A questão é saber se chegaremos ao final da pandemia com vergonha ou com decência, diz Mario Sergio Cortella:vale a pena apostar em futebol

Crédito, CHICO MAX

Legenda da foto, Para Cortella, é muito ruim que combate à pandemia divida atenção no país com ameaças à estabilidade democrática

"No convento todos nós tínhamos que trabalhar o tempo todo", diz o professor, que era responsável pela criaçãovale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolcoelhos e pelo cultivo dos pinheiros na comunidade.

Lidando "sem sufoco" com o isolamento atual,vale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolmaior preocupação no momento é justamente com o "fosso" existente entre as diferentes condiçõesvale a pena apostar em futebolque muitos brasileiros estão enfrentando a pandemia.

"Se nós não dermos conta, enquanto nação, do cuidado com aqueles que são mais vitimados pela ausênciavale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolrecursos financeiros,vale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolemprego decente,vale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolalimentação,vale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfuteboluma moradia saudável, se nós não cuidarmos disso desde agora haverá um aprofundamento desses fossos", alerta o acadêmico, que defende que um dos papéis da filosofia é iluminar o caminho sobre os perigosvale a pena apostar em futeboltemposvale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolangústia como o atual.

Adepto do "otimismo crítico", como ele define, Cortella diz que a pandemia levanta questionamentos éticos a todos os brasileiros sobre como foi possível que a situação chegasse a tal ponto.

"A questão não é só eu chegar ao final desse túnel escuro que é a pandemia, e ali respirar aliviado porque eu o atravessei. É como é que eu chegarei? Se eu chegarei com decência, se eu chegarei com a ideiavale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolque mereci mesmo atravessar e lá chegar, ou se chegarei envergonhado", afirma.

"Para que eu não tenha nenhuma vergonhavale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfuteboldeixarvale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolfazer o que eu deveria ter feito,vale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolter esquecido que eu poderia ter feito, e mais do que tudo, aquilo que é partevale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfuteboluma solidariedade que neste momento não podevale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolmodo algum ser só retórica, 'estamos juntos!', 'estou com você!'. Como é que é isso no cotidiano?", questiona.

"O descuido vem da onde? Ele não vem só daquilo que se faz, mas também daquilo que não se faz. Vem também não só daquilo que se diz, mas daquilo que se omite. O descuido vem quando há ausênciavale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolcompaixão, ausênciavale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfuteboltransparência, e nós podemos ter issovale a pena apostar em futebolvárias nações e também na nossa encontramos isso."

Cortella diz, no entanto, acreditar que prevalecerá a capacidade humanavale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolreinventar novos modosvale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolsuperação.

"Persistevale a pena apostar em futebolmim a possibilidadevale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolimaginar algo que eu sempre lembro e que os nosso avós, bisavós, trisavós, diziam sempre: não há bem que sempre dure, nem mal que nunca se acabe."

Leia os principais trechos da entrevista, concedida por meiovale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolteleconferência:

vale a pena apostar em futebol BBC News Brasil - Eu sei que o senhor é um otimista nato. Na quarentena o senhor continua otimista? Como tem sido esse isolamento para o senhor?

vale a pena apostar em futebol Mario Sergio Cortella - São dois momentos e dois movimentos que não são idênticos. Para mim não é tão complexo o isolamento, por várias razões. Primeiro, eu estou habituado a um trabalho, uma atividade que, emboravale a pena apostar em futebolvários momentos sejavale a pena apostar em futebolmeio ao público, a palestras, a viagens, à convivência, a hotéis, cidades, etc, ainda assim, uma parte da minha atividade é mais quieta, na medidavale a pena apostar em futebolque eu também escrevo, também faço atividades que me colocamvale a pena apostar em futebolum certo silêncio.

Do pontovale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolvista material, das circunstâncias, eu não tenho e não tive até o momento nenhum obstáculo intransponível,vale a pena apostar em futebolrelação às minhas provisões, às minhas capacidades, minhas necessidades. Cláudia, com quem sou casado e eu,vale a pena apostar em futeboltodo esse tempo, partilhamos nossas tarefas e cada umvale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolnós continua atuando, naquilo que é possível, pelo trabalho a partirvale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolcasa.

Há, no entanto, uma agonia muito grande na medidavale a pena apostar em futebolque a gente, mesmo estando protegido, sabe o númerovale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolpessoas que,vale a pena apostar em futeboluma atividade essencial, que não é o caso da minha, têm que se colocarvale a pena apostar em futeboluma vulnerabilidade maior.

Por isso eu não passo por nenhum tipovale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolsufoco neste momento, exceto o sufoco interior relativo à preocupação com a vidavale a pena apostar em futebolgeral, com outras pessoa à minha volta, não só a família, o ciclovale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolamigos, mas todo o conjunto do modo da vida humana que sofreu ali uma alteração.

Mas como você lembrava, eu tenho sim um otimismo crítico, não é um otimismo ingênuovale a pena apostar em futebolque eu acho que tudo ficará bem, que basta nós aguardarmos e virá. Mas eu acho que nós humanos e humanas somos capazes, na nossa trajetória, na reinvençãovale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolmuitos modosvale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolsuperação.

Esse [momento] é muito complexo, instigou a necessidadevale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolmaior humildade da nossa parte, especialmente quanto à nossa suposição equivocadavale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolque éramos absolutamente invencíveis. Mas também nos gerou outros modosvale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolcontato e relação.

Por isso, persistevale a pena apostar em futebolmim a ideia da esperança ativa, persistevale a pena apostar em futebolmim a possibilidadevale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolimaginar algo que eu sempre lembro e que os nosso avós, bisavós, trisavós, diziam sempre: não há bem que sempre dure, nem mal que nunca se acabe.

Eu não supus, aos 66 anosvale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolidade que eu tenho, que eu encontraria essa condição. E fico imaginando o que dirão meus quatro netos daqui a 30, 40 anos, o que que eles viveram. O que que isso significou, qual foi o impacto na vida deles. Isto é, como é que será relatado o passadovale a pena apostar em futebolum futuro daqui a algumas décadas.

vale a pena apostar em futebol BBC News Brasil - O senhor, quando moravavale a pena apostar em futebolLondrina, pertencia à ordem católica dos Carmelitas Descalços, onde o senhor viveu um período enclausurado.

vale a pena apostar em futebol Cortella - É, mas não foivale a pena apostar em futebolLondrina (PR). Eu nascivale a pena apostar em futebolLondrina, meus pais paulistas estavam ali no norte do Paraná. De lá saí para a cidadevale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolSão Paulo, onde moro até hoje, no final do anovale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebol1967.

E aqui eu estudei, terminei o que seria o antigo ginásio. E quando eu entrei na universidade, quando terminei o primeiro anovale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolfilosofia, eu tinha 18 anos. Decidi que eu queria fazer uma experiência religiosa mais intensa.

A religiosidade é uma herança familiar, minha família tem uma tradição familiar católica, minha mãe — hoje com 91 anosvale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolidade, e moramos perto, a um quarteirão e meio — tem formação católica.

Eu sempre tive a perspectivavale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolque poderia, na minha profissão, mais adiante, também ter a escolha da atividade da pregação, do trabalho missionário, que é algo que eu tinha desde Londrina, como uma condição mais direta.

E ao fazer 18 anos e entrar na universidade eu decidi que ia entrarvale a pena apostar em futeboluma ordem religiosa na qual pudesse viver uma experiênciavale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolclausura, isto é, enquanto estava na universidade, que eu pudesse ficar fechado numa clausura aprendendo coisas, lidando com a vida, olhando mais para o chão e não apenas para o alto das coisas e, portanto, fiquei três anosvale a pena apostar em futebolum convento da Ordem Carmelitana Descalça, na Rodovia Anhanguera, no km 18,5.

Da janela da minha "cela", do meu quarto, dava para ver o pico do Jaraguá inteirinho. Não existe mais esse convento, aquele espaço do convento foi mais tarde vendido pela ordem, que foi para outro lugar, e até hoje ele abriga um complexo localvale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolproduçãovale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolnotícia,vale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolinformação,vale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfuteboltelevisão, é sedevale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfuteboluma das TVs que nós temos no Brasil (nota do editor: são os estúdios do SBT).

Esses pinheiros, alguns que eu ajudei a plantar e que eram pequenas mudas, olha só, 45 anos depois, esses pinheiros hoje são árvores imensas. E quando eu vou à emissoravale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolTV e passo pelo estacionamento eu olho os pinheiros dos dois lados, que eu ajudei a fazer.

Entendi que minha rotavale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolvida não se daria naquela direção, que eu gostava mesmo da docência porque num convento e numa atividade missionária que acontecia nos intervalos da universidade, eu gostava muitovale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolatividadesvale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolconvivênciavale a pena apostar em futebolregiões distantes no Brasil. Estive na Amazônia algumas vezes,vale a pena apostar em futebolcomunidadesvale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolnações indígenas, e outrasvale a pena apostar em futebolcomunidades mais distantes.

Legenda da foto, "A tarefa da filosofia é levantar indagações sobre o sentido das coisas, por que fazemos o que fazemos", diz Cortella. Aqui, fotovale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebollivrovale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolsua autoria com esse mesmo título.

vale a pena apostar em futebol BBC News Brasil - A minha curiosidade é: agora, nessa experiênciavale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolisolamento, isso despertou memórias do senhor dessa época? Tem aspectos que o senhor compara?

vale a pena apostar em futebol Cortella - Claro,vale a pena apostar em futebolvários momentos. Porquevale a pena apostar em futeboluma ordem religiosa, especialmentevale a pena apostar em futeboluma ordem carmelitana, embora a gente não fique isoladovale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolmodo contínuo, existe um isolamento programático, isto é, momentosvale a pena apostar em futebolque a solidão é necessária para a meditação, para a produção, para o estudo.

Digamos que, afora as quatro horas que eu passava na universidade toda manhã, no restante do dia eu tinha companhia por apenas duas horas. Também no restante eram momentosvale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolquietude.

Até quando se ia para a capela, naquilo que se chama no mundo religioso católico das ordensvale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolmomento do ofício, se fazia ali um momentovale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolsilêncio,vale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolreclusão. Por isso eu reavivei várias situações desse tipo — embora hoje eu não possa dizer que seja católico, porque seria ofensivo dizer que sou um praticantevale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfuteboluma religião dado que não frequento igrejas, não vou a cultos, etc —, a ideia da forma mais isoladavale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolser, o silêncio, dado que o convento ficava afastado da beirada da estrada, havia um silêncio imenso naquele lugar. E também daquilo que é o trabalho doméstico, digamos.

Durante boa parte da minha vida eu contei com auxíliovale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolpessoasvale a pena apostar em futebolrelação a alimentação, roupa, faxina, limpeza, por contavale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolter uma atividade externa. Mas no convento, não. No convento, todos nós tínhamos que trabalhar o tempo todo. Um dos lemas clássicos que o cristianismo coloca a partirvale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfuteboluma cartavale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolum dos apóstolos que não conheceu Jesus, mas é o principal teólogo na origem cristã, que é Paulo,vale a pena apostar em futeboluma das cartasvale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolPaulo, ele diz: quem não trabalha não come.

E eu tinha duas atividades: afora ter que cuidar das minhas coisas, afora o fatovale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolque nós não tínhamos propriedade privada no convento, isto é, tudo era comunitário. Até financeiramente. Se eu recebesse algum presente, algum dinheiro, alguma contribuição, era colocadavale a pena apostar em futeboluma caixinha, literalmente, uma caixavale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolsapato. E ali, quem precisava pegava, e quem tinha, colocava.

Esse modovale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolvida comunitária foi facilitador, mas eu cuidavavale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolduas coisas: a mim cabia cuidarvale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolalgo que hoje eu acho um pouco estranho, eu ajudava a cuidarvale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolcoelhos, que compunham parte da alimentação do convento.

E a segunda: eu cuidava dos pinheiros, isto é, da área imensavale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolpinheiros que se tinha, e como sabem muitas pessoas, ele pega fogo com facilidade. Porque ele tem uma resina. Então, para manter toda a partevale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolbaixo sempre limpa.

vale a pena apostar em futebol BBC News Brasil - Falando um pouco agoravale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfuteboloutro aspecto da pandemia sobre o qual o senhor fala muito, que é a cidadania. Essa pandemia evidenciou que muitos brasileiros não têm esse direito à cidadania, a direitos básicos, e questõesvale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfuteboldesigualdade com as quais nós convivemos na sociedade viraram uma questãovale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolvida ou morte. Como essa convivênciavale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolnós brasileiros com tantas pessoas sem cidadania nos afeta?

vale a pena apostar em futebol Cortella - Uma das questões mais sérias deste momento é nós trazermos à mente algumas perguntas decisivas, especialmente no campo ético. A pandemia evidenciou desigualdades, fissuras, fossos. Ela não os criou ainda, mas vai criá-los.

Se nós não dermos conta, enquanto nação, do cuidado com aqueles que são mais vitimados pela ausênciavale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolrecursos financeiros,vale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolemprego decente,vale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolalimentação,vale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfuteboluma moradia saudável, se nós não cuidarmos disso desde agora, haverá um aprofundamento desses fossos. Esses fossos existiam, mas agora ganharam uma nitidez imensa. Eles estão à nossa volta como parte daquilo que no jornalismo se chamavale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolpauta. Uma pauta cotidiana, que está à mostra.

Há duas atitudes possíveis: uma é fechar os olhos e imaginar que não está acontecendo, o que não só é tolo, comovale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolnada adiantarávale a pena apostar em futebolrelação a levar a uma solução. A segunda forma é fazer-se uma pergunta que é: mas o que foi que eu fiz? Porque uma tendência nossa nessas situações é dizer: o que foi que eu fiz? Porque a resposta é fácil (...): eu não fiz nada para isso (pandemia) acontecer.

Mas a pergunta tem que ser outra: o que foi que eu não fiz? O que que eu deixeivale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolfazer, eu Cortella, como uma pessoa que vive nesta nação, para que coisas como essas que agora estão sendo evidenciadas chegassemvale a pena apostar em futebolum nível que ganham uma característica aterrorizante para quem nessa situação já está?

Segundo: se aquilo que eu deixeivale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolfazer é algo que eu não posso refazer, porque aquele tempo não existe, o que eu posso fazer desde agora? É necessário que a gente olhe sempre com uma perspectiva: face aquilo que temos, ou a pessoa diz 'o que eu posso fazer',vale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolmodo entregue, desanimado, até acovardado e, eventualmente, cúmplice. Ou coloca um pontovale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolinterrogação e diz 'o que eu posso fazer?' E saivale a pena apostar em futebolbuscavale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfuteboluma resposta e vai buscá-la.

Será vergonhoso, e eu venho insistindo nesse tema, todas as vezes que alguém toca nesse assunto como você agora fez. A questão não é só eu chegar ao final desse túnel escuro que é a pandemia, e ali respirar aliviado porque eu o atravessei. É: como é que eu chegarei? Se eu chegarei com decência, se eu chegarei com a ideiavale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolque mereci mesmo atravessar e lá chegar, ou se chegarei envergonhado.

É preciso também que eu me sinta mais respeitoso comigo e olhe tudo o que houve para que eu não tenha nenhuma vergonhavale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfuteboldeixarvale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolfazer o que eu deveria ter feito,vale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolter esquecido que eu poderia ter feito, e mais do que tudo, aquilo que é partevale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfuteboluma solidariedade que neste momento não podevale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolmodo algum ser só retórica, "estamos juntos!", "estou com você!". Como é que é isso no cotidiano?

Ora, nosso país passará por momentos mais difíceis do que estamos vivendo agora no ponto da capacidadevale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolacesso a bens, a meios, ao provimento da vida. O mundo passará, mas nós também. (...) Por isso volto e concluo: O que foi que eu não fiz? E aí pensar no que eu devo fazer.

Crédito, Tomás Arthuzzi

Legenda da foto, "Persistevale a pena apostar em futebolmim a possibilidadevale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolimaginar algo que eu sempre lembro e que os nosso avós, bisavós, trisavós, diziam sempre: não há bem que sempre dure, nem mal que nunca se acabe".

vale a pena apostar em futebol BBC News Brasil - A pandemia, alémvale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolmexer com a nossa rotina, nos traz novos questionamentos éticos, sobre como convivemos com isso até agora. E quando se fala do poder público? Em muitos países, o governante teve esse papelvale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolunir as pessoas, dar esse sentimentovale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolnação. Aqui no Brasil nosso presidente tem sido mal avaliado na condução da pandemia e acusadovale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfuteboldemonstrar pouca solidariedade. Isso pode ser considerada uma postura antiética neste momento?

vale a pena apostar em futebol Cortella - Duas coisas. Primeiro, Millôr Fernandes lembrava sempre, é verdade, que um povo que precisavale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolsalvador não merece ser salvo. Afinalvale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolcontas, nós temos que negar o quevale a pena apostar em futebollarga razão teve Lima Barreto quando disse que no Brasil nós não temos povo, nós temos público.

Há pouco menosvale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebol100 anos, ele dizia, com toda razão, e porque é parte da nossa trajetória a posturavale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolespectadores daquilo que está acontecendo à nossa volta. É algo que agrava a circunstância, mas não é uma fatalidade que nos leve a ficarmos sem ação.

Neste momento eu acho extremamente desconcertante o modo como a gestão do Executivo federal vem fazendo a condução daquilo que é a atual crise profunda que o país vive. Nós temos exemplos cotidianosvale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolcolisões internas.

Voltando ao teu pontovale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolpartida: será que é antiético? Se a gente entender a ética como sendo o cuidado com a vida coletiva. Todas as vezes que há um descuido isso acaba se tornando antiético. E o descuido vem da onde? Ele não vem só daquilo que se faz, mas também daquilo que não se faz.

Vem não só daquilo que se diz, mas daquilo que se omite. O descuido vem quando há ausênciavale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolcompaixão, ausênciavale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfuteboltransparência, e nós podemos ter issovale a pena apostar em futebolvárias nações e também na nossa encontramos isso.

Aliás, uma das coisas que nos faz falta hoje são lideranças comprometidas com a preservação da integridade das vidas do país,vale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolmodo que não se resvale apenas para a disputa no campo da ideologia ou da política.

vale a pena apostar em futebol BBC News Brasil - Há um climavale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolconflito entre os poderes, e se discute se há riscos para a democracia. Isso preocupa o senhor?

vale a pena apostar em futebol Cortella - Eu tenho um livro com o Renato Janine Ribeiro que eu gosto muito do título dele, do conteúdo também: Política para não ser idiota foi lançado há muitos anos e é um diálogo entre nós. E nós ali lembramos que a palavra idiota significava uma pessoa que ficava olhando só para o próprio umbigo, que não era capazvale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfuteboltomar conta também da vida da comunidade. E político era aquele que ajudava a cuidar da comunidade.

Sendo eu um cidadão, eu não sou um político institucional, eu não sou um político partidarizado, não sou um político formalizado como atividade profissional. Mas eu sou um cidadão, por isso eu sou alguém que tem que se interessar pela vida da comunidade.

Eu nascivale a pena apostar em futebol1954. A primeira vez que eu votei para a Presidência da República foivale a pena apostar em futebol1989, 100 anos após a proclamação da República.

E eu já era alguém que estava como adulto, já era pai. Isso significa que essa castraçãovale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolalguns dos mecanismos do cidadãovale a pena apostar em futebolrelação ao voto (ocorreu) durante um período. Havia um movimentovale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolcensura, havia uma atividadevale a pena apostar em futebolque se tinha uma repressão a várias manifestações, e o nosso país ultrapassou essa fase.

Nosso tempo republicano não é tão extenso, ele tem 131 anos. Mas dentro dessa República, desde 1989, nós ainda temos um período muito restritovale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfuteboldemocracia no sentido mais amplo.

Nós tivemos durante o período republicano governosvale a pena apostar em futebolque o voto era censitário,vale a pena apostar em futebolque se votava a partir do tantovale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolpropriedade que se tinha. A proibição do voto ao analfabeto até 1988 na nossa Constituição tirou do circuito da possibilidadevale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolescolha milhões e milhõesvale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolbrasileiros.

Nossa democracia é muito recente. Pessoas com mais idade como eu entendem mais fortemente qual é o impacto que traz a ausência da democracia na possibilidadevale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolliberdadevale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolação,vale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolpensamento.

Quando nós temos hoje manifestações quase que cotidianasvale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolalgumas pessoas que se dizem avessas à democracia, embora na democracia se possa isso dizer, a grande diferença entre uma democracia e uma ditadura, que alguns reivindicam, é quevale a pena apostar em futeboluma democracia eu posso reivindicar a ditadura, mas na ditadura eu não posso reivindicar a democracia. Essa é uma diferença decisiva.

Por outro lado, nós brasileiros temos, eu digo vez ou outra, um afeto um pouco mais limitado pela nossa democracia. A gente não a afaga com tanta tranquilidade.

Uma democracia é aquela que fez com que os conflitos sejam coordenados, para que a gente não chegue ao confronto. O fatovale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolalguém pensar diferentevale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolmim na política não significa que a pessoa esteja equivocada. Mas não é porque ela pensa como eu que só por isso ela está certa.

Nós podemos ter pensamentos diferentes, eles podem ser até divergentes, estãovale a pena apostar em futebolcampos separados, mas isso não colocavale a pena apostar em futebolmim o desejovale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolfazer com que essa pessoa seja enclausurada, detida, descartada, a menos que ela cometa algo que é considerado absolutamente criminoso, inconstitucional, uma brutalidade na nossa sociedade.

Por isso sim, é muito ruim nós já termos uma pandemia que é massiva e enquanto isso temos também que lidar com contínuas ameaças à nossa estabilidade democrática. Afinal, se alguém tem algum tipovale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolintençãovale a pena apostar em futebolrelação ao debate sobre a nossa democracia, esse não é o momento mais adequado.

Porque até quem defende a presençavale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfuteboluma ditadura, por exemplo, essa ditadura o que fariavale a pena apostar em futebolrelação à pandemia no nosso país? Ofereceria o quê? São as instituições democráticas que estão atrapalhando o combate ao vírus? O contrário.

Todas as vezesvale a pena apostar em futebolque há um abalo nas instituições democráticas se retarda a condiçãovale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolcombate ao vírus.

Seria uma contribuição patriótica tão grande, não que a gente deixasse as nossas diferenças, porque elas estão abaixo ou acimavale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolnós, mas que elas fossem colocadas lateralmente nesse momento para que a gente pudesse lidar com aquilo que é decisivo.

Crédito, REUTERS/AMANDA PEROBELLI

Legenda da foto, "Escolavale a pena apostar em futebolcasa não é substitutiva àquilo que a escola no dia a dia oferece. A escola é uma experiência sociocultural insubstituível", diz Cortella

vale a pena apostar em futebol BBC News Brasil - Neste momentovale a pena apostar em futebolque estamos vivendo tantas crises ao mesmo tempo, a filosofia pode ajudar? Que pensamentos ela oferece para momentosvale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolangústia como o atual?

vale a pena apostar em futebol Cortella - A filosofia não tem a finalidadevale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolserenar. Mais do que isso, a tarefa da filosofia é levantar indagações sobre o sentido das coisas, por que fazemos o que fazemos.

vale a pena apostar em futebol BBC News Brasil - Me refiro a esse sentido, porque as pessoas estão se questionando mais.

vale a pena apostar em futebol Cortella - Isso. A filosofia não é um conhecimento prático no sentido operacional técnico. Ela é uma possibilidadevale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolpensar o próprio pensamento,vale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolpensar o sentido como significado e direção das nossas ações. Nessa hora, auxilia.

Não que ela vá fazer com que você passe a ter mais trabalho, que a economia se reative. Mas quando a gente mergulhavale a pena apostar em futebolalguns pensadores, algumas convicções, ela retiravale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebol nós algumasvale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolnossas certezas imobilizadas, e também nos colocavale a pena apostar em futebolum campovale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolcriatividade.

O pensamento filosófico, que é metódico, estruturado, aumenta nossa condiçãovale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolrepertório para nossa criatividadevale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolenfrentamento. Embora não seja consoladora, a filosofia ainda assim contribui para que a gente consiga entender que partevale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolaquilo que conosco está não decorrevale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfuteboluma fatalidade, masvale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfuteboluma circunstância, que talvez nós consigamos aprender mais com aquilo que estamos vivendo do que os danos que isso poderá trazer para quem passar pela pandemia sem qualquer tipovale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolcicatriz mais densa.

Pessoas ligadas a essa área, também da filosofia, têm sido muito convidadas para participaremvale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolconversas,vale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolentrevistas, não porque a gente consiga dizer 'é aqui que é a direção', mas porque a gente consegue, por vez ou outra, lembrar a frasevale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolum filósofo mineiro que já faleceu, o Neidson Rodrigues, 'a tarefa da filosofia é como a do farol no mar'. Aquele farol na ilha. A tarefa do farol não é dizer para onde você vai, é alertarvale a pena apostar em futebolrelação aos perigos.

vale a pena apostar em futebol BBC News Brasil - Duas coisas que mudaram radicalmente agora, entre tantas, foi a educação. Muitos paisvale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolrepente se transformaramvale a pena apostar em futebolprofessores e numa convivência com os filhos totalmente diferente. E outro público que me vem à cabeça é o jovem, que ia começar agora seu plano,vale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfuteboleducação, fazer o Enem, fazer a faculdade. O senhor como educador experimentadíssimo, o que diria para esses dois públicos?

vale a pena apostar em futebol Cortella - Fico feliz que a gente conclua a nossa conversa com essa questão porque eu gosto muitovale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfuteboleducação escolar também. O que a pandemia nesse novo modo nos ensina é que esta atividade que hoje é feitavale a pena apostar em futebolcasa não é substitutiva àquilo que a escola no dia a dia oferece. A escola é uma experiência sociocultural insubstituível.

Ela não é só um localvale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolaprendizadovale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolconhecimentos e informações. Ela évale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolconvivência,vale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolaprendizadovale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolvalores,vale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolcidadania, solidariedade. Portanto, hoje esse modo emergencialvale a pena apostar em futebolque a escolarização está sendo feita é complementar, ela não é suplementar.

Quando nós cessarmos este momento, claro que a própria escola terá aprendido várias coisas. Uma delas é que, para recuperar uma parte do tempo que teve que ser adiado, alguns conteúdos terãovale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolser deixadosvale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebollado para que se compense os patamaresvale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolaprendizado e as referências.

E aí se notará que, ao fazer a escolhavale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolquais conteúdos podem ser deixados neste caminho, talvez eles não fossem necessários na rota que estava sendo trilhada. E esse é um aprendizado, que a gente chamavale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolseleçãovale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolconteúdo ou organização curricular, que é algo que nos ensinará bastante.

Eu tenho visto colegas meus educadoresvale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfuteboleducação básica, e alguns têm me dito isso nas escritas que fazem, nas redes sociais: nem nós somos tão ruins, dizem eles, como capacidadevale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolaprender o mundo tecnológico, que a gente achou que não conseguiria, nem parte das crianças e jovens é tão preparada como suporiam.

E por último, no sentido literal da expressão, o jovem que se preparava para uma etapa sabe hoje que uma circunstância, sendo elavale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolfato provisória, e se as autoridades públicas souberem lidar com esse momento, ela não alterará tanto esse caminho.

Quando eu tinha 17 anos e ia para a universidade, 17, 18, 20 anos era um terço da vida média, porque (vivia-se),vale a pena apostar em futebolmédia, 60 anos.

Ora, um menino ou uma meninavale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebol16, 17 anos hoje estávale a pena apostar em futebolum quinto da vida dele. (...) Por isso, não é uma questãovale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolimpedir. É adiar uma circunstância. (Isso) se as autoridades públicas forem capazesvale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolusar a racionalidade pedagógica para não produzir um assassinato das condições educacionais escolares, que são necessárias.

Portanto, talvez nós nos lembremos que esta circunstância é só um momento transitório, que terá efeitos mais adiante, mas que a educação escolar, especialmente, vem aprendendo e vem ensinando bastante.

Nunca tantas pessoas entenderam que a escola não é só um lugar para aprender os componentes curriculares, matemática, língua estrangeira moderna, biologia, física.

vale a pena apostar em futebol BBC News Brasil - E a valorizar os professores, né?

vale a pena apostar em futebol Cortella - Quem sabe. Talvez, talvez. Veremos. É uma das coisas que se pode aprender e entender. Por isso, voltando ao pontovale a pena apostarvale a pena apostar em futebolfutebolpartida, quandovale a pena apostar em futebol1973 eu entrei na universidade para fazer filosofia e depois, na sequência, no convento da ordem carmelitana descalça, jamais eu poderia imaginar que nós viveríamos uma situação como esta.

Mas também jamais achei, desde aquela época como também não acho agora, que não houvesse alternativa, que não houvesse saída. Ela é difícil, ela é complexa, mas ela não é impossível.

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