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Protestos por George Floyd:seis áreas, a desigualdade racial no Brasil e nos EUA:
Cada país adotaprópria metodologia para classificação racial ou étnica. No Brasil, ela é mais flexível etorno da autodeclaração, sendo ligada a aspectos físicos e socioculturais, por exemplo. Negros é a somapretos e pardos. Nos EUA, a regra é mais rígida — baseada na ascendência — para se definir como negro.
1. Dobro da taxaanalfabetismo
No Brasil, a taxaanalfabetismo entre os negros (9,1%)15 anos ou mais é superior ao dobro da taxaanalfabetismo entre os brancos da mesma faixaidade (3,9%), segundo o IBGE (Instituto BrasileiroGeografia e Estatística). Em 2018, 6,8% da população brasileira era considera analfabeta.
Nos Estados Unidos, a taxaanalfabetismo é menor que a do Brasil (1%). Mas a desigualdade entre brancos e negros também está presente.
Segundo a Avaliação NacionalAlfabetização Adulta (NAAL, na siglainglês), 24% dos negros têm alfabetização abaixo do nível básico (enfrentam dificuldades para ler e compreender um texto simples), contra apenas 7% dos brancos.
O abismo persiste quando se avalia a educação superiorambos os países.
No Brasil, o porcentualpretos e pardos que concluíram a graduação cresceu2,2%,2000, para 9,3%2017, segundo o IBGE,grande parte devido às cotas. Apesar disso, os negros não alcançaram os brancos. Entre a população branca, esse índice é22%, mais do que o dobro dos negros diplomados.
Nos Estados Unidos, o porcentualnegros com pelo menos o diplomagraduação é21%, contra 35% dos brancos.
2. Taxaemprego e renda per capita menores
Os negros ganham menos do que os brancos tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos.
Segundo o IBGE, pretos e pardos tinham um rendimento domiciliar per capitaR$ 9342018. No mesmo ano, os brancos ganhavam quase o dobro —média, R$ 1.846.
Nos Estados Unidos, ocorre situação semelhante. Lá, a renda é medida anualmente. Segundo o Censo americano, os negros têm uma renda domiciliar médiaUS$ 41,3 mil por ano, um pouco mais do que a metade da dos brancos (US$ 70,6 mil).
A taxadesemprego entre os negros também é maior que a dos brancos.
Segundo o IBGE, a taxadesocupação entre os negros2018 foi14,1%, contra 9,5% entre os brancos.
Nos Estados Unidos, naquele mesmo ano, o índicedesemprego entre os negros era6,5%, o dobro do dos brancos,3,1%, segundo uma análise do think tank Economic Policy Institute com basedados do DepartamentoTrabalho dos Estados Unidos.
Negros também são mais pobres do que os brancos,média.
Segundo o IBGE,2018, 15,4% dos brancos viviam na pobreza, enquanto que esse percentual era maior entre pretos e pardos: 32,9%.
Nos Estados Unidos, a disparidade também é observada entre as duas raças. Segundo os dados do Censo americano do mesmo ano, 20,8% dos negros eram considerados pobres, ante a 10,1% dos brancos. Os níveispobreza são determinados pelo governo dos EUA e variamacordo com o tamanhouma família e a idadeseus membros.
Em 2018, o limiarpobreza — também conhecido como linhapobreza — para um indivíduo eraUS$ 12.784 por ano. Para duas pessoas, o nível médio ponderado eraUS$ 16.247 por ano.
Com todos esses desafios, os negros também têm mais dificuldadealcançar postostrabalho mais altos.
Segundo um levantamento do Instituto Ethos, os negros ocupam apenas 4,9% das cadeiras nos ConselhosAdministração das 500 empresasmaior faturamento do Brasil. O índice refere-se apenas a pardos — não há nenhum preto nessa posiçãoalto comando, acrescenta a pesquisa.
Nos Estados Unidos, há apenas quatro CEOs negros entre as 500 maiores empresas do país (0,8%).
3. Negros morrem mais por covid-19
A pandemiacoronavírus, que matou mais380 mil pessoas no mundo, tem sido marcada também pela forma desproporcional que atinge segmentos sociais e escancarou problemas estruturais do sistemasaúde.
Nos Estados Unidos, os negros são 13% da população e representam 25% das mortes por covid-19. A taxaletalidade entre negros é 2,4 vezes maior do que aquela entre brancos. Em Chicago, os negros são 30% da população e 70% dos mortos por covid-19.
Segundo especialistas ouvidos pela BBC News Brasilabril, as disparidades são resultadodesigualdades estruturais que fazem com que comunidades negras no país fiquem mais suscetíveis ao contágio e tenham mais chancesdesenvolver formas graves da covid-19.
A população negra nos EUA também tem taxas altasobesidade, diabetes, hipertensão e asma, que são consideradas fatoresrisco para desenvolver formas gravescovid-19. Além disso, muitos americanos negros não têm planosaúde e mantêm uma alimentação pior do que a média.
No Brasil, um estudo da Pontifícia Universidade Católica do RioJaneiro com basequase 30 mil casos, diz que "na combinaçãoraças e escolaridade, as realidades desiguais ficaram ainda mais evidentes, com uma maior porcentagemóbitospretos e pardos,todos os níveisescolaridade. Os sem escolaridade mostraram uma proporção quatro vezes maiormorte do que brancos com nível superior (80,35% contra 19,65%)".
Dados do Ministério da Saúde brasileiro apontam que as hospitalizaçõespretos e pardos com síndrome respiratória aguda grave representam 23,1% do total, mas as mortes dessas parcelas da população somam 32,8%.
Como nos EUA, essas parcelas da população no Brasil também enfrentam mais dificuldadesacesso à saúde.
Segundo informações da pasta federal,relação aos brancos, os negros vão menos a consultas médicas, dependem mais do Sistema ÚnicoSaúde (SUS), morrem mais cedo, têm mais doenças crônicas e se sentem mais discriminadosserviçossaúde (principalmente por causa da faltadinheiro esua classe social).
Em 2017, o governo federal reconhecia que "o racismo vivenciado pela população negra" compromete "o acesso dessa população aos serviços públicossaúde, já que a boa qualidade da saúde gera condições para a inserção dos sujeitos nas diferentes esferas da sociedademaneira digna, promovendoautonomia e cidadania".
4. Quase 8cada 10 das pessoas assassinadas no Brasil são negras
Uma das principais causasmortesnegros é a violência. Em uma década (2007-17), a violência contra pretos e pardos no Brasil cresceu dez vezes do que a contra brancos.
Setenta e cinco a cada 100 pessoas assassinadas no país eram negras, segundo o mais recente anuário estatístico do Fórum BrasileiroSegurança Pública, que teve como base o ano2017. A proporção é a mesma entre pessoas mortasintervenções policiais.
Se considerarmos a taxa por 100 mil habitantes brasileiros, a taxahomicídionegros (43,1) é quase o triplo danão negros (16). Principalmente jovens.
Há disparidade também na taxaencarceramento. Segundo dados do Infopen, sistemainformações estatísticas do sistema penitenciário brasileiro, há 750 mil detentos no país. Entre os presos com dados disponíveis no sistema sobre corpele, raça ou etnia, 67% são negros, e os brancos, 32%. Na sociedade brasileira, esses dois grupos são, respectivamente, 56% e 44%.
Nos EUA, os negros também estão sobrerrepresentados nesse quesito, mas isso tem recuado. Eles são 13% da sociedade, mas 40% da população carcerária do país (no EstadoMaryland, chegam a 72%). A taxaencarceramento da população negra,1408 para cada 100 mil habitantes, é cinco vezes maior que abrancos, que é275 para cada 100 mil. Essa taxa chega a ser dez vezes maiorcinco Estados, afirma um relatório da organização Sentencing Project.
A entidade também analisa resultadosreformassistemas prisionais. O EstadoNova Jersey, por exemplo, adotou medidasdesencarceramento, algumas ligadas a penas consideradas mais leves, como possedrogas. A redução da população carcerária seria30%negros e 16% entre brancos.
Há mais1 milhãoprisões por ano nos Estados Unidos sob acusaçãopossedrogas.
Parte da responsabilidade desse encarceramento desproporcional é atribuída por especialistas à atuação das polícias. Conforme citado acima, 75% das pessoas mortasintervenções policiais no Brasil são pardas e pretas.
Segundo quatro pesquisadores americanos, não há evidênciasque um policial branco tenda a atirar mais contra minorias do que um policial que pertença a esses grupos.
Em estudo sobre o perfil racial da polícia brasileira, o sociólogo Tulio Kahn afirma que uma das hipóteses estudadas por pesquisadores do país é que, "ao entrar para a polícia, policiais negros deixam aos poucosidentidade civillado, inclusive identidade étnica, para assumir novas identidades, absorvendo a cultura policial".
Nos Estados Unidos, os negros também tendem a ser mais mortos a tiros pela polícia que os brancos. Eles não passam13% da população, mas representam 23% das 1 mil pessoas que morreramintervenções policiais no país norte-americano.
Há disparidades dessa natureza também entre as forçassegurança no Brasil. Policiais negros são 37% do totalagentes, mas 52% dos profissionais mortos2017 e 2018.
5. Negros são sub-representados nos Congressos e Executivos dos dois países
Em texto publicado nesta semana, o ex-presidente americano Barack Obama discorda das pessoas que afirmam que o recorrente viés racial no sistemajustiça criminal prova que apenas protestos e ações diretas podem levar a mudanças, e que votações e participações na política eleitoral são perdatempo.
"Eu não poderia discordar mais. A essênciaprotestos é aumentar a conscientização da sociedade, colocar holofotes sobre a injustiça e fazer com que os Poderes fiquem desconfortáveis. Na verdade, ao longo da história americana, é comum que seja apenas uma reação a protestos e desobediência civil a atenção que o sistema político dá a comunidades marginalizadas. Mas, no fim, anseios têm sido traduzidosleis específicas e práticas institucionais. E numa democracia, isso só acontece quando nós elegemos autoridades que respondem às nossas demandas."
Para a ativista e filósofa americana Angela Davis, o desafio "não é reivindicar oportunidades iguais para participar da maquinaria da opressão, e sim identificar e desmantelar aquelas estruturas nas quais o racismo continua a ser firmado".
O primeiro político negro eleito para a Câmara dos Deputados brasileira foi o baiano Antonio Pereira Rebouças, filhoum alfaiate português branco com uma mulher negra que havia sido escravizada. Ele foi eleito para a segunda legislatura da Casa,1828, ainda durante o Brasil Império.
No período republicano, o primeiro deputado federalpai e mãe negros foi o pernambucano Manoel da Motta Moreira Lopes, eleito1909.
Não havia registros da raça ou corpele dos candidatos até as eleições2014. Naquele ano, 20% dos deputados federais eleitos se declararam negros. Quatro anos depois, essa parcela passou para 24,3%, segundo dados da Câmara.
Em entrevista à BBC News Brasil2018, o cientista social Osmar Teixeira Gaspar, que estudou emtesedoutorado pela USP os obstáculos enfrentados pelos negros para se eleger, afirmou que esses candidatos,geral, recebem menos apoio dos partidos para suas campanhas, como recursos financeiros e pessoal para auxiliar na divulgação. Além disso, os candidatos que já têm mandato e tentam a reeleição costumam ser priorizados.
Nos EUA, os primeiros políticos negros eleitos para a Câmara dos Representantes (equivalente à Câmara dos Deputados brasileira) e no Senado Federal foram Hiram Revels e Joseph Rainey,1870.
Em 2019, pela primeira vez a proporçãorepresentantes negros na Câmara americana foi praticamente do mesmo patamar do tamanho dessa população: 12% e 13%, respectivamente. Deles, 90% deles são democratas e 10%, republicanos (partido do presidente Donald Trump).
O encarceramento desproporcionalnegros afeta a representatividade dessa parcela da população nas eleições.
Isso porque presidiários nos Estados Unidos perdem o direito ao voto enquanto estiverem na cadeia e 48 Estados americanos colocam algum nívelrestrição ao votoegressos do sistema carcerário, mesmo que eles já tenham cumpridopena na cadeia — no Brasil, apenas uma parcela dos condenados perde o direito ao voto.
Em entrevista à BBC News Brasil, a historiadora Heather Thompson, professora da UniversidadeMichigan e vencedora do prêmio Pulitzer, afirmou que parte da insatisfação dos negrosprotestos se dá por causa da perdadireitos políticos decorrente do encarceramento.
"O movimento negro pelos direitos civis nos anos 1960 conquistou a aprovaçãouma lei1965 que abolia restrições ao voto, mas como depois disso os negros passaram a ser encarcerados como nunca antes, isso anulouparte o aumento da participação políticanegros obtida1965". Segundo ela, na Flórida, 20% dos negros não podem votar por causaantecedentes criminais.
Há ainda mais uma característica do sistema que sobrevaloriza o voto brancorelação ao negro. Nos Estados Unidos, o voto é distrital: ou seja, um dado contingente populacionaluma área específica elege um representante. O recorte dos distritos levaconta o númeropessoas por área.
Embora não possam votar, presidiários contam como populaçãodistritos. E a maior parte dos presídios ficaáreas brancas. Logo, na prática, os presidiários, emmaioria negros, viabilizam que menos votos sejam necessários para eleger um representanteáreas com presídios — e, os representantes dessas áreas são eleitos majoritariamente por votosbrancos.
6. Nenhum diretor negro ganhou Oscar da categoria
A desigualdade racial também se reflete no setor culturaldiversos pontos, do acesso a equipamentos culturais à inserçãoescritores e personagens.
Segundo o IBGE, há mais negros vivendocidades sem cinemas do que brancos, por exemplo.
Levantamentosum grupopesquisa da UniversidadeBrasília (UNB) apontaram também desequilíbrio racial na proporçãoautores e protagonistasromances publicados por grandes editoras do país. Em cada 10 livros, 8 são protagonizados por brancos.
No Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, um dos principais do país, os negros são 1,3% dos indicados a melhor direção. Apenas um foi premiado15 anosprêmio, o paulista Jeferson De, com o filme Bróder,2009.
A proporçãoindicações é igual à registrada no Oscar. Apenas 6 dos 452 diretores indicados são negros, mas nenhum deles foi premiado. O único produtor negro a receber o Oscarmelhor filme foi Steve McQueen, pelo filme que também dirigiu, 12 AnosEscravidão,2013. Três anos depois, Moonlight - Sob a Luz do Luar venceu a categoriamelhor filme, mas as estatuetas foram para três produtores brancos (dois deles premiados também pela obraMcQueen).
Em Hollywood, os profissionais não brancos são sub-representadostodas as funções da indústriaentretenimento americana, como atores protagonistas, diretores e roteiristas. Nesta última categoria, a proporçãobrancos é5 para 1.
A disparidade entre os protagonistas tem diminuído. Em 2011, as minorias estavam à frente do elenco11% dos filmes lançadoscinemas. Em 2017, chegava a 20%, segundo estudo da Universidade da CalifórniaLos Angeles.
Colaborou Mariana Sanches, da BBC News BrasilWashington
Correção: Alguns trechos da versão anterior do texto traziam dados desatualizados sobre o tamanho da população negra nos EUA. A proporção correta é 13% do total.
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