'Bebê estava gordinho, mas anêmico': desnutrição e excessof12 apkpesof12 apkcrianças andam juntos na pandemia:f12 apk

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Legenda da foto, Foto genéricaf12 apkbebê sendo pesado; má alimentação e ultraprocessadosf12 apkexcesso podem levar crianças a quadro simultâneof12 apksubnutrição e obesidade

Essa dupla carga,f12 apkquadrosf12 apkdesnutrição com excessof12 apkpeso (ainda na infância ou posteriormente, na vida adulta), parece estar piorando na pandemia, quando mais famílias vulneráveis estão tendo dificuldadesf12 apkobter comida - principalmente alimentos in natura, capazesf12 apkprover os nutrientes, vitaminas e minerais necessários para uma infância e uma vida adulta saudáveis.

Muitas têm dependidof12 apkdoações, que, embora sempre necessárias e bem intencionadas, nem sempre chegam na quantidade e na qualidade necessárias para garantir a boa alimentação da família.

Apesarf12 apkos dados detalhados sobre o quadro nutricionalf12 apkcrianças estarem mais escassos, por causa da reduçãof12 apkatendimentos e consultas presenciais na pandemia, pesquisas recentes retratam um cenário preocupante.

Cercaf12 apk116 milhõesf12 apkbrasileiros conviviam com algum grauf12 apkinsegurança alimentarf12 apkdezembrof12 apk2020, aponta a Rede Brasileiraf12 apkPesquisaf12 apkSoberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan). Desse total, 43,4 milhões não tinham alimentosf12 apkquantidade suficiente, e 19 milhões passavam fome.

Piorou, também, a qualidade da comida ingerida: nos laresf12 apksituaçãof12 apkinsegurança alimentar, o consumof12 apkalimentos saudáveis caiu 85% na pandemia, aponta uma pesquisa do grupo Food For Justice lançadaf12 apkabril.

Segundo o Unicef (braço da ONU para a infância), 29% das famílias brasileiras estão comendo mais alimentos industrializados, 22% estão consumindo mais bebidas açucaradas, e 18% estão ingerindo mais fast food, conforme mostra o levantamento Impactos Primários e Secundários da Covid-19f12 apkCrianças e Adolescentes.

Esses alimentos ultraprocessados costumam ser relativamente baratos e agradam o paladar. Mas também são repletosf12 apksódio, gorduras e açúcares, e pobresf12 apknutrientes.

"Como são baratos, o acesso a eles é facilitado. Não por acaso a gente encontra na mesma casa crianças sofrendo com sobrepeso e deficiênciaf12 apkvitaminas A e D ou anemia", diz à BBC News Brasil Islandia Bezerra da Costa, professoraf12 apknutriçãof12 apksaúde pública da Universidade Federalf12 apkAlagoas (UFAL) e membro da Associação Brasileiraf12 apkAgroecologia (ABA-Agroecologia).

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Legenda da foto, Horta urbanaf12 apkSete Lagoas, Minas Gerais; alimentos in natura como estes têm perdido espaço no cardápiof12 apkfamílias pobres na pandemia

Nosso corpo dependef12 apkvitaminas, proteínas e minerais para crescer, lembra Costa. E a fonte principal desses nutrientes são as frutas, vegetais, leguminosas e demais alimentos in natura ou minimamente processados.

"Por mais que a indústria alimentícia traga a ideiaf12 apkque o biscoito recheado 'é ricof12 apkvitamina D', isso é uma falácia. Sua essência, na maioria das vezes, éf12 apkcalorias, açúcar, sódio e gorduras."

Obesidade crescendo junto com a desnutrição

Na entidade beneficente Pastoral da Criança, desde 2019 tem causado alarme o aumento no númerof12 apkcrianças desnutridas, algumasf12 apkestado grave - algo que tinha se tornado uma raridade no país nas últimas décadas.

Só que crescem também os casosf12 apkobesidade entre as crianças atendidas, segundo os dadosf12 apkIMC (índicef12 apkmassa corporal) obtidosf12 apkconsultas na rede públicaf12 apksaúde. A entidade, por enquanto, vê esse aumento com cautela: como tem sido analisado um universo menorf12 apkcrianças por conta da dificuldadef12 apkacesso a elas durante a pandemia, pode haver vieses estatísticos nos dados.

Mas existe uma preocupação com a piora na ofertaf12 apkcomida das famílias pobres.

"Muitas famílias estão vivendof12 apkdoação, e por isso têmf12 apkcomer o que vem na cesta básica - e às vezes são ultraprocessados. A família deixaf12 apkter poderf12 apkescolha", explica Caroline Dalabona, nutricionista da Pastoral da Criança. "Por isso a necessidadef12 apkuma política pública, para que essas pessoas tenham amparo e renda."

O temorf12 apkDalabona é o impacto futuro na vida das crianças, caso a má alimentação não seja corrigida. "Seu desenvolvimento motor, emocional e cognitivo é afetado. Ela vai ter dificuldades físicas e intelectuais."

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Distribuiçãof12 apkcestas básicasf12 apkSP; doações, embora bem intencionadas e indispensáveis, nem sempre levamf12 apkconta necessidades nutricionais das famílias

Esse impacto às vezes começa no útero, no casof12 apkfetos cujas mães não se alimentaram bem, agrega Rosana Salles-Costa, que coordenou o estudo da Rede Penssan: "O organismo do bebê entende que passou por uma privação e que por isso precisa guardar uma reserva (calórica). Essa alteração metabólica explica por que a má alimentação na infância aumenta o riscof12 apkobesidade na vida adulta."

Na Pastoral da Criançaf12 apkPirapozinho, interiorf12 apkSão Paulo, a líder comunitária Eliane Cardoso visita as casas das famílias atendidas para acompanharf12 apksituação nutricional.

Ao mesmo tempof12 apkque tem observado crescer o excessof12 apkpeso entre as crianças, "com certeza tem deficiência nutricional também. Vamos ver isso direitinho quando pudermos voltar a pesar e medir as crianças", explica.

"É algo que a gente já via antes nas férias escolares (quando as crianças estão sem a merenda): crianças com obesidade por causaf12 apkbiscoito."

As famílias carentesf12 apkPirapozinho têm recebido das escolas municipais as frutas e legumes que comporiam a merenda escolar, mas para algumas isso não tem sido suficiente. "Na escola, o prato vinha pronto para a criança comer, ef12 apkcasa nem sempre é assim. Nesta semana, visitei uma casaf12 apkque a mãe não conseguia cozinhar para os filhos porque não tinha (como comprar) gás."

Para a professora Islandia Bezerra da Costa, esses problemas podem ser amenizados com o fomento a pequenos produtores agrícolas e suas redes,f12 apkvez da priorizaçãof12 apk"um modelof12 apkprodução industrial que destrói florestas".

"Com a pandemia, várias feiras orgânicas que haviam sido criadas com muito suor foram fechadas, ao mesmo tempof12 apkque houve um 'boom' para as redesf12 apksupermercados", critica. "A resposta para a má alimentação é a produçãof12 apkalimentos saudáveis."

Comida 'de verdade'

No Recife, Sarah Marques do Nascimento comemora os primeiros brotosf12 apkmelancias, melões e feijões que estão nascendo na horta comunitária da comunidade Caranguejo Tabaiares.

Crédito, Sarah Marques/Caranguejo Tabaiares Resiste

Legenda da foto, Comida in natura doada à Comunidade Caranguejo Tabaiares

É uma região "com muitas casasf12 apkpalafita e muitas famílias chefiadas por mulheres negras, que dependiamf12 apksubempregos, da pesca,f12 apkrestaurantes ou que são autônomas", explica Marques, que preside a associação comunitária local.

Por conta dessa vulnerabilidade, muitas famílias viramf12 apkrenda despencar durante a pandemia.

"Ontem, fui dormir aperreada quando uma mãe me contou: 'botei meus filhos para dormir com fome e não sei o que vou dar pra eles quando acordarem'. Fomos atrás e conseguimos quentinhas, café da manhã e almoço pra eles", conta Marques.

Mas, muitas vezes, resta comer "o que aparece, o básico do básico. Até quando consegue doaçãof12 apkbolacha, vejo que o povo fica bem feliz".

Daí a apostaf12 apkMarques na horta comunitária ef12 apkarticulações para obter doaçõesf12 apkfrutas, vegetais e peixes locais. Uma dessas articulações foi com o projeto Agroecologia contra a Fome, da ONG Greenpeace, que doou 200 cestasf12 apkalimentos, incluindo desde hortaliças até arroz, feijão, café e produtos da cultura alimentar local. Uma segunda leva será doada neste mêsf12 apkjulho.

O Greenpeace informa ter distribuído pelo projeto, até agora, um pouco maisf12 apk14 toneladasf12 apkalimentos,f12 apknove Estados do Norte e Nordeste.

Em São Paulo, a organização Cren, citada no início da reportagem, também ajudou famílias vulneráveis com a doaçãof12 apkalimentos orgânicos vindosf12 apkpequenos produtores locais, que até então vendiamf12 apkprodução para merendas escolares (o que foi interrompido na pandemia).

Crédito, Cren

Legenda da foto, Equipe do Cren,f12 apkSão Paulo, tem ajudado a ofertar comida orgânica para populaçãof12 apkvulnerabilidade se alimentar com qualidade

"Tiramos das cestas as doaçõesf12 apkbolachas recheadas, achocolatados e macarrão instantâneo, que se são prejudiciais para uma pessoa saudável, imagina para as crianças desnutridas", explica a médica Maria Paulaf12 apkAlbuquerque.

Além dos legumes e verduras tradicionais, foram incluídas nas cestas algumas "plantas alimentícias não convencionais" (pancs)f12 apkbaixo custo, como peixinho, ora-pro-nóbis e capuchinha, junto a vídeos instruindo as famílias sobre como incorporá-las ao cardápio.

"A aceitação dessas pancs foi boa, mostrando que é possível incorporar bons hábitos alimentaresf12 apkmomentos emergenciais", prossegue Albuquerque.

Uma preocupação adicional da médica, porém, é com o que chamaf12 apk"colapso" na redef12 apkatendimentof12 apksaúde a grávidas, mães e crianças pequenas, seja por medo das pessoasf12 apkirem às consultas ou pela sobrecarga do sistema por conta da covid-19.

"Não podemos deixar que as famílias paremf12 apkfrequentar as UBS (unidades básicasf12 apksaúde),f12 apkfazerem as suplementações nutricionais das crianças", diz ela.

A anemia do bebê citado no início deste texto, por exemplo, poderia ter sido prevenida "se uma consultaf12 apkrotina tivesse identificado a deficiênciaf12 apkferro e receitado um suplemento. É muito triste".

Para Rosana Salles-Costa, da pesquisa Penssan, será necessário observar os efeitosf12 apklongo prazo que a alimentação e a desestruturação familiar (emocional ef12 apkrenda) terão nas crianças brasileiras.

"Com o desemprego recorde, as famílias não têm nem renda para aquisiçãof12 apkalimentos nem segurança no trabalho", diz. "Se as crianças têm mais mecanismosf12 apkproteção contra (formas graves da) covid-19 do que os adultos, e é bom que os tenham, elas também estão inseridasf12 apkfamílias cada vez mais destroçadas."

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