. A presença do Exército ajuda a inibir fraudadores, mas houve falhas. As Forças Armadas deveriam ter realizado o transporte das urnas até os locaisapuração".
Horas depois, o juiz Nelson Carvalhal, da 24ª Zona, descobriria quatro cédulas falsas, impressaspapel mais fino.
Beneficiavam quatro candidatos, entre eles Bolsonaro.
A BBC News Brasil entroucontato com a assessoriaimprensa do presidente, mas não obteve resposta até o fechamento desta reportagem.
Essa prática frequentemente vinha associada a um tipo específicofraude, conhecido por "voto formiguinha": o eleitor inseria na urna uma cédula falsa, eseguida repassava a terceiros uma autêntica. O cúmplice, depositandoforma irregular a cédula recebida fora da seção, por fim subtraía outra, encaminhada a um novo fraudador — e assim sucessivamente.
Semelhante esquema levou Suimei Cavalieri, juíza da 82ª Zona, a impugnar os 350 votosuma urna. "Estamos peneirando tudo", anunciou a magistrada. "Aqueles que conseguiram fraudar na votação, estão sendo descobertos agora".
Bolsonaro recebeu 134.643 votos — a terceira maior votação no Estado entre os candidatos a deputado federal.
O voto eletrônico nos primórdios
Também naquele segundo turno1994,cinco seções do Educandário Imaculada Conceição, tradicional colégio católico no centroFlorianópolis, ocorria mais uma experiência do nascente voto eletrônico na história política brasileira.
Frutouma parceria entre a Universidade FederalSanta Catarina (UFSC) e o Serviço FederalProcessamentoDados (Serpro), envolveu cerca1.880 eleitores.
Paulo Afonso Vieira, candidato a governador pelo PMDB, obteve 987 votos, contra 795Ângela Amin, do PPR. Os terminais contabilizaram 12 votos brancos e 86 nulos.
Em entrevista concedida à Rádio Nacional na manhã do dia anterior, Sepúlveda Pertence, então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), defendera o novo sistema como única formase evitar fraudes: "Esperamos que esse acontecimento chame a atenção do Congresso Nacional para a necessidade inadiávelchegarmos à limpidez completas das eleições brasileiras", declarou.
A total informatização do pleito, alegava Pertence, era um caminho quase certo — cerca3.500 microcomputadores já haviam sido entregues às zonas eleitorais para os trabalhosapuração.
O último passo seria o processamento eletrônico dos votos, dentro da própria urna: "Se pararmos na construção da rede, teremos construído um robô moderníssimo com pésbarro", disse.
As urnas eletrônicas seriam oficialmente implementadas1996 — na ocasião, eleitores57 municípios escolheram prefeitos e vereadores pelo novo sistema.
Em 2000, a informatização atingiu pela primeira vez a totalidade do eleitorado. Hoje, ela permanece na mira do Poder Executivo.
- Este texto foi publicadohttp://vesser.net/brasil-62311882
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