Com a aprovação, como (e quando) a vacina da Pfizer pode chegar aos brasileiros?:

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, A vacina da Pfizer utiliza a tecnologiamRNA e atingiu uma taxaeficácia95% nos testes clínicos

Em outras palavras, isso significa que as doses poderão ser adquiridas não apenas pelo Ministério da Saúde, mas também pela iniciativa privada.

Isso, porvez, traz uma sérieimplicações para o enfrentamento da pandemia no Brasil.

Alterações recentes

Até o segundo semestre2020, a única possibilidade para medicamentos, insumos, vacinas e equipamentos médicos serem comercializados no Brasil era com um registro definitivo aprovado pela Anvisa.

A lei número 6.360, que estabelece os detalhes desse processo, entrouvigor a partir do dia 23setembro1976.

À época, o órgão responsável por avaliar cada pedidoliberação era o Ministério da Saúde. A partir1999, essa responsabilidade passou a ser da recém-criada agência sanitária brasileira, a Anvisa.

Crédito, Marcelo Camargo/Agência Brasil

Legenda da foto, Até o segundo semestre2020, não havia a possibilidadeaprovação emergencial pela Anvisa

Porém, a pandemiacovid-19 exigiu algumas mudanças na regulamentação para acelerar a aprovação das vacinas.

Isso porque todo o trabalhoentrega dos dados, análise da documentação e uma resposta definitiva dos técnicos da Anvisa costuma levar alguns meses para ser finalizado.

E, com centenasmilharesmortes provocadas pelo coronavírus, não é viável esperar tanto tempo assim para iniciar um programa nacionalimunização.

"No final2020, foram criados dois novos dispositivos. O primeiro deles é o fluxo contínuo,que os responsáveis por uma vacina podem enviar a documentação aos poucos, conforme esses papéis fiquem prontos", diz o médico e advogado sanitarista Daniel A. Dourado, do CentroPesquisaDireito Sanitário da UniversidadeSão Paulo.

Até então, as farmacêuticas tinham que compilar a papelada toda e enviar o dossiê completouma só vez, que a partir daí começava a ser analisado pela Anvisa.

Falamos aquimilhares e milharespáginas, que levam muito tempo para serem lidas e estudadas.

Com a alteração recente, as informações são remetidaslevas, e os técnicos da vigilância sanitária já podem começar seu trabalho aos poucos.

"O segundo ponto modificado foi a autorização emergencial das vacinas, que segue os moldes do que é feitooutros países", completa Dourado, que também é pesquisador do Institut Droit et Santé da UniversidadeParis, na França.

Como o próprio nome já diz, essa aprovação dos imunizantes é mais rápida e se baseia numa análise parcial dos dados.

Ela segue critérios bem estabelecidos (como uma taxaeficácia mínima50%) e permite acelerar processos sem pular etapas importantes da pesquisa clínicaum novo produto.

"É importante mencionar que a autorização emergencial só permite que as vacinas sejam aplicadas na rede pública", completa o especialista.

Foi justamente esse o rito pelo qual passaram CoronaVac e CoviShield, cujas doses já são aplicadas nos postossaúde do país nos públicos-alvo das primeiras fases da campanha.

O que fez a Pfizer?

Como a vacina Cominarty já possui dados muito robustos e é aplicadadezenaspaíses mundo afora, as farmacêuticas Pfizer e BioNTech optaram por pedir o registro definitivo do produto no país.

A requisição foi feita no dia 6fevereiro2021 e aceita nesta terça-feira (23/02) — a rapidez na resposta se deve, inclusive, àquela facilidadeenvio contínuo da documentação criada no final2020.

A principal diferença entre a aprovação definitiva e a liberação emergencial estáquem poderá adquirir as doses.

Com o sinal verde da Anvisa, a Cominarty poderá ser comprada não só pelo governo federal, mas também autoridades estaduais, municipais ou entes privados. E isso,acordo com os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, pode abrir brechas para a criação"grupos paralelos"vacinação contra a covid-19 e aumentar a desigualdade social no enfrentamento da pandemia.

"Eu entendo que todo mundo quer se proteger contra o coronavírus, mas nós temos regras do Plano NacionalImunização que precisam ser seguidas. Os grupos prioritários para a vacinação obedecem critérios, como maior riscoagravamento ou óbito por covid-19", aponta Fontes-Dutra.

Portanto, se pessoas com condiçãopagar pela vacina "furarem a fila", o problemasaúde pública não se altera: indivíduos mais vulneráveis continuam pegando a doença e necessitandointernaçãoUTI.

"O argumento'quanto mais imunizados, melhor' pode ser enganoso. Se eu vacinar só jovens, o impacto que tenho na rede hospitalar, que estáseu limite, é baixo. A ordem da população que recebe as doses importa", complementa Dourado.

De quem é a responsabilidade?

No momento, são discutidos vários dispositivos legais e projetosleis para evitar a formação das "listas VIP"vacinação no Brasil.

Após uma sériereuniões com executivos da Pfizer e da Janssen e com o ministro da Saúde, o general Eduardo Pazuello, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), anunciou ontem (22/02) um projetolei que facilitaria a compradoses por Estados e municípios e até pela iniciativa privada.

A ideia é que essas entidades assumam alguns riscos contratuais que têm encontrado resistência por parte do governo federal.

Crédito, Marcos Brandão/Senado Federal

Legenda da foto, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), presidente do Senado, propõe projetolei que divida responsabilidades sobre eventuais efeitos colaterais das vacinas

Desde o final do ano passado, Pazuello e o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) fizeram críticas às condições estabelecidas pela Pfizer nas negociaçõescompra.

Isso porque o contrato indica uma isençãoresponsabilidade da farmacêutica e prevê que o governo assuma o ônus caso o imunizante provoque algum efeito colateral inesperado. A empresa, porvez, afirma que as mesmas cláusulas foram aceitas por governos do mundo inteiro na compra dos imunizantes.

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Em dezembro, Bolsonaro levantou uma sériedúvidas infundadas sobre a segurança do imunizante e as negociações para compradoses. "Lá no contrato da Pfizer, está bem claro: 'nós [a Pfizer] não nos responsabilizamos por qualquer efeito colateral'. Se você virar um jacaré, é problema seu", discursou o presidente.

Como resolver essa briga?

De acordo com informações divulgadas pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que participou das reuniões com as farmacêuticasBrasília na última segunda-feira e vai ser o relator do projetolei mencionado por Pacheco, só três países não concordaram com o contrato proposto por Pfizer e BioNTech: Brasil, Argentina e Venezuela.

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Para Dourado, o temor do Governo Federal com a tal cláusula polêmica não faz sentidomeio a uma pandemia que está matando maismil pessoas no país todos os dias.

"O riscoficarmos mais tempo sem vacinas é muito maior. Mesmo que apareça um efeito colateral e o Estado Brasileiro tenha que pagar alguma indenização futuramente, o valor seria bem menor do que o preço que pagamos atualmente com os números exorbitantescasos e mortes", interpreta.

O deputado federal Alexandre Padilha (PT-SP), que foi ministro da Saúde durante 2011 e 2014 no governoDilma Rousseff, fez críticas à liberação da compradoses por Estados, municípios e iniciativa privada.

De acordo com o parlamentar, a ideia criaria o "camarote da vacina".

Padilha afirma que apresentou uma propostaemendaque todos os imunizantes comprados por empresas sejam doados para o Sistema ÚnicoSaúde (SUS) e que as clínicas privadas só poderão oferecer doses quando as metas da rede pública forem cumpridas.

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A compradoses também foi discutida no Supremo Tribunal Federal (STF) nesta terça-feira (23/2).

Os ministros decidiram que Estados e municípios poderão negociar e comprar vacinas caso o governo federal não cumpra o que está estipulado no Plano NacionalImunizações ou as doses previstas não sejam suficientes para resguardar a população do local.

O que háconcreto

Em meio a tanta especulação e impasse, não se sabe ainda qual será a postura adotada pela Pfizer a partiragora — afinal, com o registro definitivo, ela tem o poderdecidir se negociará ou não com outros níveis da administração pública ou com a iniciativa privada a partiragora.

De acordo com as informações divulgadas até o momento, a farmacêutica diz que insistirá nas negociações com o governo federal.

Uma reportagem da CNN Brasil publicada na última segunda-feira (22/1) afirma que o laboratório ofereceu para o Ministério da Saúde um total100 milhõesdoses da Cominarty, que seriam entregues até o fim2021.

Um lote9 milhões seria disponibilizado ainda no primeiro semestre. Outras 35 milhões chegariam ao Brasil até setembro e as 65 milhões restantes estariam no paísdezembro.

A Pfizer, no entanto, não confirma essa informação.

A BBC News Brasil procurou o Ministério da Saúde, mas não obteve resposta até o fechamento desta reportagem.

Uma novela que dura meses

O imbróglio envolvendo Pfizer/BioNTech e o Ministério da Saúde se arrasta há meses e começou durante o segundo semestre2020.

De acordo com uma sérienotas e documentos, executivos da farmacêutica tentaram por diversas vezes entrarcontato com o governo federal para vender lotessua vacina, que naquele momento estava na fase finaltestes antesser aprovada.

A empresa tinha capacidadefornecer cerca70 milhõesdoses ao Brasil, mas não recebeu nenhuma resposta a tempogarantir os primeiros lotes ao país.

Entre dezembro2020 e janeiro2021, a discussão voltou a esquentar após Pazuello fazer uma sériedeclarações dizendo que as ofertas do laboratório eram "pífias" e poderiam até frustrar os brasileiros.

Crédito, Alan Santos/PR

Legenda da foto, O ministro da saúde, general Eduardo Pazuello, classificou as ofertas da Pfizer como "pífias"

O tema ganhou novo fôlego quando o presidente Jair Bolsonaro fez declarações questionando a segurança do imunizante e criticando as cláusulas contratuais, como explicado anteriormente.

O que diz a ciência

Na contramão do discurso do presidente, as últimas evidências só reforçam a eficácia e a segurança da Cominarty.

Aplicada desde dezembrodezenaspaíses, até o momento a vacina não provocou nenhum evento adverso grave, que justificasse a interrupção das campanhas.

Em Israel, país que já protegeu 87%sua população, o númerointernações por covid-19 caiu drasticamente nas últimas semanas.

Outra notícia positiva divulgada recentemente foi aque as doses não precisam ser armazenadas a -70 °C como se imaginava.

O imunizante fica estável numa temperatura-25 a -15 °C por até duas semanas, o que facilita bastante adistribuição.

Crédito, EPA

Legenda da foto, Israel quer ser o primeiro país a sair da pandemiacovid

Por fim, dados publicados na última sexta-feira (19/02) no periódico científico The Lancet revelam que a vacinaPfizer e BioNTech tem uma eficácia85%duas a quatro semanas após a aplicação da primeira dose.

Já com a segunda dose, esquema adotado mundialmente, a taxaeficácia pula para 95%.

"Diante da atual situação alarmante da pandemia no Brasil e da ameaça das novas variantes, nós precisamos ser rápidos e vacinar o mais depressa o maior númeropessoas possível", adverte Fontes-Dutra.

Repercussões da liberação

Durante o anúncio da aprovação definitiva da Cominarty, o diretor-presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres comemorou "o primeiro registrovacina contra a covid-19, para uso amplo, nas Américas".

"O imunizante do Laboratório Pfizer/BioNTech tevesegurança, qualidade e eficácia aferidas e atestadas pela equipe técnicaservidores da Anvisa, que prossegue no seu trabalhoproteger a saúde do cidadão brasileiro. Esperamos que outras vacinas estejambreve sendo avaliadas e aprovadas. Esse é o nosso compromisso", disse Torres.

A Pfizer também soltou um comunicado à imprensa. Marta Díez, presidente da farmacêutica no Brasil, comemorou a rapidez da decisão. "Ficamos muito felizes com a notícia da aprovação e gostaríamosparabenizar a agência pela celeridade e profissionalismo que demonstroutodas as etapas desse processo".

A executiva ressaltou que as tratativas com o Ministério da Saúde continuam: "Esperamos poder avançarnossas negociações com o governo brasileiro para apoiar a imunização da população do país", complementou.

Por meionota, a Associação BrasileiraClínicasVacina (ABCVAC) ressaltou que todo novo imunizante registrado no Brasil aumenta as possibilidadesproteção da população brasileira e que a prioridade para aquisiçãodosesvacinas contra a covid-19 deve ser do governo federal.

"As clínicas associadas à ABCVAC aguardam a disponibilidadedoses para aquisição pelo setor privadovacinação humana, para poderem atuar, como sempre fizeram,forma complementar ao Programa NacionalImunização", finaliza o texto.

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