Mergulhado no 'discurso da estupidez', Brasil está se acostumando à multiplicação das mortes, diz psicanalista:a casa de apostas

Crédito, REUTERS/Adriano Machado

Legenda da foto, Homenagema casa de apostasBrasíliaa casa de apostasfrente a projeção sobre as maisa casa de apostas100 mil pessoas que perderam a vida para a covid-19 no país; marca foi ultrapassadaa casa de apostasagostoa casa de apostas2020

O autor identifica a vigência, hoje,a casa de apostasrelações entre pessoas e com o mundo baseadasa casa de apostasuma substituição da verdade pela crença.

Segundo ele, a estupidez é local e, ao mesmo tempo, internacional.

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, 'Quem quer resolver um problema com seriedade não pode achar que botar um muro vai zerar os conflitosa casa de apostasum país', diz o psicanalista Mauro Mendes Dias

Esse discurso, que é sem rosto e sem palavras, fica visível por meio das vociferações, conceito psicanalítico criado para designar os gritos marcados pelo ódio e que visam a impedir qualquer possibilidadea casa de apostasdiálogo. Alguns minutosa casa de apostasinteração nas redes sociais oferecem farta amostragema casa de apostasuma comunicação cada vez mais vociferante.

Em entrevista à BBC News Brasil, Mendes Dias, que é diretor do Instituto Voxa casa de apostasPesquisaa casa de apostasPsicanálise, explica que a maior ênfase do discurso da estupidez "reduz a complexidade, a inteligência e a reflexão".

Mendes Dias observou isso com a entrada do ex-premiê Silvio Berlusconi na política italiana, ainda nos anos 1990, inserindo naquela cena o mundo do marketing e da mídia. "Quando a política se torna um espetáculo, trata-sea casa de apostastransformar a complexidade da realidade,a casa de apostasagradar o público e a opinião pública, e não do compromisso político. Então, o discurso da estupidez propiciou o adventoa casa de apostaslíderes estúpidos", diz o psicanalista.

"Mas isso não é feito iludindo as pessoasa casa de apostasforma grosseira. Tem que ser construída uma outra realidade", prossegue. Nessa outra realidade, que deixa tudo definido e decidido para que os sujeitos simplesmente sigam, sem precisar fazer escolhas, as fake news e os absurdos são fundamentais para a "transformação da políticaa casa de apostasum espetáculo grosseiro".

"O que háa casa de apostascativante no discursoa casa de apostasestupidez é que ele soube bem mobilizar essa espéciea casa de apostaspaixão que habita a coletividade, que é poder ficar cega e surda pra tudo aquilo que importa", argumenta Dias.

"Nesse sentido, não é por acaso que os líderes estúpidos, principalmente aqueles que ascenderam na Europa, elegeram o imigrante como o grande problema. Ou nos EUA,a casa de apostasque se pensou que um muro na fronteira com o México ou acusar a Chinaa casa de apostasquerer roubar a economia mundial iria resolver todas as questões do país. Quem quer resolver um problema com seriedade não pode achar que botar um muro vai zerar os conflitosa casa de apostasum país."

Segundo o autor, esses são exemplosa casa de apostaso quanto se abre mão do pensamento crítico. "O estúpido quer prometer absurdos e cultivar uma espéciea casa de apostasadoração da morte; trata-se, o tempo todo,a casa de apostasdestruir. Seja uma ilusãoa casa de apostasmudança, seja tudo aquilo que representa o patrimônio da humanidade, no sentido ecológico ou cultural."

A principal tese do livro é aa casa de apostasque no discurso da estupidez,a casa de apostasseu propósitoa casa de apostasinstalaçãoa casa de apostasuma nova realidade, a crença é colocada no lugar da verdade. Mas ele faz uma ressalva: "Não é uma questãoa casa de apostasreligião, é uma questãoa casa de apostasseitas."

Crédito, Divulgação

Legenda da foto, Psicanalista é autor do livro 'O discurso da estupidez'

Na prática, a crençaa casa de apostasum absurdo tem caráter cativante porque retira a necessidadea casa de apostasse lidar com a complexidade que é viver. "Se a gente se orientar pelos princípios das seitas, pra que vivera casa de apostasmaneira virtuosa, estudando, ou lendo, se daqui a pouco tudo vai acabar?"

A aderência às ideias absurdas não decorrea casa de apostasignorância, baixa escolaridade ou condição socioeconômica, explica Dias. A ligação à crença passa por questões mais complexas, como a sexualidade.

"Não por acaso a vigência dos líderes estúpidos cobra sempre o preço da eliminação das diferenças. Uma vez que os líderes estúpidos surgem na cena política, eles apregoam uma moral heteronormativa combativa da diversidade sexual e encontram um apoio significativo nas diferente 'igrejas' que proliferam nesse país e que fazem questãoa casa de apostascolaborar com a estupidez ao identificar essa diversidade sexual com o demônio."

Estupidez e teorias da conspiração

Tanto o Brasil quanto outros países são palcoa casa de apostasoutra modalidadea casa de apostasenlaçamento pela crença: as teorias da conspiração, que, segundo o psicanalista, constituem comunidadesa casa de apostasque pessoas compartilham um certo modo do vida.

É o caso do movimento QAnon, nascido nos EUA e hoje com adeptos inclusive no Brasil. Segundo esta teoria, o ex-presidente dos EUA Donald Trump é heróia casa de apostasuma espéciea casa de apostasacertoa casa de apostascontas final contra poderosos supostamente pedófilos e satanistas que ocupam o governo, a imprensa e o mundo corporativo.

No início do ano, membros do grupo participaram da invasão ao Congresso americano.

Crédito, EPA

Legenda da foto, Manifestantes comemoram invasão do Congresso dos EUAa casa de apostasjaneiro

O psicanalista brasileiro destaca que,a casa de apostasteorias como essa, o absurdo confere aos sujeitos a possibilidadea casa de apostasatos insensatos.

"O sujeito se mantém cego e surdo, mas é mais perigoso - acabamosa casa de apostaster a demonstração disso na invasão do Capitólio,a casa de apostasque pessoas morreram."

"Esse tipoa casa de apostasagrupamento humano consente à experimentação do gozo transgressivo, ou seja, você poder transformara casa de apostasvontadea casa de apostaslei: 'Minha vontade é que isso [a existênciaa casa de apostasuma redea casa de apostaspedofilia chefiada por líderes políticos] seja verdade, o que vai me autorizar a dar uns tirosa casa de apostasquem eu quiser'."

Eles acreditam nisso?

Se para alguns persiste a convicçãoa casa de apostasque a Terra é plana, o coronavírus não existe ou Trump vai acabar com uma elite praticantea casa de apostaspedofilia, fica a pergunta: as pessoas realmente acreditam nisso que defendem ou são pessoas conscientesa casa de apostasque estão propondo outras realidades?

O diretor do Instituto Vox esclarece que há, por um lado, a adesãoa casa de apostassujeitos psicóticos ao discurso da estupidez, uma vez que eles "encontram um determinado tipoa casa de apostasconforto ea casa de apostaspacificação" porque aquela comunidade, aquele grupoa casa de apostasmembros, não implica questões complexas que trariam dificuldades muito grandes para estes sujeitos.

No entanto, Dias adverte que qualquer uma casa de apostasnós pode aderir ao discurso da estupidez, por meioa casa de apostasmotivações diferentes. Em seu livro, ele explica que a estupidez é uma condição humana que pode estar presente "em cada um dos espectros políticos e dos cidadãos".

Ele explica que alguns aderem a esse discurso porque encontram, neste momento histórico, a possibilidadea casa de apostasconquistara casa de apostasforma mais rápida seus diferentes objetivos, incitando a reduçãoa casa de apostastodas as complexidades possíveis e promovendo a destruição e a morte.

Para outros, a adesão derivaa casa de apostasuma espéciea casa de apostasnecessidadea casa de apostasse acreditara casa de apostasabsurdos como formaa casa de apostasencontrar satisfação ou manter alguma esperança. E esta disposição ao absurdo tem relação com questõesa casa de apostasdesamparo e perspectivasa casa de apostasvida.

"Eu diria que praticamente a grande maioria das pessoas,a casa de apostasse tratandoa casa de apostasBrasil, precisa acreditar nessas coisas. Não são loucas - essas pessoas vêm desacreditando. Mas é difícil ter que desacreditar porque elas só acreditaram por estarem no abandono total."

Este abandono se refere a uma decepção com as promessas não realizadas do sistema democrático. O bem-estar social e econômico prometido não veio, e isso alimentou as consequências que vivemos agora.

"O que a gente está criticando agora não caiua casa de apostasrepentea casa de apostascima do meu colo nem do seu. Um terreno adubou isso."

"Nosso presidente da República estava há praticamente 30 anos dentro do Poder Legislativo, então isso não vema casa de apostasagora. O difícil, eu penso, é tera casa de apostasreconhecer que isso já está estava aí. Só que havia uma percepção limitada, uma banalização do nível da tolerância das pessoas. Supôs-se que os diferentes dramas humanos e as diferentes misérias iriam esperar pelas promessas democráticas, enquanto as pessoas viam o roubo e a dilapidação do patrimônio do país. Supunha-se que as pessoas iam continuar aceitando isso e que ninguém ia reagir."

Crédito, Reuters

Legenda da foto, 'Nosso presidente da República estava há praticamente 30 anos dentro do Poder Legislativo, então isso não vema casa de apostasagora', diz Mauro Mendes sobre Bolsonaro

O resultado desse processoa casa de apostasanos, na avaliaçãoa casa de apostasDias, foi uma perigosa recusa da política, com desdobramentos no enfrentamento da pandemia.

"São seres verdadeiramente hediondos que estão aí na realidade social brasileira. Digo isso porque se tem uma coisa que qualifica o sentidoa casa de apostashediondo é você consentir que as figuras públicas não tenham nenhuma competência pra poder administrar responsabilidades da nação e, ainda assim, se mantenham lá."

"Isso significa que estamos indo galopantementea casa de apostasdireção à destruição, e o tipoa casa de apostastratamento que está sendo dado nesse país para a potência do vírus só reafirma o que estou dizendo. Estamos nos acostumando à proliferação e a multiplicação da morte à nossa volta."

O luto na pandemia

Na medidaa casa de apostasque o vírus continua a circular e a fazer vítimas, o processoa casa de apostasperdaa casa de apostasentes queridos fica cumulativamente mais doloroso, já que velórios e enterros precisam ser limitados por conta da contaminação.

"O luto e a dor sempre andaram juntos, mas neste momentoa casa de apostasque a dor não pode ser reduzida a partir dos rituais, ela ganha uma dominância dentro do processoa casa de apostasluto, sendo mais difícila casa de apostasser vivida e elaborada. Isso leva ao surgimentoa casa de apostasquadros como estados depressivos, dificuldadesa casa de apostasdormir, crisesa casa de apostasansiedade com maior frequência e irritabilidade."

"Penso que só depois que passar a quarentena e as pessoas voltarem aos convívios entre seus próximos que a gente vai conseguir ter uma ideia mais viva desses diferentes problemas que foram gerados."

Legenda da foto, Parentesa casa de apostasvitimasa casa de apostascovid-19a casa de apostascemitérioa casa de apostasManaus

Não são apenas os desafios psíquicos trazidos pelo vírus que preocupam o psicanalista, que ema casa de apostasexperiência supervisionou hospitais psiquiátricos, Caps (Centrosa casa de apostasAtenção Psicossocial) e outros dispositivos.

Há ainda as planejadas investidas do governo contra os modelosa casa de apostastratamento que consideram a subjetividade dos sujeitos e apostama casa de apostassuas relações com o mundo, alinhados à Reforma Psiquiátrica e à Luta Antimanicomial.

Para Dias, que há quase duas décadas avalia as práticas terapêuticasa casa de apostaspacientes nos Hospitais São Joãoa casa de apostasDeus e Nossa Senhoraa casa de apostasFátima,a casa de apostasSão Paulo, os fundamentos da Reforma Psiquiátrica agora sucumbem para privilegiar pequenos negócios relativos a internação psiquiátrica, por meioa casa de apostasclínicas utilizadas com essa finalidade.

"Trata-se do retornoa casa de apostasuma mentalidade redutora e punitiva, no sentidoa casa de apostasvisar a uma adaptação forçada às expectativas do meio social. Basta um poucoa casa de apostasexperiência nesse campo para constatar a lucratividadea casa de apostastais iniciativas, que contam com hiperinvestimentos nas medicações."

"Sabe-se, também, que o tempoa casa de apostasinternação é cada vez mais reduzido, tendoa casa de apostasvista a faltaa casa de apostasvagas na rede pública, aliada ao baixo valor das diárias pagas pelo SUS para manter o paciente internado. Tudo se passa como se o binômio internação/medicação fosse suficiente para abordar a complexidade das patologias mentais."

Tratamentos para o discurso da estupidez

Diagnósticosa casa de apostasuma época são recorrentes na Psicanálise, como demonstraram Freud e Lacan ao teorizar sobre as relações entre as pessoas, a cultura e o poder.

Dias identifica o discurso da estupidez e propõe tratamentos possíveis. Mas não se trataa casa de apostasuma solução, como ele explica: "(É preciso) reconhecer a culpa como um elemento que reúne as pessoas pra pensar seriamente seus erros, suas ilusões. É a necessidadea casa de apostasretomar projetos políticos que não fiquem tão confiantesa casa de apostasque as pessoas vão ficar esperando indefinidamente por soluções e que não vão reagira casa de apostasnenhum momento."

Dias aponta que também é necessário reconhecer a complexidade dos afetos humanos e reconsiderar o papel decisivo do ódio tanto na subjetividade individual quanto na coletiva.

"Essa é uma crítica necessáriaa casa de apostasser feitaa casa de apostasrelação às ideologias, praticamente asa casa de apostasesquerda, que sempre acreditaram no poder da união ea casa de apostasque as pessoas iam querer o bem e o melhor praa casa de apostascoletividade."

Ele frisa que o discurso da estupidez ensina como é possível mobilizar a paixão que as pessoas têm pela fragmentação e pela luta por interesses próprios.

Ele defende também ações práticas, como o reconhecimentoa casa de apostaspessoas que exercem a solidariedadea casa de apostascomunidades.

"Esses heróis do cotidiano merecem ser reinvestidos por cada uma casa de apostasnós interessadoa casa de apostasque essa realidade se modifique."

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