A história do garoto que vendia amendoim no semáforo e se tornou doutor e cientista:estrela bet 365 entrar

O segundo casamentoestrela bet 365 entrarsua mãe também não deu certo, pois seu pai era alcoólatra.

Em 1967, a mãeestrela bet 365 entrarSouza se mudou com ele e duas filhas, uma do primeiro casamento, para São Vicente, com o apoioestrela bet 365 entrarum irmão dela. "Ela não conseguia emprego no interior, pois o conceitoestrela bet 365 entrardesquitada era muito pesado para os anos 1960", lembra Souza. "Na cidade do litoral, ela continuou trabalhando como empregada doméstica para criar sozinha 3estrela bet 365 entrarseus 5 filhos (os menores ficaram com o pai,estrela bet 365 entrarPresidente Prudente). Para São Vicente, fomos minhas irmãs Marilda e Maria e eu."

'Você não foi feito para isso'

Lá, a família desmembrada foi morar no bairro pobreestrela bet 365 entrarCidade Náutica, que tinha um dos maiores índicesestrela bet 365 entrarcriminalidadeestrela bet 365 entrarSão Vicente. "Na época, entre 1972 e 1973, com oito, nove anos, para sobreviver e ajudar minha mãe, eu fui vender amendoim aos motoristas que paravam no sinal da Ponte Pênsil, entre São Vicente e Praia Grande, e juntava ferro velho nas ruas", recorda Souza.

Nessa época, aconteceu um episódio marcante emestrela bet 365 entrartrajetória. "Muitos dos meus amigosestrela bet 365 entrarinfância se perderam pelo caminho, ou deixaram que se perdessem. Lembroestrela bet 365 entraruma vez que um deles, o Bira, chegouestrela bet 365 entrarcasa com um monteestrela bet 365 entrardinheiro. Vivíamos o início dos anos 1970, 1972, por aí, o Brasilestrela bet 365 entrarpleno emprego. Ninguém pedia dinheiro nas ruas. Era pouco comum. Um menino pedir era algo muito estranho e deveria ser por uma extrema necessidade."

Diante do sucessoestrela bet 365 entrarBira, no outro dia Souza combinou com eleestrela bet 365 entrarir às praiasestrela bet 365 entrarBiquinha e Gonzaguinha, marcos da fundação da primeira cidade do Brasil, São Vicente, para pedir dinheiro aos passantes. "Quando cheguei lá à tarde, por volta das 14h, senti algo estranho", lembra.

"Era como se eu me olhasseestrela bet 365 entrarcima. Ainda hoje tenho essa imagem eu me vendoestrela bet 365 entrarcima e dizendo a mim mesmo: você não foi feito para isso. Era algo como perder a dignidade. O Bira ficou, ganhou mais dinheiro. Eu não sei o que ganhei. Tenho a impressão que adquiri consciênciaestrela bet 365 entrarminha trajetória. Mas como saber, se tinha apenas oito anos? O fato é que esta é a visão que tenhoestrela bet 365 entrarmim mesmo, olhando do alto para mim e dizendo: não faça isso (pedir dinheiro)."

Mas ele tinha que ajudar a mãe, suas irmãs e a si próprio. Então, continuou vendendo amendoim e catando ferro velho até 1975, quando aos dez anos começou a trabalhar numa fábricaestrela bet 365 entrardoceestrela bet 365 entrarbanana,estrela bet 365 entrarSão Vicente mesmo. "Eu ganhava Cr$ 0,10 (Cruzeiros) para cada lataestrela bet 365 entrar20 litros cheia da fruta descascada", conta. "Eu era minúsculo, não tinha força para levantá-la, então enchia só até a metade. Descascava com uma faquinha que nós mesmos fazíamos com serrinha. Ficava com as mãos pretas da nódoa da banana e na escola todo mundo olhava para elas, que eram mais escuras que o tom da minha pele."

Sua mãe também foi fundamental para que Souza não se perdesse no caminho. Trabalhando como empregada doméstica, ela aproveitava o pouco tempo livreestrela bet 365 entrarcasa para estudar para um concursoestrela bet 365 entrarmerendeira, no qual passouestrela bet 365 entrar1972. "Minha mãe sabia ler e escrever e valorizava isso", diz Souza.

Ele destaca a dedicação à educação e a clareza histórica delaestrela bet 365 entrarque estudar era a única alternativa. "Ela dizia: você precisa estudar, não tem forças para ser um pedreiro, um servente, não tem resistência", recorda. "Você não tem outra alternativa. Tenho uma imagem dela atravessando as enxurradasestrela bet 365 entrarSão Vicente, às 6h, sob chuva, com os dois filhos no colo e a correnteza forçando seu andar, para nos levar à creche. Lia muito e lia para nós. Sou um sobrevivente. José Mauroestrela bet 365 entrarVasconcelos era o autor do livro que minha mãe amava e que me faz amar a ler: Meu Péestrela bet 365 entrarLaranja Lima. Ela me salvou, o livro me salvou."

Por voltaestrela bet 365 entrar1977-78, a mãeestrela bet 365 entrarSouza resolveu retornar com as crianças para o interior do Estado, porque queria viver perto dos outros filhos, já mais velhos.

Educaçãoestrela bet 365 entrarescolas públicas

Sua trajetória escolar até chegar à universidade começou aindaestrela bet 365 entrarSão Vicente, sempreestrela bet 365 entrarcolégios públicos. Do primeiro ano ao fim do ensino médio, passou por três escolasestrela bet 365 entrarSão Vicente. umaestrela bet 365 entrarPresidente Venceslau e duasestrela bet 365 entrarPresidente Prudente. "Tantas mudanças, além do trabalho e do estudo noturno,estrela bet 365 entraralguma medida poderiam ter comprometido muito minha formação."

Mas não foi o que ocorreu. Tanto queestrela bet 365 entrar1987 ingressou na universidade, no cursoestrela bet 365 entrargraduaçãoestrela bet 365 entrarGeografia, que concluiuestrela bet 365 entrar1991, e depois no mestrado na mesma área, terminado,estrela bet 365 entrar1994, ambos na Faculdadeestrela bet 365 entrarCiências e Tecnologia, da Unespestrela bet 365 entrarPresidente Prudente. Lá, Souza também foi professor dos cursosestrela bet 365 entrarGraduação eestrela bet 365 entrarpós-graduaçãoestrela bet 365 entrarGeografia. Em 1999, concluiu o doutoradoestrela bet 365 entrarGeografia Humana pela Faculdadeestrela bet 365 entrarFilosofia Letras e Ciências Humanas, da Universidadeestrela bet 365 entrarSão Paulo.

Dez anos depois,estrela bet 365 entrar2008, terminou a livre docência pela Faculdadeestrela bet 365 entrarCiências Agrárias e Veterinárias, da Unesp,estrela bet 365 entrarJaboticabal, na qual foi professor do Departamentoestrela bet 365 entrarEconomia Rural no períodoestrela bet 365 entrar1995 a 2009 e do Programaestrela bet 365 entrarPós-Graduaçãoestrela bet 365 entrarZootecnia. Mais tarde, fez pós-doutorado na Universidadestrela bet 365 entrarSalamanca e foi presidente da Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB/Nacional)estrela bet 365 entrar2016 a 2018.

Nesse percurso, deu aulas nos ensinos fundamental e médio, na melhor escolaestrela bet 365 entrarPresidente Prudente, o Anglo,estrela bet 365 entrar1992. "Isso me abriu muitas portas", conta. "Sempre digo as minhas três filhas: fazemos nossa trajetória dentro da universidade e não saindo dela. Lá, as pessoas nos consideram e nos respeitam e abrem as portas. Depois, recém-formado, passei no concursoestrela bet 365 entrarprofessor substituto na Unesp. Entre 1992 e 1994, ministrei as aulasestrela bet 365 entrarCartografia e Topografia."

Umaestrela bet 365 entrarsuas melhores experiências como professor não ocorreuestrela bet 365 entrarcolégios ou na universidade, no entanto. "Foi no períodoestrela bet 365 entrar1990 a 1991,estrela bet 365 entrarque dei aulas num presídio, alfabetizando presos", revela.

"Esse comprometimento com a conscientização e a formação foi muito positivo e até me livrouestrela bet 365 entrarum assalto. Uma vez eu levava minha esposa para casa e atravessávamos a linha do trem, num trecho escuro, quando dois rapazes passaram a virestrela bet 365 entrarnossa direção. Pertoestrela bet 365 entrarnós, um tocou no ombro do outro, segurou-o, colocou o corpo à frente e disse: 'boa noite, professor'. Não tenho dúvidasestrela bet 365 entrarque seríamos assaltados. Sempre disse aos alunos qual era meu papel na penitenciária e que deveriam me abordar na rua, e que talvez eu não me lembrasse deles, mas poderiam dizer: fui seu aluno. Nossa postura faz o mundo e faz nossa vida."

'Eu sou aqueles meninos'

Por essas e outras razões, Souza diz que entrar na universidade foi a redenção dele. "Sempre digo, a universidade pública me libertou da miséria, como faz hoje com muitos outros."

"Uma vez, no terceiro ano da Faculdade, representante dos estudantes no Conselho Universitário,estrela bet 365 entrarSão Paulo, um professor e eu olhávamos meninos na praça da Sé catando papelão. Ele me disse 'Gilberto, essa universidade só vai melhorar quando esses meninos chegarem a ela'. Eu respondi: 'Eu sou eles, professor. Eu sou aqueles meninos e a universidade não melhorou. Eu juntei ferro velho e estou aqui'. Ele ficou espantando'."

Quando ele ingressou na graduação, a universidade não tinha políticaestrela bet 365 entrarcotas nem programasestrela bet 365 entrarpermanência estudantil. "Eu digitava trabalhos para os professores para poder comer", conta. "Hoje, atuo com projetosestrela bet 365 entrardesenvolvimento econômico, assessoria a prefeituras e planos diretores municipais, sempre com vistas à geraçãoestrela bet 365 entraremprego e renda. Mas atuo mais fortemente com desenvolvimento rural e os movimentos sociaisestrela bet 365 entrarreforma agrária e luta pela terra. Fiz inúmeros projetos para compraestrela bet 365 entrarequipamentos, assistência técnica e desenvolvimento social."

Fora da universidade, o único trabalho que ele faz é dar auxílio aestrela bet 365 entrarmulher Akiko, com quem se casou no mesmo diaestrela bet 365 entrarque colou grau na universidade, dia 20estrela bet 365 entrardezembroestrela bet 365 entrar1990, nos finaisestrela bet 365 entrarsemana. "Ela era servidora pública e atualmente tem uma empresaestrela bet 365 entraralimentação (batata recheada), que não é franquia porque elas exploram", explica Souza.

"Sou professor doutor, com pós-doutorado no exterior, oriento mestrado e doutorado, dou palestras e, com muita simplicidade, nos finaisestrela bet 365 entrarsemana eu monto batatas, coloco recheios nelas. Isso nos permitiu formar uma filha, Giulia Akemi,estrela bet 365 entrar28 anos,estrela bet 365 entrarEstatística, na mesma universidade que me formei, o que é um orgulho. A segunda, Raquel Tiemi,estrela bet 365 entrar26 anos, fez Relações Internacionais, na Unifesp, E é professoraestrela bet 365 entraringlês. A mais nova, Vitória Mayumi, com 22 anos, faz Engenhariaestrela bet 365 entrarAlimentos, na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UFTPR)."

Sua trajetória pessoal,estrela bet 365 entraruma infância miserável a uma carreira universitáriaestrela bet 365 entrarsucesso, não faz dele um otimistaestrela bet 365 entrarrelação aos meninos que hoje perambulam pela praça da Sé e pelas ruasestrela bet 365 entrarSão Paulo eestrela bet 365 entraroutras grandes cidade do país atrásestrela bet 365 entrarum pratoestrela bet 365 entrarcomida ouestrela bet 365 entraruns trocados. Ao contrário.

"Vejo que a vida deles é muito mais difícil do que foi a minha", lamenta. "Não por causa das condições materiais, mas pela dimensão do preconceito, do distanciamento e isolamento social que vivenciamos. Atualmente, há um apelo mais central pelo consumo e ele discrimina, pune, deteriora valores. Esse apelo não é apenas material."

Para Souza, hoje há também um apelo pelo protagonismo. "A questão é que se colocam sujeitosestrela bet 365 entrarsituação invisibilidade social", explica. "Este processo é mais violento que a ausênciaestrela bet 365 entraralimentos. Neste sentido, os jovens sofrem muito mais. O 'aparecer' não é um desejo pessoal idiossincrático, é uma necessidade social. Restam poucas formasestrela bet 365 entrarreconhecimento social aos sujeitos. Outro fator importante a destacar é que as relações sociais, humanas, estão esgotadas, e o embrutecimento e a indiferença são marcantes. Ser pobre e jovem hoje é pior do que nos anos 1970."

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