Snipers são investigados por suspeita'tiro ao alvo' contra moradoresfavela no Rio:
Moradores da comunidade denunciam a atuaçãosnipers, ou atiradoreselite, a partir da torre - que fica dentro da Cidade da Polícia, o principal complexo da Polícia Civil, a cerca250 metros da praça.
Testemunhas disseram à Defensoria Pública que foilá que vieram os tiros que feriram Vitor - e que mataram cinco outros moradoressetembro para cá, na temida esquina da rua São Daniel. O último, Rômulo Oliveira da Silva,37 anos, foi morto duas horas depois que Vitor foi ferido, atingido por disparos ao passarmoto pelo mesmo local. Ele trabalhava como porteiro da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
O Ministério Público iniciou uma investigação no último dia 14 para apurar as denúncias. Na segunda-feira a Human Rights Watch cobrou uma investigação "independente e minuciosa" sobre as alegaçõesatuaçãofranco-atiradores, levantando dúvidas sobre a isençãouma investigação que dependesse da Polícia Civil - e recomendando que o MPRJ recebesse apoio forense da Polícia Federal.
O delegado Marcelo Carregosa, da DivisãoHomicídios da Polícia Civil, ressalta que as investigações estão sendo conduzidas com transparência, acompanhadas pelo Ministério Público e pela Defensoria Pública "justamente para evitar qualquer tipoalegaçãoque estamos sendo parciais" ou "direcionando as investigações para um lado para o outro".
Para o delegado, qualquer conclusão no momento é "achismo". Ele ressalta que é preciso aguardar o resultado dos laudos produzidos a partir das duas perícias realizadas, tanto na torre quanto no local das mortes e ferimentos.
"Uma coisa já podemos dizer. Não existe seteira (orifício usado para sustentar canosarmas) na torre. Existe um buraco na parede que não dá visão para lá (o local dos ataques). Se há ânguloalgum local da torre para aquela localidade, isso quem vai afirmar é a perícia. Neste momento, afirmar que aconteceu ou não é achismo", reitera.
Após os tiros que feriram Vitor e mataram Rômulo no dia 29janeiro, a SecretariaPolícia Civil afirmou que "não autorizou nenhuma açãosnipersdentro da Cidade da Polícia" e anunciou que a DelegaciaHomicídios abriu um inquérito para apurar o caso.
Climamedo
Na segunda-feira, Vitor era o centro das atenções no exato local onde foi baleadoManguinhos. Durante a perícia da Polícia Civil, percorreu diversas vezes os poucos passos da vendinhafrutas onde comprou águacoco, até o ponto onde caiu baleado.
Posou pacientemente para fotos tiradas pelos peritos,vários ângulos. Eles buscavam estabelecer uma relação entre o local onde ele foi ferido e a torre, e determinar se havia uma visada possível para que um tiro lá do alto pudesse encontrar o corpo magro do ajudantepedreiro.
Mediram os buracostiros nas paredes amarelas ao ladoonde caiu. Piscaram uma lanterna insistentementedireção à torre na Cidade da Polícia, enquanto falavam por telefone com outro perito que estava lá no alto, e cuja cabeça se avistava do local, destacando-se no alto da estrutura.
Esta foi a segunda perícia realizada pela Polícia Civil e pelo GrupoAtuação EspecializadaSegurança Pública (GAESP), do MPRJ, para apurar as denúncias sobre snipers. Na semana passada, o grupo vistoriou a torre para averiguar se poderia ser usada como plataforma para um atiradorelite.
Desta vez, na visita à comunidade, a perícia foi acompanhada pela Defensoria Pública, que coletou testemunhosmoradores entre o fimjaneiro e o iníciofevereiro. O relatório, refletindo o pânico sentido pelos moradores, deu origem ao inquérito aberto pelo Ministério Público.
De acordo com a defensora Lívia Cásseres, do NúcleoDireitos Humanos da Defensoria Pública, as testemunhas repetiram a versãoque viram o sentido dos disparos, afirmando que vieram do alto, da direção da torre. A maioria, entretanto, não quis se identificar nem prestar depoimento formal. O único que topou foi Vitor, que ainda assim mantém a identidade oculta, e preferiu esconder o rosto da polícia e da imprensa durante a perícia.
Perigo na esquina
A Praça Flamenguinho estava vazia quando a perícia começou, com a chegada dos peritos escoltados por 17 policiais civis fortemente armados. Mas aos poucos gruposmoradores foram se aglomerandovolta para observar, a maioriamulheres e crianças.
A BBC News Brasil tentou saber a opiniãoum grupomeninos. "Eu sou cego, surdo e mudo, tia", respondeu um deles, causando risos nos outros enquanto refletia o códigoconduta, ousobrevivência, local.
A dona da vendinha onde Vitor comprara o coco antesser ferido tampouco quis falar. "Eu não vi nada não", disse ela sobre o dia dos tirosque tanto Vitor quanto Rômulo foram alvejados. Embora esteja ao lado da esquina que é tida como o alvo dos disparos, ela desconversa, e diz que as vendas do dia a dia continuam. "Quando tem tiro, eu corro para lá", disse, indicando uma rotaescape.
A praça é um pontoencontro na comunidade, com uma quadrajogos, um chuveirão no qual as crianças se esbaldam nos dias quentes e lanchonetes e biroscas que abrem todas as noites e nos finssemana.
Mas uma moradora diz que o lazer tem sido interrompido por episódiosdisparos, que destoamconfrontos comunsManguinhos efavelas dominadas por facções criminosas no Rio.
"Não tem trocatiro, não está tendo operação, não está tendo nada. De repente vem um tiro só, e esse tiro é fatal", diz. "Só que o Vitor agora é um sobrevivente para contar essa história."
Apesar do medose expor, Vitor diz que quis falar, e participar da perícia, "para eles verem que o tiro está vindolá mesmo, está acertando os outros".
"Eu não quero que ninguém passe pelo que eu passei", afirma.
Política'snipers'
Em um espaçoapenas cinco diasjaneiro, dois moradoresManguinhos foram mortos na esquina da Rua São Danielcircunstâncias parecidas. Eram dias calmos na comunidade, sem tiroteio nem operações policiais. Os tiros, segundo os familiares, teriam vindoforma repentina.
Carlos Eduardo dos Santos Lontra,27 anos, foi baleado na barriga no dia 25janeiro, dias antes da morteRômulo e do ferimentoVitor. Parentes acreditam que os tiros foram disparados da torre da Cidade da Polícia.
Os relatos obtidos pela Defensoria Pública apontam para outras três execuções ocorridas no mesmo local no fim do ano passado,setembro, outubro e dezembro. As datas coincidem com o períodointervenção federal na áreasegurança pública do Rio e também com o período eleitoral.
Ao longo da campanha, o novo governador do Rio, Wilson Witzel, defendeu o usoatiradoreselite para abater, à distância, criminosos portando fuzis ou outros armamentosuso restrito - o que seria ilegal, não podendo se enquadrar como legítima defesa. Chegou a afirmar que o correto seria a polícia "mirar na cabecinha e… fogo!", disparar contra bandidos com fuzis.
Questionado pela BBC News Brasil, o núcleoimprensa do Governo do Estado ressalta que os casos estão sendo investigadosforma transparente pela Polícia Civil, e que não há como emitir um posicionamento antes que haja uma conclusão sobre a origem dos tiros.
Para a advogada Maria Laura Canineu, diretora do escritório da Human Rights Watch no Brasil, é precipitado fazer qualquer correlação entre as suspeitas as falas do governador sobre snipers. Ela considera, entretanto, que os posicionamentosWitzel a favorpolíticassegurança linha-dura geram um ambiente mais propício a excessos policiais, issoum contextoque o Rio alcançou um número recordemortes cometidas pela polícia - foram 1.530 pessoas2018, o maior número desde que o Estado começou a coletar os dados1998.
"Quando a polícia ageforma excessiva, quando executa ou matacircunstâncias suspeitas, isso não ajuda a conter a criminalidade, mas produz um climaabsoluta desconfiança", afirma.
Esse efeito, considera, é nítidoManguinhos. "Os moradores têm medo, não têm confiança e têm dificuldadecooperar com a polícia, porque se consideram vítimasexcessos cometidos por policiais. Esse tipoatitude é contraproducente", lamenta.
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