Covid-19: as lições que Brasil pode aprender com segunda ondacasos na Europa:
Os únicos locaisque os números permanecem relativamente controlados até o momento são Alemanha, Grécia, Noruega e Finlândia.
O crescimento gerou uma sériereaçõesgovernos e autoridades públicas: para conter a transmissão do vírus, medidas como toquesrecolher, volta das aulas à distância e fechamentobares, restaurantes e lojas foram anunciadas por governos nos últimos dias.
Os especialistas divergem se o que a Europa está vivendo é mesmo uma segunda onda ou apenas uma continuação da primeira, uma vez que os casos e mortes diminuíram, mas nunca cessaram.
Definições à parte, quais foram os motivos por trás dessa guinada?
Retorno ao (novo) normal
"Com a chegada do verão, os abalos econômicos e a queda na transmissão do vírus entre a comunidade, houve uma enorme pressão para que as coisas voltassem a funcionar como antes por lá", analisa o médico Airton Stein, professor titularsaúde coletiva da Universidade FederalCiências da SaúdePorto Alegre.
Em vários países, as aulas presenciaisescolas e universidades foram retomadas. Restaurantes e bares passaram a funcionar regularmente. Com o clima ameno, muitos europeus decidiram saircasa e viajar.
O fatoesta segunda onda atingir principalmente os mais jovens é, inclusive, um indicativoque a reabertura das atividades teve um papel decisivo neste processo — afinal, trata-se da faixa etária que predomina nas escolas e costuma estarviagens ou eventos sociais com mais frequência.
Evento programado?
Um novo aumento do númerocasos e mortes por covid-19 era algo que os cientistas já esperavam — e que pode acontecerboa parte do mundo se algumas medidas não forem tomadas.
O primeiro motivo para isso é o fatoque uma parcela significativa da população parece ainda não ter tido contato com o vírus. Em alguns países europeus, estima-se que a soroprevalência (a porcentagempessoas que apresentam anticorpos contra o Sars-CoV-2) esteja abaixo dos 15%. Na prática, isso significaria que os 85% restantes ainda estão vulneráveis à covid-19.
Vale ponderar que essa soroprevalência e o papel dela na pandemia ainda é muito incerta. Não se sabe, por exemplo, quanto tempo dura uma eventual imunidade contra a covid-19 ou se todos os acometidos geram uma resposta parecida do sistemadefesa.
Um segundo aspecto que influencia nessa questão é a sazonalidade do vírus. Ao que parece, ele sobrevive mais tempo no inverno e se aproveita do fatoas pessoas ficarem aglomeradaslocais fechados quando a temperatura despenca, o que facilita a transmissão do patógeno. O continente europeu está agora no outono e a temperatura vai cair ainda mais a partirdezembro, com a chegada do inverno.
Outro fator que contribui bastante para a segunda onda é a maior disponibilidademétodosdiagnóstico. "Quando a pandemia começou, os países estavam despreparados. Muitos casos estavam ocorrendo, mas eles não foram registrados por faltaestrutura. Sete meses depois e com mais testesmãos, é possível detectar um número maiorpacientes", explica o virologista Anderson Brito, pesquisador na EscolaSaúde Pública da Universidade Yale, nos Estados Unidos.
Um dos indicadoresque a situação estava piorando na Europa foi justamente a quantidadetestes com resultados positivos: atualmente, entre 4 e 9% dos exames feitos para a covid-19 por lá confirmam o diagnóstico (antes, esse índice ficava próximo1%). O número crescente ligou o sinalalerta das autoridades sanitárias locais.
Uma boa notícia?
Se há algopositivo a ser destacado da atual experiência europeia até o momento é o fatoa taxamortalidade estar mais baixa durante essa segunda onda.
Dados do CentroPesquisa e AuditoriaCuidados Intensivos do Reino Unido revelam que a taxapacientes com covid-19 que morreramaté 28 dias após a internação caiu39% do início da pandemia a agosto para 27% a partirsetembro.
Mas esses achados iniciais precisam ser olhados com muita precaução. "A literatura nos mostra que o tempo entre a pessoa se infectar pelo coronavírus e precisarinternação éuma semana. Da hospitalização até morrer, pode levar mais cinco semanas. E ainda há a demora entre o óbito e a notificação do caso para as autoridades", pondera o médico Marcio Sommer Bittencourt, do CentroPesquisa Clínica e Epidemiologia do Hospital Universitário da UniversidadeSão Paulo.
Portanto, se os casoscovid-19 na Europa estão começando a subir nas últimas semanas, é possível que o efeito disso sobre a mortalidade só venha a ser conhecido a partirmeadosnovembro ou dezembro.
A maior disponibilidadetestes também têm influência sobre a taxaóbitos. Um exemplo prático: no início da pandemia, havia um número muito limitadokits para realizar a detecção da covid-19. Eles eram, portanto, destinados aos casos mais graves, com sintomas preocupantes.
Se determinada cidade lá no início da pandemia tinha 100 indivíduos infectados, os hospitais e postossaúde só tinham capacidade para testar dez deles. Vamos supor que, desses que foram diagnosticados, dois morriam. A taxamortalidade ficava, então,20%.
Imagine que esse mesmo local agora consegue fazer um número bem maiortestes e é capazdetectar 100 pessoas com coronavírus. Se, neste grupo, duas delas morrem, a taxamortalidade despenca para 2%.
Além dessas questões, vale citar ainda que a experiência acumulada dos últimos meses serviuaprendizado para os profissionaissaúde. "Hoje sabemos melhor como manejar os casos graves e isso permite um prognóstico mais favorável", concorda Stein, que também atua como médicofamília e comunidade do Grupo Hospitalar Conceição, na capital gaúcha.
Houve também um tempo para que os hospitais se organizassem, construíssem novas estruturas e treinassem profissionaissaúde para trabalhar na terapia intensiva. Isso evita filasespera e garante um melhor tratamento aos pacientes que precisam dos cuidados.
Dá para se preparar?
Se compararmos as curvas da covid-19 na Europa e no Brasil, é possível reparar que estamos alguns meses atrasados nos eventos: nosso país chegou a um pico a partirmaio ou junho2020, quando a situação começava a ser controlada do outro lado do Atlântico.
Não é possível, porém, fazer comparações precisas entre lugares tão distintos. Cada pedaço do Brasil teve comportamentos epidêmicos próprios.
"As curvas que aconteceramcidades como Manaus, Belém e São Luís lembram muito o que ocorreu na Europa, enquanto outros lugares do país tiveram curvas longas e achatadas ao longoum períodotempo", analisa Bittencourt.
Mas, guardadas as devidas particularidades, será que o Brasil tem algo a aprender com essa segunda onda na Europa para evitar ou minimizar os danos?
"O vírus depende da proximidade entre duas pessoas para continuar circulando. Portanto, as medidasdistanciamento físico, o usomáscaras e a lavagemmãos continuam importantíssimas", destaca Brito.
Ao mesmo tempo, as autoridadessaúde pública precisam reforçar as medidas preconizadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para conter a pandemia. Uma dessas políticas está na criaçãoum amplo programatestagem. "Só assim conseguimos detectar os casos, especialmente os assintomáticos, e isolá-los pelos próximos 14 dias", diz Stein.
Nessa mesma linha, outra ação que faz a diferença é o rastreamentocontatos. Na prática, isso significa ir atrás e informar rapidamente os indivíduos que estiveram próximos a alguém infectado pelo coronavírusque eles também precisam fazer o teste e, se for o caso, obedecer uma quarentena.
Dificuldades pelo caminho
De acordo com os especialistas ouvidos para essa reportagem, o Brasil apresenta falhas nesse momentopreparação para conter uma eventual segunda onda da covid-19.
"Um aspecto preocupante é uma diminuição do númerotestes distribuídos pelo Ministério da Saúde durante o mêssetembro", aponta Stein.
Com a atual tendênciaqueda nos númeroscasos e mortes, esse é justamente o momentoampliar o diagnóstico, pois fica mais fácil acompanhar o avanço do coronavírus pelo país e tomar as medidas necessárias citadas acima: isolar e rastrear possíveis contatos.
De acordo com os dados disponibilizados no site do próprio Ministério da Saúde, até o momento, o Brasil realizou 15,5 milhões testes para detectar a covid-19. Desses, apenas 7,5 milhões eram examesPCR, que detectam o vírus ativo, com capacidadeser transmitido para outros indivíduos.
Os 8 milhões restantes, que representam mais da metade do total informado pela pasta, são os testes rápidos. Eles apenas constatam se a pessoa já teve contato com o Sars-CoV-2 no passado, mas não têm o poderavaliar se o coronavírus está circulando naquele momento pelo organismo.
Com apenas a informação do teste rápido,nada adianta fazer o isolamento ou o rastreamentocontatos: como a doença possivelmente já passou (muitas vezes sem dar sinal algum), o paciente pode ter transmitido o vírus para muitas pessoas com quem interagiu.
O Brasil ainda tem um tempo para fazer a liçãocasa e estar mais preparado para uma eventual segunda onda. Se esse fenômeno vai se concretizar, isso se relaciona a uma sérievariáveis.
"Não é possível ter certeza, pois isso dependecoisas que a gente não sabe e tambémintervenções que podemos colocarprática. A gente vai se preparar? Ou vai deixar rolar? Qual vai ser o statusdesenvolvimentoremédios ou vacinas daqui a alguns meses? Não sabemos tudo o que vai acontecer, mas podemos tomar as decisões adequadas para este momento", analisa Bittencourt.
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