Covid-19: as lições que Brasil pode aprender com segunda ondacasos na Europa:

Homemmáscara caminharuapedestres à noite

Crédito, EPA/ENRIC FONTCUBERTA

Legenda da foto, Homem caminha na avenida Las Ramblas, Barcelona, após toquerecolher imposto na Espanha como tentativaconter segunda onda

Os únicos locaisque os números permanecem relativamente controlados até o momento são Alemanha, Grécia, Noruega e Finlândia.

O crescimento gerou uma sériereaçõesgovernos e autoridades públicas: para conter a transmissão do vírus, medidas como toquesrecolher, volta das aulas à distância e fechamentobares, restaurantes e lojas foram anunciadas por governos nos últimos dias.

Os especialistas divergem se o que a Europa está vivendo é mesmo uma segunda onda ou apenas uma continuação da primeira, uma vez que os casos e mortes diminuíram, mas nunca cessaram.

Definições à parte, quais foram os motivos por trás dessa guinada?

Grafico mostra aumentocasos da covid-19 na Europa recentemente

Crédito, BBC News Brasil

Retorno ao (novo) normal

"Com a chegada do verão, os abalos econômicos e a queda na transmissão do vírus entre a comunidade, houve uma enorme pressão para que as coisas voltassem a funcionar como antes por lá", analisa o médico Airton Stein, professor titularsaúde coletiva da Universidade FederalCiências da SaúdePorto Alegre.

Em vários países, as aulas presenciaisescolas e universidades foram retomadas. Restaurantes e bares passaram a funcionar regularmente. Com o clima ameno, muitos europeus decidiram saircasa e viajar.

O fatoesta segunda onda atingir principalmente os mais jovens é, inclusive, um indicativoque a reabertura das atividades teve um papel decisivo neste processo — afinal, trata-se da faixa etária que predomina nas escolas e costuma estarviagens ou eventos sociais com mais frequência.

Diversos jovens sentadosescadaria com roupasfrio, à noite, diantevista da parte baixaParis

Crédito, REUTERS/Charles Platiau

Legenda da foto, JovensParis; casos nesta faixa etária indicam que reabertura das atividades teve papel decisivo na segunda onda

Evento programado?

Um novo aumento do númerocasos e mortes por covid-19 era algo que os cientistas já esperavam — e que pode acontecerboa parte do mundo se algumas medidas não forem tomadas.

O primeiro motivo para isso é o fatoque uma parcela significativa da população parece ainda não ter tido contato com o vírus. Em alguns países europeus, estima-se que a soroprevalência (a porcentagempessoas que apresentam anticorpos contra o Sars-CoV-2) esteja abaixo dos 15%. Na prática, isso significaria que os 85% restantes ainda estão vulneráveis à covid-19.

Vale ponderar que essa soroprevalência e o papel dela na pandemia ainda é muito incerta. Não se sabe, por exemplo, quanto tempo dura uma eventual imunidade contra a covid-19 ou se todos os acometidos geram uma resposta parecida do sistemadefesa.

Um segundo aspecto que influencia nessa questão é a sazonalidade do vírus. Ao que parece, ele sobrevive mais tempo no inverno e se aproveita do fatoas pessoas ficarem aglomeradaslocais fechados quando a temperatura despenca, o que facilita a transmissão do patógeno. O continente europeu está agora no outono e a temperatura vai cair ainda mais a partirdezembro, com a chegada do inverno.

Outro fator que contribui bastante para a segunda onda é a maior disponibilidademétodosdiagnóstico. "Quando a pandemia começou, os países estavam despreparados. Muitos casos estavam ocorrendo, mas eles não foram registrados por faltaestrutura. Sete meses depois e com mais testesmãos, é possível detectar um número maiorpacientes", explica o virologista Anderson Brito, pesquisador na EscolaSaúde Pública da Universidade Yale, nos Estados Unidos.

Um dos indicadoresque a situação estava piorando na Europa foi justamente a quantidadetestes com resultados positivos: atualmente, entre 4 e 9% dos exames feitos para a covid-19 por lá confirmam o diagnóstico (antes, esse índice ficava próximo1%). O número crescente ligou o sinalalerta das autoridades sanitárias locais.

Uma boa notícia?

Mulher anda na rua usando máscaraManchester

Crédito, PA Media

Legenda da foto, Reino Unido enfrenta segunda ondacasoscovid-19 desde o fimsetembro

Se há algopositivo a ser destacado da atual experiência europeia até o momento é o fatoa taxamortalidade estar mais baixa durante essa segunda onda.

Dados do CentroPesquisa e AuditoriaCuidados Intensivos do Reino Unido revelam que a taxapacientes com covid-19 que morreramaté 28 dias após a internação caiu39% do início da pandemia a agosto para 27% a partirsetembro.

Mas esses achados iniciais precisam ser olhados com muita precaução. "A literatura nos mostra que o tempo entre a pessoa se infectar pelo coronavírus e precisarinternação éuma semana. Da hospitalização até morrer, pode levar mais cinco semanas. E ainda há a demora entre o óbito e a notificação do caso para as autoridades", pondera o médico Marcio Sommer Bittencourt, do CentroPesquisa Clínica e Epidemiologia do Hospital Universitário da UniversidadeSão Paulo.

Portanto, se os casoscovid-19 na Europa estão começando a subir nas últimas semanas, é possível que o efeito disso sobre a mortalidade só venha a ser conhecido a partirmeadosnovembro ou dezembro.

A maior disponibilidadetestes também têm influência sobre a taxaóbitos. Um exemplo prático: no início da pandemia, havia um número muito limitadokits para realizar a detecção da covid-19. Eles eram, portanto, destinados aos casos mais graves, com sintomas preocupantes.

Se determinada cidade lá no início da pandemia tinha 100 indivíduos infectados, os hospitais e postossaúde só tinham capacidade para testar dez deles. Vamos supor que, desses que foram diagnosticados, dois morriam. A taxamortalidade ficava, então,20%.

Imagine que esse mesmo local agora consegue fazer um número bem maiortestes e é capazdetectar 100 pessoas com coronavírus. Se, neste grupo, duas delas morrem, a taxamortalidade despenca para 2%.

Além dessas questões, vale citar ainda que a experiência acumulada dos últimos meses serviuaprendizado para os profissionaissaúde. "Hoje sabemos melhor como manejar os casos graves e isso permite um prognóstico mais favorável", concorda Stein, que também atua como médicofamília e comunidade do Grupo Hospitalar Conceição, na capital gaúcha.

Houve também um tempo para que os hospitais se organizassem, construíssem novas estruturas e treinassem profissionaissaúde para trabalhar na terapia intensiva. Isso evita filasespera e garante um melhor tratamento aos pacientes que precisam dos cuidados.

Dá para se preparar?

Profissional da Prefeitura desinfecta portoManaus

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Especialista aponta que curvascidades brasileiras como Manaus lembram padrão da Europa, enquanto outros municípios seguiram tendência diferente

Se compararmos as curvas da covid-19 na Europa e no Brasil, é possível reparar que estamos alguns meses atrasados nos eventos: nosso país chegou a um pico a partirmaio ou junho2020, quando a situação começava a ser controlada do outro lado do Atlântico.

Não é possível, porém, fazer comparações precisas entre lugares tão distintos. Cada pedaço do Brasil teve comportamentos epidêmicos próprios.

"As curvas que aconteceramcidades como Manaus, Belém e São Luís lembram muito o que ocorreu na Europa, enquanto outros lugares do país tiveram curvas longas e achatadas ao longoum períodotempo", analisa Bittencourt.

Mas, guardadas as devidas particularidades, será que o Brasil tem algo a aprender com essa segunda onda na Europa para evitar ou minimizar os danos?

"O vírus depende da proximidade entre duas pessoas para continuar circulando. Portanto, as medidasdistanciamento físico, o usomáscaras e a lavagemmãos continuam importantíssimas", destaca Brito.

Ao mesmo tempo, as autoridadessaúde pública precisam reforçar as medidas preconizadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para conter a pandemia. Uma dessas políticas está na criaçãoum amplo programatestagem. "Só assim conseguimos detectar os casos, especialmente os assintomáticos, e isolá-los pelos próximos 14 dias", diz Stein.

Nessa mesma linha, outra ação que faz a diferença é o rastreamentocontatos. Na prática, isso significa ir atrás e informar rapidamente os indivíduos que estiveram próximos a alguém infectado pelo coronavírusque eles também precisam fazer o teste e, se for o caso, obedecer uma quarentena.

Dificuldades pelo caminho

De acordo com os especialistas ouvidos para essa reportagem, o Brasil apresenta falhas nesse momentopreparação para conter uma eventual segunda onda da covid-19.

"Um aspecto preocupante é uma diminuição do númerotestes distribuídos pelo Ministério da Saúde durante o mêssetembro", aponta Stein.

Com a atual tendênciaqueda nos númeroscasos e mortes, esse é justamente o momentoampliar o diagnóstico, pois fica mais fácil acompanhar o avanço do coronavírus pelo país e tomar as medidas necessárias citadas acima: isolar e rastrear possíveis contatos.

De acordo com os dados disponibilizados no site do próprio Ministério da Saúde, até o momento, o Brasil realizou 15,5 milhões testes para detectar a covid-19. Desses, apenas 7,5 milhões eram examesPCR, que detectam o vírus ativo, com capacidadeser transmitido para outros indivíduos.

Os 8 milhões restantes, que representam mais da metade do total informado pela pasta, são os testes rápidos. Eles apenas constatam se a pessoa já teve contato com o Sars-CoV-2 no passado, mas não têm o poderavaliar se o coronavírus está circulando naquele momento pelo organismo.

Com apenas a informação do teste rápido,nada adianta fazer o isolamento ou o rastreamentocontatos: como a doença possivelmente já passou (muitas vezes sem dar sinal algum), o paciente pode ter transmitido o vírus para muitas pessoas com quem interagiu.

O Brasil ainda tem um tempo para fazer a liçãocasa e estar mais preparado para uma eventual segunda onda. Se esse fenômeno vai se concretizar, isso se relaciona a uma sérievariáveis.

"Não é possível ter certeza, pois isso dependecoisas que a gente não sabe e tambémintervenções que podemos colocarprática. A gente vai se preparar? Ou vai deixar rolar? Qual vai ser o statusdesenvolvimentoremédios ou vacinas daqui a alguns meses? Não sabemos tudo o que vai acontecer, mas podemos tomar as decisões adequadas para este momento", analisa Bittencourt.

Línea

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