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Cultura do medo e legado da ditadura ajudam a explicar truculência da polícia do Rio, diz ex-chefe das UPPs:www cassino
Em nota, a Secretariawww cassinoPolícia Civil defendeu a necessidadewww cassinooperaçõeswww cassinofavelas. "A ação foi baseadawww cassinoinformações concretaswww cassinointeligência e investigação. Na ocasião, os criminosos reagiram fortemente. Não apenas para fugir, mas com o objetivowww cassinomatar", escreveu.
"O Riowww cassinoJaneiro foi construído na base do medo, um sentimento muitas vezes manipulado pelos interesses políticos: medo da invasão francesa, medowww cassinoum levante dos escravos, medo da República, medo dos comunistas. Estamos constantementewww cassinoum estadowww cassinomedo do outro, e isso gera reações violentas", afirmou Rodrigueswww cassinoentrevista à BBC News Brasil.
Segundo ele, durante a Constituintewww cassino1988, a sociedade brasileira escolheu manter o modelowww cassinopolícia criado pelo regime ditatorial: uma corporação responsável pelo policiamento ostensivo, e outra civil, que cuida das investigações.
"A política e a sociedade não foram capazeswww cassinopropor uma estrutura moderna para as polícias, algo que desse conta dos desafios sociais ewww cassinojustiça criminal. O resultado dessa escolha estamos vendo até hoje", disse.
Durante a entrevista, o antropólogo, hoje na reserva da PM, também comentou o fracasso da guerras às drogas, o falho combate à corrupção policial no Brasil e como grandes criminosos lucram com a manutenção da violênciawww cassinoáreas controladas por facções.
Robson Rodrigues ocupou diversos cargoswww cassinodireção na PM do RJ entre 2009 e 2016. Ele esteve à frente da coordenaçãowww cassinoUPPs entre 2010 e 2011 e foi chefe do Estado Maior da PM do RJwww cassino2015 a 2016.
Confira a entrevista abaixo.
www cassino BBC News Brasil - Por que a violência policial no Brasil muitas vezes não é tratada pelas próprias corporações como um problema?
www cassino Robson Rodrigues - Existem alguns setores das polícias, embora ainda com pouca gente, que têm discutido bastante a questão da violência, inclusive com a academia.
Mas o problema é que a culturawww cassinoautoritarismo já está arraigada, e não somente dentro da polícia. Está presentewww cassinovárias instituições e na sociedade brasileira. É preciso habilidade para mudá-la, principalmente na conjuntura política que a gente tem visto no Brasil.
A qualidade da nossa política tem ficado muito aquém do esperado para tocar nesse problema. Vivemoswww cassinouma sociedadewww cassinocomunicação muito rápida, e a política tem usado a segurança pública como palanque eleitoral com discursos populistas, oferecendo soluções simples para situações muito complexas. Com isso, tem havido muitos retrocessos.
Para caracterizar uma sociedade minimamente civilizada é preciso ter mecanismos para afastar a violência dos modoswww cassinosolucionar conflitos, mas nossas instituições não têm sido capazeswww cassinofazer isso. Nós falhamos, não só como polícia, mas como Estado e como sociedade. A gente vê muita violência, por exemplo, no trânsito e nas relaçõeswww cassinoclasses.
Por outro lado, quando as pessoas percebem que as instituições não funcionam, querem fazer justiça com as próprias mãos. E, quando essas mãos estão armadas, o cenário se torna pior.
www cassino BBC News Brasil - Essa violência pode ser lucrativa também? Há interesses econômicoswww cassinomanter as coisas como estão?
www cassino Rodrigues - Há um lado racional na violência: ela incrementa os mercados. Precisamos olhar a violência no Riowww cassinoJaneiro como mercados ilícitos, altamente violentos, que se assemelham à geografia pré-moderna, da Europa feudal, onde não havia um poder centralizado, e sim uma disputa violenta pela administraçãowww cassinoterritórios.
Essa violência se tornou instrumental para policiais corruptos e outros que atuam na criminalidade. Os grandes criminosos, aqueles que realmente lucram, não estão ali na ponta. Eles ficam invisíveis, se aproveitam da invisibilidade enquanto a polícia e o sistema criminal estão olhando para outro lado.
Os grandes traficantes,www cassinoredes internacionais, têm muita facilidadewww cassinoacesso a essas comunidades. Mas, ao mesmo tempo, quando a violência aumenta, os preços também aumentam, o pedágio também aumenta. A violência torna o mercado mais lucrativo, pois ela mexe na demanda e na oferta.
www cassino BBC News Brasil - Qual a influência da ditadura militar no comportamento violento das políciaswww cassinohoje?
www cassino Rodrigues - As polícias nunca foram reformuladas no Brasil. O problema da violência policial no Riowww cassinoJaneiro não vem apenas da ditadura. Ele vem da colônia. Infelizmente, a polícia se especializou ao longo do tempowww cassinoser uma instituição truculenta.
O Riowww cassinoJaneiro foi construído na base do medo, um sentimento muitas vezes manipulado pelos interesses políticos: medo da invasão francesa, medowww cassinoum levante dos escravos, medo da República, medo dos comunistas. Estamos constantementewww cassinoum estadowww cassinomedo do outro, e isso gera reações violentas.
Já o arcabouço legal das polícias foi construído pela ditadura, estabelecendo as funções que hoje são da polícia civil e da militar. No momento da Constituintewww cassino1988, a política e a sociedade não foram capazeswww cassinopropor uma estrutura moderna para as polícias, algo que desse conta dos desafios sociais ewww cassinojustiça criminal.
Embora eu tenha sido da Polícia Militar por muitos anos, sempre fui um crítico da militarização. Esse foi um erro que a sociedade cometeu e que dói muito. O resultado dessa escolha estamos vendo até hoje.
www cassino BBC News Brasil - Há uma máximawww cassinoque o crime organizado não se sustenta sem participaçãowww cassinoalguma esfera do Estado. Em que medida a corrupção policial auxilia o crime?
www cassino Rodrigues - Uma políticawww cassinosegurança que não combata a corrupção policial está fadada ao erro. É uma falácia, uma mentira.
Em vários lugares do mundo foi preciso combater a imagemwww cassinouma polícia corrupta para facilitar as açõeswww cassinocombate ao crime. Todos esses lugares partiram desse princípio. Nova York, por exemplo, tinha uma das polícias mais corruptas do mundo.
Na Colômbia, a polícia nacional tinha uma face voltada quase exclusivamente para a guerra civil. A cúpula queria manter essa situação, porque esse estadowww cassinoguerra obviamente dava lucro para os corruptos. A polícia e as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) lidavam com a cocaína, que é um dos bens mais valiosos do mundo. Quando alguém teve coragemwww cassinolidar com isso, e reformou a polícia, o Estado ganhou legitimidade com a população. Combater a corrupção policial é o pontowww cassinopartida.
O crime organizado se sustenta com medo, armas, drogas e violência. Maswww cassinoonde vêm as armas e os outros insumos?
www cassino BBC News Brasil - As milícias surgiram com um discursowww cassinocombate ao tráfico e a criminosos que controlavam certos territórios.
www cassino Rodrigues - É fácil para um discurso demagógico dizer que está combatendo o tráfico. As milícias se aproveitaram desse discurso, mas hoje muitos milicianos são parceiroswww cassinotraficantes. Já existe a narcomilícia.
Tanto o tráfico quanto a milícia são parasitas do Estado. Ambos são máfias, amantes do dinheiro, querem sempre lucrar.
www cassino BBC News Brasil - Observatórios da violência no Riowww cassinoJaneiro têm mostrado que as operações policiais não atingem áreas controladas por milicianos. Há uma explicação para isso?
www cassino Rodrigues - Posso falar apenas hipoteticamente. Podem existir policiais envolvidos por questões racionais e objetivas, que é a busca do lucro. São agentes que, ao não combater a milícia, acabam se beneficiando disso.
Por outro lado, há também uma percepção emocional por parte dos policiaiswww cassinoque o inimigo é o tráficowww cassinodrogas.
www cassino BBC News Brasil - As polícias do Rio continuaram a fazer operações mesmo com a decisão do STF que suspendeu ações do tipo durante a pandemia. E o delegado Rodrigo Oliveira (subsecretário Operacional da Polícia Civi) falouwww cassino'ativismo judicial', uma espéciewww cassinointerferência da Justiça nas polícias do Rio. Como essa decisão do STF foi recebida pelas corporações?
www cassino Rodrigues - A polícia é heterogênea. Então, a decisão pode ter sido recebidawww cassinovárias formas.
Meu entendimento é que quem está fazendo ativismo policial é o delegado. Ele padece do mesmo problema do qual está acusando o STF.
O objetivo da operação no Jacarezinho foi mal comunicado. Qual era o objetivo? Não ficou bem explicado. Se o discurso oficial foi ambíguo e pouco claro, ele deu à sociedade o direitowww cassinoacreditar que o que estavawww cassinojogo ali era a questão do Supremo Tribunal Federal, testar as instituições. Para mim, levantar hostes contra o STF é ativismo. É uma disputawww cassinoquem manda mais? Quem está sofrendo com isso é a população.
O fato é que essas operações sem pé nem cabeça, motivadas por uma ocupaçãowww cassinoterritório, não têm dado resultado. Há vários erros técnicos: no arcabouço legal brasileiro, quem faz policiamento ostensivo,www cassinoocupaçãowww cassinoespaços, é a Polícia Militar, não a Civil. O papel da Polícia Civil é investigar crimes.
www cassino BBC News Brasil - Nesse sentido, os próprios policiais não acabam se tornando vítimas dessa política? O númerowww cassinopoliciais assassinados no Brasil é bastante grande.
www cassino Rodrigues - Eu te pergunto: essa políticawww cassinoenfrentamento da violência está dando certo? E será que a nossa sociedade quer uma polícia consciente? Temos a polícia que mais mata e a que mais morre.
Esse discurso simplóriowww cassinoenfrentamento se encaixou perfeitamente com a incapacidade intelectual e cognitiva do (presidente Jair) Bolsonaro. Nessa visão, combatemos a violência com mais brutalidade, com truculência. Mas isso não resolve nada, não está resolvendo nada.
A operação no Jacarezinho sinaliza perfeitamente esses equívocos: ativismo policial, faltawww cassinoplanejamento, descaso com os policiais.
www cassino BBC News Brasil - O Brasil vive uma guerra às drogas que já dura décadas. O resultado não é positivo. O consumowww cassinodrogas, quewww cassinotese é o objetivo dessa guerra, continua normalmente, e as quadrilhas que controlam o tráfico ficaram mais fortes, dominando territórios. Como o sr. enxerga essa questão?
www cassino Rodrigues - O setor acadêmico fala bastante da guerra às drogas. Uma pesquisa do Centrowww cassinoEstudoswww cassinoSegurança e Cidadania (Cesec), da qual fui consultor, mostrou os custos altíssimos dessa proibição. São R$ 5 bilhões por ano no Rio ewww cassinoSão Paulo.
Essa guerra é providencial para alimentar o mercado da corrupção e da milícia, cujo objetivowww cassinotese é combater o tráfico.
Por outro lado, há uma ação tradicional sobre como combater o tráfico que já dura anos e não muda. As elites da polícia e da sociedade acreditam que o problema da violência é esse, e essa visão dificilmente vai mudar a curto prazo, embora a discussão esteja aumentando.
Nós, como sociedade, queremos identificar onde está o perigo, apontar onde está o risco. Com isso, há uma reduçãowww cassinotoda a complexidade do problema da violência a uma questão localizada que é o tráficowww cassinodrogas. Porém, por trás disso, há estruturas que emergem à superfície: conflitoswww cassinoclasse, criminalização da pobreza, racismo estrutural.
Já o policial que está na linhawww cassinofrente, principalmente da PM, foi conduzido a acreditar que o inimigo é aquele que está ali na rua: o jovem armado vendendo a droga, muitas vezes um sujeito muito parecidowww cassinoorigem e idade com o próprio policial. Mas esse jovem é só a ponta do problema.
www cassino BBC News Brasil - Por que esse enfrentamento ao tráfico não tem dado certo?
www cassino Rodrigues - Temos políticas públicas muito frágeis e simplórias, com objetivos políticoswww cassinoquatro anos, e não metaswww cassinoEstado. Ninguém quer mexer com as estruturas.
Temos a tendênciawww cassinoreduzir o problema do crime organizado ao tráficowww cassinodrogas.
O tráfico é uma rede internacional e complexa, conectado com mercados globais. Há países na América Latina que já estão bem mais avançados nessa questão, com políticas específicas para o varejo e outras para o chamado grande tráfico.
Outro erro é reduzir todos os problemaswww cassinosegurança pública à ação da polícia. Segurança é um conceito muito maior, envolve educação, cultura, família, oportunidades. A polícia deve ser o último braço dessa política, e não o primeiro.
Por outro lado, há muitos interesses políticoswww cassinomanter a população mal informada, com medo, cercada por tanques nas ruas.
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