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'Esforço para ciência no Brasil é 4 vezes maior', diz biomédica que sequenciou coronavírus e 'virou' Barbie:casa aposta
"Tudo isso ainda é muito estranho. Eu sou apenas uma cientista, que faço partecasa apostaum grupocasa apostapesquisa, e às vezes sinto que as homenagens ficam muito direcionadas só para mim", diz a biomédica.
Mas os colegascasa apostalaboratório, como a cientista Ester Sabino, a convenceram sobre a importânciacasa apostaassumir esse papelcasa apostarelevância.
"Com o tempo, percebi que represento outras questões que vão além da ciência. Eu sou mulher, nordestina, negra e ocupo uma posiçãocasa apostadestaque que dificilmente vemos no Brasil", analisa.
Goescasa apostaJesus espera que seu trabalho possa servircasa apostaexemplo e inspiração para as futuras geraçõescasa apostapesquisadores brasileiros.
"Eu não tive referências científicas na minha infância. E jamais pensei que, fazendo graduaçãocasa apostabiomedicina, poderia ser cientista", conta.
"Isso é muito grave, porque não damos oportunidades para as pessoas serem aquilo que elas desejamcasa apostaverdade", completa.
A biomédica também chama atenção para o pouco investimentocasa apostaciência no Brasil e como isso impactou não apenas a condução da pandemia atual, mas estimula a idacasa apostajovens pesquisadores para o exterior — ela própria foi recentemente para o Reino Unido, onde continua a fazer estudos com vírus.
"Para fazer ciência no Brasil, a gente tem que se esforçar quatro vezes mais", lamenta.
Nessa entrevista exclusiva à BBC News Brasil, Goescasa apostaJesus ainda falou sobre o estágio da pandemiacasa apostacovid-19 no país e mostrou preocupação com o relaxamento nas medidas restritivascasa apostavárias cidades.
Confira a seguir os principais trechos da entrevista.
casa aposta BBC News Brasil - Antescasa aposta2020, a senhora já havia trabalhado e fazia pesquisas com o HIV e com os agentes infecciosos por tráscasa apostadengue e zika. O que mudoucasa apostaseu trabalho com a chegada do Sars-CoV-2?
casa aposta Jaqueline Goescasa apostaJesus - A mudança foi muito mais no quesitocasa apostareconhecimento do nosso trabalho do que no trabalhocasa apostasi. É óbvio que a demanda aumentou muito.
O Brasil, apesarcasa apostanão ter ficado entre os primeiros no númerocasa apostagenomas do coronavírus sequenciados, sem dúvidas foi o país que mais trouxe avanços na América Latina. Isso tanto pelo trabalho do nosso grupo quantocasa apostaoutras equipes que trabalham com isso. A gente também tem a FioCruz e os laboratórioscasa apostasaúde pública fazendo essa vigilância genômica.
Eu diria que nós tivemos um reconhecimento maior no âmbito social e político. E talvez isso veio à tona para a população, que pode finalmente conhecer o trabalhocasa apostaum cientista. Isso abre as portas para uma sériecasa apostaoutras discussões que eram e são extremamente necessárias, no sentido do reconhecimento da ciência.
casa aposta BBC News Brasil - Numa perspectiva mais geral, a pandemia exigiu respostas rápidas para problemas muito complexos. Como a senhora vê a transformação da ciência durante esses últimos meses?
casa aposta Goescasa apostaJesus - A pandemia trouxe um senso coletivo muito maior para a área da ciência. Eu costumo dizer que na ciência a gente tem como único produto, ou um dos principais, a publicação científica. É ali que você resume seu projeto, seu trabalho e o desenvolvimentocasa apostauma linhacasa apostapesquisa.
Durante a pandemia, houve um compartilhamento maior desses resultados, com uma aceleração na quantidadecasa apostapublicações e do índicecasa apostaprodutividade dos pesquisadores. Em grande parte dos países, os grupos conseguiram colaborar mais, mesmo quecasa apostamaneira informal. O fatocasa apostamuitas pesquisas sobre o coronavírus serem desenvolvidas e publicadas faz com que exista uma aceleração do conhecimento a respeito do vírus e da doença. E isso contribui, já que a gente utiliza esses trabalhos para basear as ações necessárias para conter o problema.
Eu ainda acho que nós precisamos avançar muito mais nesse sentido. É urgente trazer novos conhecimentos. E, muitas vezes, essa urgência não é compatível com o tempo que uma revista leva para publicar o artigo.
Eu passei por essa situação quando nós fomos divulgar o sequenciamento dos primeiros casoscasa apostacovid-19 no Brasil. Naquele momento, essa informação era muito importante e não podíamos esperar a publicação científica completa para revelar esses dados.
Mas, posteriormente, nós também tivemos uma dificuldade enormecasa apostapublicar o trabalho numa grande revista, com um alto fatorcasa apostaimpacto, porque aquela informação já não era mais uma novidade, não havia uma exclusividade nela. Isso atrapalha um pouco a vida do cientista e talvez precisemos pensar nessa velocidade com que os conhecimentos são gerados e divulgados.
casa aposta BBC News Brasil - casa aposta Mas a senhora acha que é possível aliar o melhor dos dois mundos? Ou seja, manter o processo rigoroso da publicação científica, com revisão dos dados por especialistas independentes, e mesmo assim acelerar esse processo?
casa aposta Goescasa apostaJesus - Sim. Sou uma jovem pesquisadora e tenho recebido muitos trabalhos para fazer essa revisão. Quando nós abrimos esse leque para novos cientistas, que nunca tinham sido convidados para realizar esse trabalho, aumentamos o númerocasa apostarevisores e conseguimos ampliar a velocidade do processo.
A pandemia trouxe um novo contexto e é necessário que se revejam essas questões. Muitos trabalhos acabam esperando meses e meses para serem rejeitados ou publicados. O pesquisador perde todo esse tempo para a revista dar um parecer. Talvez a pandemia traga issocasa apostalegado e exponha a necessidadecasa apostaabrir o universo da revisão por pares e trazer um pouco maiscasa apostaceleridade ao processo.
casa aposta BBC News Brasil - casa aposta C casa aposta omo foi o trabalhocasa apostareceber a amostra do primeiro casocasa apostacovid-19 no Brasil e fazer o sequenciamento genéticocasa apostapoucas horas?
casa aposta Goescasa apostaJesus - Nós realmente fizemos o sequenciamento num tempo muito curto, mas isso não aconteceu porque a nossa equipe era hiper, master, ultra competente. Não que todos os pesquisadores não fossem competentes, claro, mas fazer tudocasa aposta48 horas refletiu, na verdade, o processocasa apostapreparação que fizemos para que isso fosse possível.
Nós já tínhamos montado toda a estrutura para que, quando o primeiro caso fosse confirmado, nós já tivéssemos os equipamentos e os reagentes prontos no laboratório. Ou seja, as 48 horas refletem, na verdade, dois mesescasa apostapreparação e toda uma cadeiacasa apostatrabalho e treinamento.
Eu particularmente já fazia sequenciamentos desde 2016, com o vírus zika. Meus colegascasa apostalaboratório também já tinham essa experiência. E a gente manteve a parceria com o Laboratório Estratégico do Instituto Adolfo Lutz, por contacasa apostaum projeto anterior que eu desenvolvia com dengue.
Nós estreitamos os laços e, a partir daí, surgiu a oportunidadecasa apostafazer o genoma do Sars-CoV-2. Então a gente já tinha se organizado antes, junto com o pessoal do Adolfo Lutz, e sabíamos que a possibilidadecasa apostao primeiro caso ser detectadocasa apostaSão Paulo era grande. Quando isso efetivamente aconteceu, colocamos a mão na massa e realizamos todo o processo laboratorial.
Contamos também com o apoio dos epidemiologistas e bioinformatas do Reino Unido. Temos um contato muito próximo com eles e todo esse processocasa apostamontagem do genoma e publicação aconteceucasa apostaconjunto. Meu rostinho ficou conhecido por uma questãocasa apostafacilidadecasa apostacomunicação, mas existe uma equipe muito grande por tráscasa apostatudo.
Com o sequenciamento dos primeiros casos e a importância disso para a saúde pública, veio a necessidadecasa apostafazer a vigilância genômica, que é o monitoramento dos novos casos, para entender se há a introdução ou a emergênciacasa apostanovas variantes, como o vírus está se dispersando, quais as medidas tomadas e como fazer o controle da transmissão viral.
casa aposta BBC News Brasil - Esses primeiros casos são simbólicos e, como a senhora relatou, eles mostram esse preparo e organizaçãocasa apostatoda a equipe. Mas como o trabalhocasa apostavocês se desenvolveu a partir dali?
casa aposta Goescasa apostaJesus - Os primeiros casos foram feitoscasa apostaparceria com o Instituto Adolfo Lutz. Depois desse primeiro momento, dividimos o grupo e parte do laboratório continuou com o sequenciamento genético, inclusive implementando novas tecnologias com capacidadecasa apostaprocessamento maior.
Enquanto isso, o grupo da Dra. Ester Sabino, do qual eu, a Ingra Morales, a Flávia Salles e a Érika Manuli fazemos parte, deu continuidade aos casos que estavam chegando a pedido da Secretariacasa apostaLaboratórios Públicos do Ministério da Saúde, que naquela época era coordenada pelo Dr. Julio Croda.
Então a gente tinha essa demanda específica. O Instituto Adolfo Lutz ficou com a demanda estadual e nós, no Institutocasa apostaMedicina Tropical da USP, continuamos a fazer o sequenciamento genético para tentar trazer o máximocasa apostainformações. E foi assim que conseguimos publicar o primeiro artigocasa apostagrande porte, na revista Science em julho do ano passado. Ali mostramos a geraçãocasa apostaquase 500 novos genomas, analisados entre março e junhocasa aposta2020.
Conseguimos medir também o impacto das várias medidas que haviam sido tomadas pelo Brasil, ou pelos diferentes Estados. Até porque a gente não teve uma ação unificada para a implementação das medidas não-farmacológicascasa apostamitigação da pandemia. E as medidas adotadascasa apostaalguns lugares estavam tendo impacto significativo na transmissão do coronavíruscasa apostadiferentes centros.
casa aposta BBC News Brasil - O Brasil vive um problemacasa apostabaixo investimentocasa apostaciência, com cortes significativos nas verbas nas últimas décadas. A senhora acredita que a história da pandemia poderia ter sido diferente no país se tivéssemos mais investimento na pesquisa e no desenvolvimento?
casa aposta Goescasa apostaJesus - Com certeza. Acho que temos uma questão ideológica que envolve o investimentocasa apostaciência. Isso acontececasa apostaqualquer país, e no Brasil não é diferente. Quando existe um alinhamento governamental que entende que ciência é extremamente importante e faz investimentos nela, a gente já tem o primeiro passo.
Se o governo investe na ciência, a probabilidadecasa apostaele seguir as orientações do que a ciência traz como resposta é muito maior. E aqui não estou falando só da saúde, mas também da área econômica, social,casa apostainfraestrutura…
E o país consegue ter esse retorno do investimento, porquecasa apostafato temos um aumento do conhecimento. Nesses casos, o governo entende aqueles resultados obtidos através da pesquisa e implementa isso na formacasa apostapolíticas públicas ecasa apostanovas diretrizes, baseadas justamentecasa apostaciência.
Se o Brasil tivesse investido muitocasa apostaciência, ou pelo menos um pouquinho mais, é provável que teríamos um maior alinhamento governamental. E aqui não estou falando apenas da esfera federal, mas tambémcasa apostaEstados e municípios.
Esse maior investimento faria com que tivéssemos um retorno científico, no sentidocasa apostaentender melhor o que está acontecendo oucasa apostafazer pesquisas para encontrar as respostas. A partir desse novo conhecimento, poderiam ser implementadas medidas para reduzir a transmissão do vírus e, na cadeia dos resultados, a gente teria obviamente um impacto muito menor da pandemia na saúde dos brasileiros.
Eu sou uma defensora nata da ciência, não poderia ser diferente. Mas existe um raciocínio lógico por trás disso. A gente sabe que os países mais desenvolvidos são aqueles que apostam e investem na ciência.
E o Brasil ainda não conseguiu encontrar esse casamento entre ciência e ações governamentais, seja do pontocasa apostavistacasa apostainvestimento oucasa apostaentender aquelas informações e como implementá-las por meiocasa apostadiretrizes, campanhas e ações.
casa aposta BBC News Brasil - Um fenômeno relacionado a esse baixo investimentocasa apostaciência é a chamada "fugacasa apostacérebros",casa apostaque os cientistas brasileiros saem do país e vão para a Europa ou os Estados Unidos. A senhora, inclusive, se mudou recentemente para o Reino Unido. É possível ser cientista no Brasil ou, para continuar na área, é preciso ir para o exterior?
casa aposta Goescasa apostaJesus - A fugacasa apostacérebros é,casa apostafato, um fenômeno muito forte. Grande parte dos pesquisadores que eu conheço e que tiveram oportunidadecasa apostaestudar fora,casa apostapaíses onde existe um investimento maiorcasa apostaciência, fizeram isso. Para fazer ciência no Brasil, a gente tem que se esforçar quatro vezes mais.
E aí, quando a gente sai do Brasil, seja para uma temporada ou para realmente estabelecer residência, percebemos a diferença na nossa produtividade. Produzimos muito mais quando estamos fora por conta do investimentocasa apostarecursos.
É possível, sim, fazer ciência no Brasil. Eu faço isso há dez anos, desde a iniciação científica. Mas não é fácil, e a gente tem que driblar uma sériecasa apostadificuldades. Os reagentes não chegam no prazo esperado, não existe legislação, não temos um fluxocasa apostalogística, e tudo isso impede que o pesquisador tenha uma eficiência maiorcasa apostaseu trabalho.
Um indivíduo que fez mestrado e doutorado passou por uma graduação e ainda dedicou seis anoscasa apostasua vida para chegar num nívelcasa apostapesquisador, onde ele consegue ter os próprios recursos para trabalhar. É um investimento muito caro,casa apostatempo ecasa apostadinheiro.
E aí, quando temos esses doutores, que poderiam trazer muito resultado e conhecimento para nosso país, eles não são remunerados da forma correta e não têm oportunidades nas universidades. O Brasil ainda abarca a ciência só no âmbito das universidades públicas estaduais e federais. Nós temos pouquíssimos centros privados que fazem pesquisa.
Tudo isso contribui para que o indivíduo procure oportunidades fora do país, até porque isso não falta. Eu tenho um alerta configurado no meu e-mail e, todos os dias, eu recebo três, quatro, cinco vagas dentro da minha área no exterior. E no Brasil a gente fica competindo por uma vaga...
casa aposta BBC News Brasil - Essas dificuldades que a senhora descreveu ajudam a desenvolver uma versatilidade e uma capacidadecasa apostaadaptação no cientista brasileiro? Essas habilidades são valorizadas no exterior?
casa aposta Goescasa apostaJesus - O Brasil é uma boa escola para isso. Eu não gostocasa apostaromantizar o sofrimento, seja ele qual for. Mas, uma vez que você passa por um processocasa apostaformação no Brasil,casa apostaque é preciso driblar tantas dificuldades e dar o famoso jeitinho, nós conseguimos resolver situações extremamente inusitadas.
Fora do Brasil, principalmente nos países que têm investimentoscasa apostaciência, isso não acontece. Daí, quando você se encontra numa dificuldade no exterior, é muito mais fácilcasa apostamanejar aquela situação, até porque ela é costumeira no Brasil. É nossa rotina.
Então aqui no Reino Unido, quando acontece uma situação diferente, os pesquisadores nativos ficam um pouco perdidos. E a gente já está tentando resolver, ajeitacasa apostaum lado, ajeitacasa apostaoutro, e conseguimos trazer soluções que não são obviamente as melhores, mas pelo menos resolvem aquilo por um períodocasa apostatempo.
casa aposta BBC News Brasil - No início da entrevista, falávamos sobre como a pandemia ajudoucasa apostaalguma maneira a popularizar a ciência. E a senhora é parte desse processo e virou até personagem da Turma da Mônica e boneca Barbie. Como foi participar desses projetos e aliar a pesquisa a esse universo pop?
casa aposta Goescasa apostaJesus - Tudo isso ainda é muito estranho. Eu sou apenas uma cientista, que faço partecasa apostaum grupocasa apostapesquisa, e às vezes sinto que as homenagens ficam muito direcionadas só para mim
Mas teve uma coisa que ouvicasa apostaalguns colegas que me ajudou a entender um pouco mais essa situação e ver algum sentido nisso tudo. Eu represento outras questões que não apenas a ciência. E essa representatividade tem um apelo muito grande no Brasil. Com o tempo, percebi que represento outras questões que vão além da ciência. Eu sou mulher, nordestina, negra e ocupo uma posiçãocasa apostadestaque que dificilmente vemos no Brasil. Agora, talvez, isso é mais discutido e conseguimos trazer mais pessoas com essas características para os holofotes.
Mas, durante toda a minha vida, eu sempre vi homens brancoscasa apostameia idade sendo responsáveis por falar na mídia e por representar grupos que, talvez, envolvessem pessoas diversas. Mas era sempre aquela mesma figura da pessoa considerada mais apropriada para aparecer.
Trazer a Dra. Jaqueline Goes para esse universo pop também é uma quebracasa apostaparadigma. É você mostrar a visãocasa apostaque o mundo mudou e nós precisamos acompanhar essa mudança. Nós temos pesquisadoras jovens, negras, mulheres que ocupam posiçãocasa apostadestaque também, mas que nunca foram vistas dessa forma. É importante, porque trazemos representatividade.
Eu recebo muitas mensagenscasa apostaescolas pedindo para que eu faça palestras ou participecasa apostaum bate-papo com as crianças. Muitas vezes eu não consigo dar contacasa apostatudo, mas eu faço um esforço muito grande para comparecer a esses eventos online. Porque são as criançascasa apostahoje, inspiradas nessa representatividade, que vão mudar o futuro. A gente precisa investir nisso.
Eu não tive referências científicas na minha infância. As minhas primeiras referências só vieram na época do mestrado, quando eu já estava graduada. Tudo isso agora é diferente. E jamais pensei que, fazendo graduaçãocasa apostabiomedicina, poderia ser cientista. Isso é muito grave, porque não damos oportunidades para as pessoas serem aquilo que elas desejamcasa apostaverdade. Às vezes, é só o que coube para ela naquele momento.
Calhoucasa apostaeu cair na ciência e gostar, mas nunca foi a minha pretensão. E também acho que essa não era a pretensãocasa apostamuitos dos meus colegas. Trazer isso para o universo pop, inclusive com outras cientistas, como foi o caso da homenagem com a Barbie, significa que nós carregamos essa representatividade. A criança olha para uma boneca e pensa que pode ser como ela. Isso é algo diferente do que eu vi durante toda a minha vida.
No início, eu não queria aceitar, ficava muito com essa coisacasa apostaque trabalhamoscasa apostagrupo e todos deveriam receber a homenagem. A minha ideia mudou quando ouvi da minha supervisora, a Dra. Ester Sabino, uma pessoa muito sábia, que era importante eu trazer essas outras representatividades extremamente urgentes para nossa sociedade.
casa aposta BBC News Brasil - Os cientistas estão acostumados a trocar ideias e informações com os colegas, numa linguagem acadêmica e, muitas vezes, pouco acessível. Como dialogar com o público geral?
casa aposta Goescasa apostaJesus - Vou falar algo que nunca comenteicasa apostaentrevistas. Essa semana, eu estava refletindo com um amigo e cheguei à conclusãocasa apostaque isso faz parte da minha trajetória. Eu sou professora. E, enquanto professora, preciso pegar algo que é muito complexo e trazer para o universo do estudante, que está aprendendo sobre aquilo pela primeira vez.
Comecei a dar aula com 16 anoscasa apostauma escola infantil. A partir dessa experiênciacasa apostaensinar para as crianças, depois passar pela graduação dentro da universidade,casa apostaser professora universitária e participarcasa apostaum projetocasa apostaaulas online, a gente vai desenvolvendo essas habilidades.
Precisamos pegar algo complexo e passar para diferentes públicos. Para isso, precisamoscasa apostaexperiência e confiança, alémcasa apostausar ferramentas como as comparações, falarcasa apostamaneira calma… Isso facilita muito quando falamoscasa apostaciência para a população. Até porque precisamos trazer algo que seja da realidade daqueles indivíduos.
Não adianta ir pra mídia e usar termos técnicos. Precisamos destrinchar aquele conhecimento e transformá-locasa apostaalgo que seja fácil para o público degustar. No momentocasa apostaque se gosta daquilo, fica fácil buscar mais informações. E isso aconteceu durante a pandemia. Eu vi as pessoas procurando por ciência e por conhecimento como buscavam por resultadoscasa apostajogoscasa apostafutebol. Ainda não é o ideal, mas é muito gostosocasa apostaver isso acontecer.
casa aposta BBC News Brasil - Em relação à pandemia, a senhora já vê alguma luz no fim do túnel? Existe alguma perspectivacasa apostafim da crise sanitária, quando pensamos na realidade brasileira?
casa aposta Goescasa apostaJesus - Eu vivo uma realidade no Reino Unido que é completamente incompatível com a brasileira. Aqui, a vacinação avançou e temos praticamente 80% da população completamente imunizada. Isso muda a forma como a gente vive.
Falando do Brasil, eu ainda tenho um receio pelo surgimentocasa apostanovas variantes. Esse é um grande receio, aliás. Então, sempre que as pessoas perguntam sobre perspectivas, eu respondo que é muito complicado falarcasa apostaprevisão. Como cientista que entende o processocasa apostadisseminação viral e o surgimentocasa apostanovas variantes, eu pensaria [num fim para a pandemia]casa aposta2024. E sei que não é uma previsão muito agradável. E tenho até receiocasa apostafalar isso para as pessoas, para que não seja usado foracasa apostacontexto ou recebido como como grande verdade.
Sobre o modo como os brasileiros estão levando a pandemia, abrindo tudo sem que as pessoas estejam completamente vacinadas, é muito complicado. Nós temos grandes centros com uma boa porcentagem da população com as duas doses, mas,casa apostaoutros lugares, estamos longecasa apostaalcançar isso. É difícil dizer que,casa aposta2022, já estaremos livres da pandemia, com todo mundo vacinado.
Isso porque nós temos a possibilidadecasa apostasurgirem novas variantes e o Brasil já mostrou que é capazcasa apostafazer isso. Tivemos a P.1 [a atual Gama] e diversas outras que se desenvolveram no país. E esse é o grande empecilho para que estejamos tranquilos no ano que vem.
Enquanto brasileira, se eu pudesse dizer o que precisa ser feito agora seria continuar com as restrições, deixarcasa apostafuncionamento apenas o que é estritamente necessário, não incentivar eventos e aglomerações e acelerar a vacinação.
Precisamos investir na compracasa apostavacinas. A gente sabe que tem como comprar mais doses se houver uma intenção real do governocasa apostafazer isso. E ouvimos o presidente falar que vai reduzir o orçamento para compracasa apostavacinascasa apostatantos por cento no ano que vem. Não! A gente precisa aumentar esse percentual, não reduzi-lo. A epidemia não acabou.
A gente volta mais uma vez para a questão dos governos que investem e acreditam na ciência. É algo que se retroalimenta. Infelizmente, não temos isso no Brasil.
É complicado fazer previsões sobre o fim da pandemia, mas eu diria no finalcasa aposta2023, iníciocasa aposta2024, se não tivermos novas variantes surgindo com tanta velocidade como temos observado.
casa aposta BBC News Brasil - Quais foram os principais erros cometidos na condução da pandemia no Brasil e o que podemos aprender com eles?
casa aposta Goescasa apostaJesus - Acho que a gente erroucasa apostanão ouvir a ciência. Enquanto cientistas, trouxemos informações e conhecimentoscasa apostaforma muito rápida para o governo e a sociedade brasileira. No início da pandemia, eu me recordocasa apostater sido convocada, juntocasa apostaoutros pesquisadores, para dar direcionamentocasa apostarelação ao que deveria ser feito no país.
A minha sugestão era que nós fizéssemos um controle maior nos aeroportos e fechássemos as fronteiras. Assim, a gente poderia ao menos conter a introduçãocasa apostanovas variantes do vírus,casa apostamodo a mitigar aquilo que já tinha entrado no Brasil com os primeiros casos.
Infelizmente, nada disso aconteceu. Essa reunião foi finalcasa apostamarçocasa aposta2020. Pouquíssimas das nossas recomendações foram acatadas. Depois disso, trouxemos o estudo na Science em julho falando das medidas não-farmacológicas e o impacto que elas tiveram na redução da pandemia. Ainda assim, vimos muitas cidades seguindo o caminho contrário,casa apostanão estabelecer a quarentena e o lockdown,casa apostanão preconizar o usocasa apostamáscara, e com governantes dizendo que tudo era uma baboseira.
Infelizmente, por mais que nossos governantes não acreditassem ou tivessem uma opinião contrária, a figura deles como exemplo era necessária para que a gente tivesse outro curso na pandemia. Erramoscasa apostanão ouvir a ciência.
E continuamos a errar. O Brasil está fazendo uma sériecasa apostareaberturas que não eram para acontecer neste momento. Não sei se nós aprendemos com esses erros ainda.
Mas também vejo pelo lado positivo,casa apostaque aprendemos muito sobre prevençãocasa apostaepidemias, disseminaçãocasa apostadoenças por via respiratória, sobre questõescasa apostahigiene... Se a gente começar a olhar outras doenças relacionadas à faltacasa apostahigiene, veremos que a prevenção para covid-19 ajudou a evitar outras doenças.
E, agora, boa parte da população entende que, quando temos recursos, interesses políticos, econômicos e sociais no desenvolvimentocasa apostauma vacina, ela pode ficar prontacasa apostatempo recorde. O mundo inteiro se debruçou no desenvolvimentocasa apostavacinas contra a covid-19 e temos várias delas já aprovadas.
casa aposta BBC News Brasil - Pensandocasa apostarepresentatividade e inspiração, como uma criança ou um jovem pode virar cientista no futuro? Qual caminho devem seguir?
casa aposta Goescasa apostaJesus - Essa é uma pergunta difícil. As pessoas têm uma ideiacasa apostaque cientista só trabalha na saúde. E eu gostocasa apostalembrar das outras áreas, inclusive as ciências sociais. Se tornar cientista, para mim, é algo que vemcasa apostadentro. Você precisa ter um instinto curioso.
As crianças são cientistas por natureza. Elas trazem essa curiosidade e querem descobrir o ambiente e tudo ao redor. Para aqueles jovens que continuam com desejocasa apostaexplicar os fenômenos sociais, políticos,casa apostasaúde e da área das exatas, o passo principal é fazer uma graduaçãocasa apostaalgo que agrade. Se você gostacasa apostaengenharia, vai fazer. E, dentro dessa área, procure gruposcasa apostaestudo que trabalham com um tópicocasa apostaseu interesse.
Não adianta se envolver com áreas nas quais você não tem aptidão ou afinidade. Tem que gostar. Se não, não flui. Ser cientista não é uma posiçãocasa apostaque você trabalha das 8 às 16 horas e, no outro dia, aparecem outras demandas. Você vive a pesquisa. Às vezes você está tomando banho e se lembracasa apostaalgo que poderia ter feito no experimento e não fez. Ou sonha com o experimento que fará no dia seguinte.
Você é sempre cientista, seja no laboratório,casa apostacasa ou numa festa com os amigos. Está sempre pensando e buscando entender os fenômenos. Primeiro, é preciso ser curioso. Depois, seguir a carreira, fazer graduação, entrarcasa apostagruposcasa apostapesquisa para mestrado e doutorado. E, claro, ter sempre essa vontadecasa apostaexplicar as coisas dentrocasa apostasi.
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