Como o Dia do Saci quer rivalizar com o Halloween no Brasil:pixbet logo

Saci

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Dia do Saci surgiu como um contraponto à 'invasão cultural' representada pelo Dia das Bruxas

A iniciativa acabou sendo replicadapixbet logooutros municípios e, no ano seguinte, lei semelhante também foi aprovada na Assembleia Legislativa do Estadopixbet logoSão Paulo.

Cenaspixbet logoevento pelo Dia do Sacipixbet logoSão Luiz do Paraitinga

Crédito, Sosaci/Divulgação

Legenda da foto, Eventopixbet logohomenagem ao Dia do Sacipixbet logoSão Luiz do Paraitinga

"O Halloween foi imposto como uma coisa ideológicapixbet logopropaganda, como marca do domínio da cultura dos Estados Unidos sobre nós", justifica-se Benedito, à BBC News Brasil.

"Uma formapixbet logodomíniopixbet logoum povo,pixbet logouma civilização, é mostrar e impor uma ideiapixbet logoque a cultura do colonizador é melhor e maior do que a do colonizado."

Quando deputado federal, o historiador Chico Alencar (PSOL-RJ) apresentou projetopixbet logolei pretendendo que a data se tornasse uma comemoração nacional.

"O Halloween, que tem crescido nos centros urbanos brasileiros, é uma celebração que não tem nada a ver com a nossa cultura, com a nossa tradição. Quem adere ao Halloween aqui está fazendo uma pura imitação, é vontadepixbet logoparecer desenvolvido a partir da concepçãopixbet logoque há povos desenvolvidos culturalmente e povos subdesenvolvidos", diz ele, à reportagem.

O saciólogo Mouzar Benedito

Crédito, Sosaci/Divulgação

Legenda da foto, 'O Halloween foi imposto como uma coisa ideológicapixbet logopropaganda', diz Mouzar Benedito

Alencar defende que o saci é um símbolo brasileiro.

"Aquela figurinha perneta, ágil e brincalhona, assustadora para quem se julga muito sabichão e poderoso, que fuma o cachimbinho e vem no redemoinho compixbet logotouca vermelho, que tendo uma perna só é ágil, é capoeirista, é o negro quilombola que fogepixbet logotodas as armadilhas… É uma figura que precisa ser reconhecida e valorizada."

No entenderpixbet logoBenedito, quando a festa do Dia das Bruxas — que tem origem celta, disseminou-se pelo mundo mas acabou mais popularpixbet logopaíses anglófonos — começou a ser trazida ao Brasil, pelas escolaspixbet logoinglês, isso não representava problemas.

"Porque é normal que uma escolapixbet logolínguas queira inserir também o conhecimento da cultura do país", pondera.

"Mas aí começou a ter uma coisa meio impositiva, agressiva, imperialista. Em São Luiz do Paraitinga havia Halloween atépixbet logoescolas rurais… Acho que hojepixbet logodia, apesarpixbet logoa festa do Halloween ainda estar forte, o saci já compete um pouco."

O personagem

Conta-se que o saci original não era negro — e nem pulava sobre uma perna só. Era uma figura indígena que guardava as florestaspixbet logoMata Atlântica.

Mas, assim como o próprio brasileiro, esse personagem acabou ganhando característicaspixbet logooutras culturas. Assim, com os escravos, empixbet logomaioriapixbet logoorigem africana, acabou se tornando negro. E foi da mitologia europeia que ele assumiu a carapuça mágica, na verdade um píleo, como dos duendes.

"Não podemos esquecer é que nosso país é pura miscigenação. Somos índios, somos africanos, somos europeus. O saci é a mais pura representação disso", afirma à BBC News Brasil o professor e pesquisador Fernando Pereira, especialistapixbet logocultura brasileira da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

"Os índios têm seres 'mágicos' que protegem as florestas. Os negros, na África e depois no Brasil, também acreditavam e ainda acreditampixbet logoseres protetores das matas, dos rios e animais. Os portugueses e outras culturas europeias trouxerampixbet logoseu imaginário seus seres que habitam as florestas da Europa, os duendes. Pois a figura do saci é o amálgamapixbet logotudo isso."

Em seu Dicionário do Folclore Brasileiro,pixbet logo1954, o historiador e antropólogo Câmara Cascudo (1898-1986) apresenta o saci-pererê como uma "entidade maléficapixbet logomuitas, graciosa e zombeteira noutras oportunidades".

"Pequeno negrinho, com uma só perna, carapuça vermelha na cabeça que o faz encantado, ágil, astuto", descreve.

"Amigopixbet logofumar cachimbo,pixbet logoentrançar as crinas dos animais, depoispixbet logoextenuá-lospixbet logocorrerias, durante a noite, anuncia-se pelo assobio persistente e misterioso, inlocalizável e assombrador. Pode dar dinheiro. Não atravessa água como todos os 'encantados'."

Cascudo atenta para o fatopixbet logoque os cronistas coloniais "não o mencionam", situando, portanto, o surgimento da lenda no século 19.

"Diverte-se, criando dificuldades domésticas, apagando o lume, queimando alimentos, espantando gado, espavorindo os viajantes nos caminhos solitários", prossegue ele.

"Há muitas documentação sobre o saci, origem e modificações."

Cenas da exposição #OcupaSacy

Crédito, Tatiana Fraga

Legenda da foto, Reza a lenda que o saci original era uma figura indígena que guardava as florestaspixbet logoMata Atlântica

O primeiro intelectual que se dedicou a traduzir da cultura oral para a escrita o mito do saci foi o escritor Monteiro Lobato (1882-1948).

Em 1917, ele pediu a leitores do jornal O Estadopixbet logoS. Paulo — do qual era assíduo colaborador — que lhe escrevessem cartas respondendo a três questões: qualpixbet logoconcepção pessoal do saci e como a recebeu na infância; qual a forma atual da crendice na região onde o leitor vivia; que histórias ou casos interessantes conhecia do saci.

Lobato compilou os relatos e publicou um livro, seu primeiro, chamado O Saci-Pererê: Resultadopixbet logoum Inquérito. O personagem folclórico, contudo, não se esgotaria aí empixbet logoobra. Na série infantil do Sítio do Pica-Pau Amarelo, o saci se tornou personagem recorrente — e emprestou seu nome ao títulopixbet logoum dos livros.

Se por um lado o escritor ajudou a materializar, no imaginário nacional, a figura do saci, por outro ele acabou optando por um viés negativo para caracterizá-lo.

"A representaçãopixbet logoMonteiro Lobato, ao mesmo tempo que é um marco importante é também muito polêmico", argumenta à reportagem a jornalista, poeta e gestorapixbet logoprojetos educativos e culturais Tatiana Fraga, uma das curadoras da exposição #OcupaSacy — atualmentepixbet logocartaz no Sesc Taubaté.

"Ele difundiu uma história muito específica do saci, carregadopixbet logoracismo epixbet logosimbologias negativas. A gente vê essa simbologia."

Fundador da Associação Nacional dos Criadorespixbet logoSaci (ANCS), o tecnólogo José Oswaldo Guimarães diz que O Saci,pixbet logoLobato, foi o primeiro livro que eu leu na vida, quando criança. Ele ficou fascinado por aquele universopixbet logolendas caipiras, interioranas, que também era muito presente empixbet logoterra natal — ele épixbet logoBotucatu, no interior paulista.

Cenas da exposição #OcupaSacy

Crédito, Tatiana Fraga

Legenda da foto, A lenda do saci teria surgido no século 19

Já adulto, começou a ouvir relatospixbet logomoradores da zona rural. Havia históriaspixbet logosacis que faziam talhar o leite, que deixavam éguas alvoroçadas e a quem eram atribuídas tantas outras travessuras. Com amigos, decidiu criar sacis.

Sua premissa é que toda vez que alguém conta uma históriapixbet logosaci, pronto, mais sacis são criados no mundo.

"Com isso comecei a participarpixbet logovários eventospixbet logofolclore pelo Brasil", recorda ele,pixbet logoconversa com a BBC News Brasil.

Mas ele conta que não é fácil ser criadorpixbet logosacis no Brasilpixbet logo2020.

"Falamos muito sobre o saci. Quando criamos saci, criamos no sentidopixbet logozelar,pixbet logocuidar. De cuidar do ambiente para que eles possam aumentar. E eu não gostariapixbet logoninguém atacando o saci, assim como não quero atacar outras culturas."

"Só que hoje temos sofrido muitos ataques, porque as pessoas, por ignorância, dizem que é algo satânico, do demônio,pixbet logobruxa, ou vêm com comentários racistas dizendo que é cultura dos negros. Já tivepixbet logoresponder a gente dizendo que saci era formadorpixbet logoquadrilha, que se ele não trabalhava então ele roubava, absurdos desse tipo", relata.

O saciólogo José Oswaldo Guimarães

Crédito, ANCS/Divulgação

Legenda da foto, 'Quando criamos saci, criamos no sentidopixbet logozelar,pixbet logocuidar', diz José Oswaldo Guimarães

Contraponto ao Halloween?

Entre os "saciólogos", contudo, não há um consensopixbet logoposicionamento frente ao Dia das Bruxas. Críticaspixbet logoparte a parte já foram feitas no meio, aliás.

Os "observadorespixbet logosaci", anos atrás, passaram a dizer que os "criadorespixbet logosaci" utilizavam gaiolas fechadas para a procriação — o que seria um erro, uma maldade, manter o serpixbet logocativeiro.

Os "criadores" rebateram prontamente que se havia sacis hoje nas matas para os "observadores" verem, era porque eles estavam sendo bem-sucedidos nas criações e, depois, soltando na natureza.

Brincadeiras à parte, os grupos se respeitam e acham que cada um faz seu papel.

"Eles consideravam que a gente estava politizando muito a questão por peitar o Halloween", admite Benedito, da Sosaci.

Caveiras, abóboras e chamas com temapixbet logoHalloween, ou Dia das Bruxas

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, O Halloween é um festival ligado à cultura americana, mas celebrado atualmentepixbet logodiversos países

"Eu não quero acabar com a Halloween. Nossa ideia é reforçar a cultura do saci e não diminuir outras culturas", diz Guimarães, da ANCS.

Para o pessoal da ANCS, o Dia do Saci não deveria ser na mesma data que o Dia das Bruxas.

"Justificar uma data matando outra é inócuo, e acaba realçando ainda mais o Halloween", argumenta Guimarães.

"E por que acabar com uma cultura, seja qual for ela? Queremos aumentar a cultura do povo, e não diminuir."

Ele conta que até estudou um poucopixbet logocultura celta e passou a explicar também sobre o Dia das Bruxas nos eventos dos quais participa.

E da mesma forma como defende que existam "associaçõespixbet logocriadores"pixbet logolobisomens,pixbet logomulas-sem-cabeça,pixbet logocurupiras, também iria aprovar a existênciapixbet logouma entidadepixbet logocriadores bruxas.

"Já temos muitos inimigos da cultura. Nosso folclore precisa se sobrepor à ignorância", ressalta Guimarães.

"Tudo é questãopixbet logocontexto", relativiza Fraga, curadora da #OcupaSacy.

"Não lutamos contra o Halloween. O Halloween chegou ao Brasil da mesma maneira como muito da cultura americana chega ao Brasil. Tem um movimento antropofágico aí. A questão não é o Halloween. Vamos brincar o Halloween, toda brincadeira fantasiosa é muito legal. A questão é também ter o saci."

"Os mitos podem conviver", prossegue ela.

"E faz bastante mais sentido para nós a brincadeira do saci: é mais verdadeira no sentidopixbet logoter uma verdade histórica, uma relação com nosso povo que dialoga com nossas vivências."

O ex-deputado federal Chico Alencar defende que o resgatepixbet logofiguras folclóricas é importante para o povo nacional.

"O saci é muito interessante porque recupera empixbet logofigura a luta contra a escravidão, contra todas as formaspixbet logoopressão. É importante para o fortalecimento da identidade nacional", diz.

Mas ele reconhece que, no dia 31pixbet logooutubro, o Halloween é mais forte.

"Nossa mentalidade colonizada e subalterna ainda prevalece. Portanto, a luta pelo reconhecimento e valorização do saci prossegue e ainda tempixbet logovencer muitas etapas até se construir no novo imaginário popular", comenta.

"Instituições, governos e escolas contribuiriam muito para isso se tivessem essa preocupação, se valorizassem a figura simpática, incômoda, arteira e brincalhona do saci."

"Eu, particularmente, sou fã dessa figurinha: porque sem imaginação e sonho você não vive, ninguém é pura e dura realidade, exclusivamente. Mas o saci é a molecagem brasileira, é a resistência alegre a tudo o que algema, que controla e que paralisa."

Para o professor Pereira, especialistapixbet logoCultura Brasileira do Mackenzie, os grupos que se esforçam para resgatar figuras do folclore fazem um trabalho "fundamental e imprescindível".

"O folclore é o saber popular que se valoriza e que se perpetua ao longo das gerações. A históriapixbet logoqualquer país está intimamente ligada ao seu folclore, suas tradições, crenças e costumes", explica.

"Quem se interessa por isso com certeza sai enriquecido por inúmeros elementos que deram origem ao modopixbet logopensar, agir e sentir do povopixbet logoquem descende. E pais, educadores e professores tem papel fundamental nesse processo."

Ele não acha que festas como o Dia das Bruxas precisam ser combatidas.

"Não sou refratário a introduçãopixbet logooutros elementospixbet logonossa cultura. O Brasil sempre foi uma 'mistureba'. Antropofagia pura. O que me preocupa é que um elemento puramente comercial supere manifestações folclóricas, nascidas do imaginário popular epixbet logotradições."

"E no meu entendimento pais e professores têm um papel fundamental na preservaçãopixbet logonossos valores culturais epixbet logonossas tradições. Não é proibido o novo, mas não podemos esquecer o antigo", ressalta.

A solução, segundo ele, seria que temas relacionados ao folclore não fossem abordados apenaspixbet logodatas comemorativas, mas que fizessem parte do dia a dia.

"Infelizmente, notamos que muitas escolas e professores ignoram a importância do folclore na criação da identidade cultural do país e acabam abordando o temapixbet logomaneira superficial", critica ele.

"Há que se abordar cada tema com sensibilidade suficiente para estimular a inteligência, a curiosidade e as emoções. Isso vai permitir um equilíbrio do aprendizado, um equilíbrio entre o velho e o novo, entre o real e o imaginário, entre o que é tradição e o que é produto comercial e principalmente, demonstrar que é possível fazer do passado um referencialpixbet logovida."

"O saci é a perfeita representação da miscigenação: índio, negro e europeu. Que o saci seja apenas um item introdutório na apresentaçãopixbet logooutros elementos", vislumbra Pereira.

"O saci é uma figura anti-imperialista. Acho que se depender dele, vai mesmo comer a abóbora", resume Fraga.

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