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A história da ‘Casa da Morte’ contada por única sobrevivente:f12 bet como apostar
Em julhof12 bet como apostar2020, o Ministério Público Federal (MPF) denunciou três militares pelo sequestro e tortura do ex-militante Paulof12 bet como apostarTarso, da Ação Libertadora Nacional (ALN): os sargentos Rubens Gomes Carneiro, o "Boamorte", e Ubirajara Ribeirof12 bet como apostarSouza, o "Zezão", e o soldado Antônio Waneir Pinheiro Lima, o "Camarão". Além da condenação dos denunciados, o MPF pede a perdaf12 bet como apostarcargo público, o cancelamento da aposentadoria e uma indenizaçãof12 bet como apostarR$ 111,3 mil à família.
"Estou na expectativaf12 bet como apostarque, à semelhança do que ocorreuf12 bet como apostaroutros países do mundo, inclusive na América Latina, o Judiciário brasileiro reveja a posição que vem prevalecendof12 bet como apostarsuas decisões e julgue criminalmente os responsáveis pelas graves violaçõesf12 bet como apostardireitos humanos perpetradas pela ditadura militar", afirma o advogado Pedro Dallari, ex-coordenador da Comissão Nacional da Verdade (CNV).
"São crimes terríveis, praticados por funcionários públicos no exercíciof12 bet como apostarsua função. Não podem, portanto, ser qualificados como crimes políticos ou conexos, estes, sim, suscetíveisf12 bet como apostarproteção pela Lei da Anistia".
Violência sexual
Alémf12 bet como apostarparticipação nos crimesf12 bet como apostartortura, execução e ocultaçãof12 bet como apostarcadáverf12 bet como apostarPaulof12 bet como apostarTarso, entre outros presos políticos, Antônio Waneir Pinheiro Lima, o "Camarão", é apontado por Inês como o homem que a estuprou duas vezes durante os quase três mesesf12 bet como apostarque esteve presa na "Casa da Morte". Aos 77 anos, o ex-paraquedista, que ganhou o apelido pelo tom avermelhado da pele, é o único militar que responde por violência sexual na ditadura militar.
"Inês sobreviveu aos horrores daquela casa e, apesarf12 bet como apostarter sido vítimaf12 bet como apostartodo tipof12 bet como apostartortura e humilhação, nunca entregou ninguém", afirma a historiadora Isabel Cristina Leite. "Na saída, foi atrásf12 bet como apostarseus algozes, obteve êxito ao denunciá-los e virou símbolo da luta contra os anosf12 bet como apostarchumbo. Conseguiu tanta visibilidade que a ditadura se sentiu perdendo o controle da situação. Os militares chegaram a pensarf12 bet como apostarrevogar a Lei da Anistia por causaf12 bet como apostarInês e do movimento que ela liderou".
Espião nazista
A denúncia do MPF é apenas mais um capítulof12 bet como apostaruma história macabra: a da "Casa da Morte".
Muito antesf12 bet como apostarser usado como aparelho clandestinof12 bet como apostartortura pelo regime militar, o antigo número 668 da Arthur Barbosa, no bairrof12 bet como apostarCaxambu, pertenceu ao alemão Ricardo Lodders, preso pelo menos duas vezes por suspeitaf12 bet como apostarespionagem durante a Segunda Guerra. No local, existe outra casa, tambémf12 bet como apostarpropriedadef12 bet como apostarLodders.
No início da décadaf12 bet como apostar1970, o filhof12 bet como apostarRicardo, Mário Lodders, cedeu o sobrado para o general José Luiz Coelho Neto (1921-1986), subcomandante do CIE, mas continuou morando, com a irmã Magdalena Júlia Lodders, na casa que faz parte do terreno. Por diversas vezes, Mário Lodders visitou a "Casa da Morte". Numa dessas ocasiões, chegou a oferecer uma barraf12 bet como apostarchocolate para Inês Etienne Romeu.
"O sobrado da Arthur Barbosa foi escolhido por ser um lugar isolado. Os agentes podiam circular livremente, sem chamar a atençãof12 bet como apostarninguém", explica Eduardo Schnoor, doutorf12 bet como apostarHistória Social pela Universidadef12 bet como apostarSão Paulo (USP) e pesquisador da Comissão Nacional da Verdade (CNV).
"Houve muitas casas como af12 bet como apostarPetrópolis na época da ditadura. Herdada do exército francês, essa metodologia visava desestruturar o prisioneiro. Eles nunca sabiam onde estavam. Eram trocadosf12 bet como apostarlugar o tempo inteiro para evitar o reconhecimento do seu paradeiro".
Biriba no cativeiro
Mineiraf12 bet como apostarPouso Alegre, a 373 kmf12 bet como apostarBelo Horizonte (MG), Inês Etienne Romeu participouf12 bet como apostargrêmio estudantil, cursou História e trabalhouf12 bet como apostarbanco. Em 1963, chegou a abrir um bar na capital mineira. Em homenagem ao guerrilheiro argentino Ernesto Che Guevara (1928-1967), resolveu batizá-lof12 bet como apostar"Bucheco".
Como integrante da VPR, participou do sequestro do embaixador suíço Giovanni Bucher, no dia 7f12 bet como apostardezembrof12 bet como apostar1970. Em troca, o guerrilheiro Carlos Lamarca, ex-capitão do Exército e líder da operação, exigia a libertaçãof12 bet como apostar70 presos políticos.
Durante a operação, o agente federal Hélio Carvalho Araújo, responsável pela escolta do embaixador, levou dois tiros e morreu no local. O sequestro, o mais longo realizado por um grupof12 bet como apostarguerrilheiros na ditadura militar, durou 40 dias. No cativeiro, Bucher assistia à TV e jogava biriba com Lamarca. "O sequestro durou mais que o necessário", avalia a historiadora Isabel Cristina Leite. "Foi um dos últimos suspiros da guerrilha urbana no país". Em 16f12 bet como apostarjaneirof12 bet como apostar1971, o embaixador suíço foi libertado.
Com o fim do sequestro, Inês decidiu abandonar a luta armada e exilar-se no Chile. Mas era tarde demais. Em 5f12 bet como apostarmaiof12 bet como apostar1971, ela foi capturada por agentes do delegado Sérgio Paranhos Fleury (1933-1979)f12 bet como apostarSão Paulo, sob acusaçãof12 bet como apostarintegrar o comando do VPR. Depoisf12 bet como apostarser levada para o Departamento Estadualf12 bet como apostarOrdem Política e Social (DEOPS), onde sofreu as primeiras sessõesf12 bet como apostartortura, foi transferida para a "Casa da Morte",f12 bet como apostarPetrópolis. Tinha 29 anos.
Descida aos infernos
Ao chegar ao Rio, Inês ainda tentou atirar-se debaixof12 bet como apostarum ônibus. Escapou com vida. No cativeiro, foi submetida a uma rotinaf12 bet como apostarviolência e humilhação. "Era obrigada a limpar a cozinha nua, ouvindo gracejos e obscenidades", contouf12 bet como apostardepoimento à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB),f12 bet como apostar1979.
A qualquer hora do dia ou da noite, estava sujeita a sofrer tortura física ou psicológica, como choques elétricos ou injeçõesf12 bet como apostarpentatol sódico, o "soro da verdade". "Um dos mais brutais torturadores arrastou-me pelo chão, segurando pelos cabelos. Depois, tentou estrangular-me e só me largou quando perdi os sentidos. Esbofetearam-me e me deram pancadas na cabeça".
No inverno, quando a temperatura na serra podia chegar a menosf12 bet como apostar10ºC, Inês era obrigada pelos carcereiros a tomar banhos geladosf12 bet como apostarmadrugada ou a se deitar nua no cimento molhado. Em três ocasiões ela tentou o suicídio. Numa delas, engoliu vidro moído. Noutra, cortou os pulsos. "Eu estava arrasada, doente, reduzida a um verme e obedecia como um autômato", contou à OAB.
'Queimaf12 bet como apostararquivo'
O objetivo dos interrogatórios, admitiu o coronel reformado Paulo Malhães (1938-2014), o "Doutor Pablo", era "virar o preso". Ou seja: pressioná-lo a mudarf12 bet como apostarlado e,f12 bet como apostarseguida, delatar os companheirosf12 bet como apostarluta. Inês só escapou viva porque enganou o coronel Cyro Guedes Etchegoyen (1929-2012), o "Doutor Bruno". Ela conseguiu convencer o militarf12 bet como apostarmais alta patente dentro da casaf12 bet como apostarque tinha virado uma "RX" — ou "infiltrada", no jargão militar. Mas era um blefe.
Em 25f12 bet como apostarabrilf12 bet como apostar2014, um mês depoisf12 bet como apostarprestar depoimento à CNV, Paulo Malhães foi encontrado morto, com sinaisf12 bet como apostarasfixia,f12 bet como apostarseu sítiof12 bet como apostarNova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Em depoimento, assumiu ter participadof12 bet como apostartorturas, mortes e desaparecimentosf12 bet como apostarpresos políticos. Para evitar a identificaçãof12 bet como apostarsuas vítimas, arrancava os dedos e as arcadas dentárias delas. Em seguida, esquartejava seus corpos e os incineravaf12 bet como apostaruma usinaf12 bet como apostaraçúcar,f12 bet como apostarCampos dos Goytacazes (RJ).
"O depoimentof12 bet como apostarPaulo Malhães foif12 bet como apostarextrema importância", avalia Dallari. "Tendo sido assassinadof12 bet como apostarabril do mesmo ano, aparentementef12 bet como apostarum casof12 bet como apostarlatrocínio, até hoje persiste a dúvida sobre a causaf12 bet como apostarsua morte, se não teria sido uma 'queimaf12 bet como apostararquivo'".
Bordado no xadrez
Pesando 32 quilos, Inês foi deixada na casaf12 bet como apostaruma irmã, Geralda,f12 bet como apostarBelo Horizonte. Debilitada, foi levada para um hospital. Lá, os advogados optaram por oficializarf12 bet como apostarprisão. Era uma formaf12 bet como apostarprotegê-laf12 bet como apostarseus algozes. Condenada à prisão perpétua — com base no artigo 28 da Leif12 bet como apostarSegurança Nacional (LSN) —, cumpriu penaf12 bet como apostaroito anos,f12 bet como apostar1971 a 1979, no presídio Talavera Bruce,f12 bet como apostarBangu, no Rio, por ter participado do sequestro do embaixador suíço.
No presídio, relembra uma ex-companheiraf12 bet como apostarcela, Inês gostavaf12 bet como apostarcontar histórias, bordar tapetes e ver novelas. "Na prisão, Inês suportou o isolamento do convívio com as demais presas, que a acusavamf12 bet como apostardelatora. Para elas, a delação era a única justificativa para Inês ter saído com vida da 'Casa da Morte'", explica a historiadora Isabel Cristina Leite.
No períodof12 bet como apostarque esteve presa, Inês foi sabatinada por jornalistas, como Lilian Newlands e Elias Fajardo da Fonseca, por sugestãof12 bet como apostarsua irmã, Lúcia. Numa dessas entrevistas, conheceu e fez amizade com Márciaf12 bet como apostarAlmeida, que trabalhava como repórter "freelancer". Contou, entre outras coisas, que conheceu o líder camponês Mariano Joaquim da Silva (1930-1971), da Vanguarda Armada Revolucionária-Palmares (VAR-Palmares), no cativeiro. "Eu achava que ia morrer e fiquei viva. Ele achava que ia ficar vivo e morreu", contou Inês à edição do jornal Pasquimf12 bet como apostaragostof12 bet como apostar1979.
"Ao voltar para casa, tive uma crisef12 bet como apostarchoro e fiquei três dias sem dormir", recorda Márcia, hoje diretora da ONG Inês Etienne Romeu, que luta para transformar a "Casa da Morte"f12 bet como apostarum memorial, o Centrof12 bet como apostarVerdade, Justiça e Memória. "Devemos a Inês tudo o que sabemos sobre a 'Casa da Morte'. Ela foi um exemplof12 bet como apostarcoragem, perseverança e determinação".
Memória privilegiada
A história da "Casa da Morte" não teria sido contada se não fosse Inês. Ela conseguiu memorizar tanto os nomesf12 bet como apostarnove presos políticos que foram supostamente executados lá — como Carlos Alberto Soaresf12 bet como apostarFreitas, o "Beto", que comandou Dilma Rousseff nos tempos da VAR-Palmares — quanto os codinomesf12 bet como apostar19 torturadores ef12 bet como apostaralgunsf12 bet como apostarseus colaboradores — entre eles, o médico Amílcar Lobo (1939-1997), o "Doutor Cordeiro".
Segundo denúncias, a funçãof12 bet como apostarLobo era examinar os presos políticos para avaliar se eles ainda tinham condiçõesf12 bet como apostarcontinuar a ser torturados. Ele teve seu registro médico cassado pelo Conselho Federalf12 bet como apostarMedicinaf12 bet como apostar1989.
Última presa política a ser libertada no Brasil — não pela anistia, mas simf12 bet como apostarliberdade condicional —, Inês resolveu denunciar a existência da "Casa da Morte"f12 bet como apostarPetrópolis. Mais que memorizar os nomesf12 bet como apostartorturados e torturadores, ela conseguiu descrever a planta da casa: um imóvelf12 bet como apostartrês quartos, sala, banheiro e garagem subterrânea.
Também recordava o númerof12 bet como apostartelefone do lugar: 4090. Com a ajuda do jornalista Antônio Henrique Lago, pesquisou catálogos da companhia telefônicaf12 bet como apostarPetrópolis. Demorou, mas achou. O número levou ao assinante e, dali, ao endereço da "Casa da Morte": Rua Arthur Barbosa, 668.
Acidente ou atentado?
O sofrimentof12 bet como apostarInês não terminou com a soltura da prisão,f12 bet como apostar1979. Em 11f12 bet como apostarsetembrof12 bet como apostar2003,f12 bet como apostardiarista a encontrou, caída e ensanguentada,f12 bet como apostarseu apartamento no bairro da Consolação,f12 bet como apostarSão Paulo. Na véspera, ela tinha pedido ao porteiro que deixasse subir um marceneiro para fazer um reparo emf12 bet como apostarcasa. O traumatismo craniano a deixou com sequelas na fala e nos movimentos. O caso nunca foi elucidado. Na delegacia, foi registrado como "acidente doméstico".
"Sempre me impressionei comf12 bet como apostarmemória", observa a jornalista Juliana Dal Piva, que entrevistou Inês diversas vezes, entre 2012 e 2015. "Lembrava detalhadamentef12 bet como apostarmuita coisa. Tanto que fez um relatório minucioso que estudo até hoje. É um documento muito durof12 bet como apostarler. Como mulher, desde a primeira vez que li, tive que parar e, ainda hoje, paro no meio da leitura por causa da crueldade descrita", diz a repórter do jornal O Globo, que pretende transformar a história da "Casa da Morte"f12 bet como apostarlivro, ainda sem previsãof12 bet como apostarlançamento.
Seis anos depois do misterioso "acidente doméstico", Inês recebeu, durante cerimôniaf12 bet como apostarBrasília,f12 bet como apostar2009, um prêmiof12 bet como apostardireitos humanos, na categoriaf12 bet como apostarDireito à Memória e à Verdade, das mãos do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Minha querida Inês, só queria lhe dizer uma coisa: valeu a pena cada gesto que vocês fizeram, cada choque que vocês tomaram, cada apertão que vocês tiveram", declarou Lula. A cerimônia contou com um discurso emocionadof12 bet como apostarDilma Rousseff, ex-companheira na VAR-Palmares e então ministra do governo.
Inês Etienne Romeu morreu na madrugadaf12 bet como apostar27f12 bet como apostarabrilf12 bet como apostar2015, aos 72 anos, enquanto dormia emf12 bet como apostarcasaf12 bet como apostarNiterói, município vizinho ao Rio.
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