Quando nem bolsa integral basta para sonho da faculdade: ‘Será que vou sobreviver?’:
Sem emprego, mesmo com a gratuidade no transporte municipal, os gastos com alimentação e aluguel do imóvel que dividia com um amigo ultrapassavam o tetoR$ 400seu orçamento pessoal. Mesmo um emprego temporário não foi suficiente para equilibrar as contas.
Em 2015, Bruno trancou o curso e voltou a morar com a mãeCampo dos Alemães. Hoje, trabalha como designer, alémfazer frilas como analistadados. O serviço garanterenda mensal,tornoum salário mínimo,média. "A sensaçãofracasso me acompanha todos os dias desde que vim embora, não vêm sendo fácil", diz o jovem, que tem pouca esperançaconcluir a universidade tão cedo.
"Você trancar a faculdade por um fator que não éculpa é pior. Trabalho, eu lembro que procureitodo lugar, e não estava dando certo. Parece que não é pra você estar lá", diz Nascimento.
Criado2004, o ProUni concede bolsas integrais ou parciaisuniversidades privadas para estudantes que concluíram o ensino médioescolas públicas ou que tiveram bolsasescolas particulares. Em 2018, foram 117 mil beneficiados. O benefício é vinculado à nota obtida pelos estudantes no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e a uma faixarenda familiar mensal específica.
Dados mais recentes do MinistérioEducação mostram que desde o início do ProUni até o primeiro semestre2017, mais115 mil bolsistas deixaram a universidade por evasão. Entre os estudantes negros, essa taxa retrata a realidade63 mil alunos (pretos e pardos), ou 54%. Já entre os estudantes brancos, essa taxa representa 48 mil alunos, ou 41%. A proporçãoevasão é semelhante à divisão das vagas nas duas categorias –2018, dos 117 mil bolsistas, 71 mil eram pretos e pardos (61%) e 43 mil, brancos (37%).
"A dificuldade no acompanhamentoestudos e a financeira são alguns [motivos] que podem resultar na evasão, como também a ideia do complexoimpostor, que é o entendimento dessas dificuldades como algo individual e não frutouma realidade social", explica Dyane Brito Reis, professora e pesquisadoraAcesso e PermanênciaJovens das Comunidades Negras no Ensino Superior da Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB).
As inscrições do ProUni deste ano estão abertas até 30setembro para estudantes já matriculados.
Barreiras à permanência
Um das principais medidas adotadas para auxiliar estudantesbaixa renda no ensino superior é o programabolsasauxílio permanência. O governo federal destina R$ 400 mensais para financiar os custosestudantes do programa com bolsa integral do ProUni.
As universidades privadas também têm seus próprios programas.
Veridiana Santana,22 anos, moradora do Campo Limpo, na periferiaSão Paulo, continua a lutar pelo sonho do diploma. Ela acorda às 4h para chegar às 7h na Fundação Getúlio Vargas (FGV) no centroSão Paulo, onde tem uma bolsaestudos e cursa Administração Pública. Em geral, ela só volta para casa à meia-noite.
Na sala dela, dos 40 alunos, apenas outros cinco são negros como Veridiana Santana. Nacionalmente, apesar da políticacotas, 34% dos estudantes universitários são negros,acordo com dados do Instituto BrasileiroGeografia e Estatística (IBGE).
Como o curso é oferecido apenasperíodo integral, Santana não tem tempo para trabalhar. A mãe, Anisia Rodrigues,58 anos, é quem custeia as faculdades da jovem eirmã na universidade. Aposentada, ela ganha um salário mínimo por mês e trabalha como diarista para complementar a renda dacasa. "Minha mãe sempre foi muito realista comigo. Sempre me diz: 'Estuda, se não você não vai conseguir melhorarvida'", conta.
A alimentação se tornou um dos primeiros obstáculos no seu percurso acadêmico. O custo mensal com as refeições éR$ 400. São R$ 20 diários que incluem almoço, café da manhã e café da tarde no restaurante da universidade – um valor negociado após uma longa discussão entre a FGV e o grupobolsistas. Mesmo assim, equivale a 20% do salário mensal da mãe.
"Foram três anos tentando pular essa porta do acesso que está fechada. Mas, agora, eu questiono: será que eu vou sobreviver tanto academicamente e atéquestões físicas mesmo, sabe?''
Os auxílios que a FGV oferece a jovens com dificuldades financeiras funcionam como um financiamento estudantil: são bolsas semestrais para custos com alimentação, transporte, moradia e material escolar, cujos valores precisam ser restituídos à instituição após o fim da graduação.
Os gastos anuaisSantana chegariam a R$ 10 mil, o equivalente a toda a renda familiar. Em outras palavras, inviabiliza o recurso porque ela não conseguiria pagar a dívida.
Alcance limitado do programa
O ex-bolsista do ProUni Bruno Nascimento chegou a buscar informações sobre a bolsa-permanência oferecida pelo Governo Federal, mas ela exige um mínimoseis horas diáriasaula e três anosduraçãoum curso presencial. A carga horária média diáriaNascimento eraquatro horas.
Os pré-requisitos praticamente inviabilizam o benefício. Dados do Ministério da Educação mostram que, no ano passado, apenas 523 dos 22.866 cursos inscritos no ProUni atendiam aos critérios exigidos para concessãobolsa permanência. Dos 702 mil estudantes bolsistas matriculados2018, apenas 8 mil recebiam o auxílio permanência.
Um projetolei2016 tentou mudar os critériosseleção à bolsa permanência. De autoria do deputado Wadson Ribeiro (PCdoB-MG), a finalidade era incluir os alunos que tivessem trabalho comprovado e até seis horas diáriasaula. Além disso, previa a criaçãoum Fundo NacionalPermanência Estudantil para o financiamento das bolsas. O texto chegou a ser analisado pela ComissãoEducação da Câmara, mas foi rejeitado e arquivado.
No Mackenzie, instituição onde Nascimento estudavaHigienópolis, região centralSão Paulo, as mensalidades variam entre R$ 912 e R$ 3.291. Os alunoscondiçõesvulnerabilidade econômica são encaminhados para as chamadas "bolsas-mérito", uma espécietrabalho remunerado dentro da universidade por serviços como monitoria e pesquisas científicas.
Mas Nascimento afirma que nunca foi orientado pela universidade a esta alternativa e, pouco tempo depoisperder o emprego, trancoumatrícula. Dois anos depois, tentou retornar a São Paulo, mas logo deu adeusnovo, pelos mesmos motivos e não conseguiu voltar mais aos estudos. A instituição não esclareceu como acontece a divulgação das bolsas-mérito até a publicação da matéria.
Sociólogo e gerenteTecnologias Educacionais do CentroEstudos e PesquisasEducação, Cultura e Ação Comunitária (CENPEC), Wagner Santos reconhece avanços na inclusão e na democratização do acesso à universidade conquistados pelo ProUni e por ações afirmativas nas universidades , mas enfatiza a faltaações complementares para assistir aos bolsistas. "As políticas, quando associadas à moradia, alimentação e transporte, são muito importantes para a permanência", diz.
Para Dyane Brito, da UFRB, há muito o que se avançar no país para transformar a universidadeum ambiente que realmente aceite a diversidade. "A gente precisa entender que não temos mais um único público na universidade, nós temos estudantes que têm trajetóriasvida distintas, que a universidade precisa perceber esses indivíduos como sujeitos ativos dentro do espaço universitário", diz.
Para ela, atualmente os coletivos estudantis são importantes para o processoformação e coletividade nas universidades.
"Nos coletivos, a gente encontra estudantes que vão se descobrir negros no espaço universitário, entender a perspectiva racial dentro desse espaço. São grupos que vão dividir alimentação, dividir xerox do texto mas que, sobretudo, são grupos que vão ter um suporte político e emocional ao estudante para apermanência para o ensino superior'', afirma.
Questionado sobre a possibilidaderevisãocritérios da bolsa-permanência do ProUni e sobre possíveis projetosassistência aos alunos prounistas, o Ministério da Educação afirma que concede o benefício aos estudantes que atendem aos critérios exigidos e não indicou a possibilidadealterar os critérios oucriar novos projetosassistência.
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