Sem criação da Palestina, Israel viverá apartheid, diz rabino progressista no Brasil:poker g

Nilton Bonder
Legenda da foto, Para Nilton Bonder, da Congregação Judaica do Brasil, postergar resolução do conflito criará 'situação insustentável' para Estado judeu

Seu bestseller A Alma Imoral foi adaptado pela dramaturga Clarice Niskier para o teatro e inspirou um documentário que Bonder está produzindo com o cineasta Silvio Tendler. Outra obra, Exercícios d'Alma, rendeu-lhepoker g2000 o prêmio Jabuti na categoria religião.

Nascidopoker gPorto Alegre há 60 anos e radicado no Riopoker gJaneiro desde os seis, Bonder também ganhou visibilidade no meio religioso por suas posições progressistaspoker gtemas morais. Favorável à descriminalização do aborto e ao casamento gay, tornou-se alvopoker gcríticas e ressalvas entre grupospoker gjudeus mais conservadores, com quem diz ter uma relação por vezes tensa.

Como no judaísmo rabinos não estão subordinados a um órgão hierárquico central como o Vaticano e têm relativa autonomia, diz se sentir à vontade para continuar difundindo suas ideias, desde que siga legitimado porpoker gcomunidade.

Bonder recebeu a BBC Brasil na tardepoker gterça-feira no Midrash, centro cultural que dirige no Leblon, bairro nobre do Rio. Confira os principais trechos da entrevista.

poker g BBC Brasil - Conversamos enquanto palestinos enterram maispoker g50 pessoas que foram mortas nos últimos dias por forças israelenses ao protestarpoker gGaza. Qualpoker gvisão dos eventos?

poker g Nilton Bonder - Acho uma tragédia e um horror pelo númeropoker gmortos. É um evento cíclico. Já houve dois levantes suicidaspoker gGaza. Este é o terceiro. Por um lado, é uma tentativapoker ginvasãopoker gum país. Não é uma caminhada pacífica, independentementepoker gser meritória ou não.

E tem obviamente uma resposta muito violenta. A pergunta é: como não fazer isso? O Exércitopoker gIsrael tentou conter a invasãopoker goutras formas. Mas, não tendo resultado, fizeram algo para evitar algo que talvez fosse até maior. Se os palestinos invadissem, que tipopoker gconfronto haveria? Para mim, o mais grave é que a solução do conflito israelense-palestino continua sendo postergada.

Palestino feridopoker gGaza sendo carregado

Crédito, EPA

Legenda da foto, Para rabino, o que acontecepoker gGaza é 'uma tragédia e um horror pelo númeropoker gmortos'

poker g BBC Brasil - Críticos dizem que Israel agiu com força desproporcional.

poker g Bonder - A Palestina está nas mãospoker gIsrael, que é uma nação muito mais poderosa. Mas a condiçãopoker gIsrael não é tão simples. Nenhum país abre mãopoker gsua segurança. Veja a situação na Síria. Aquele país foi pulverizado. Não há como tirar isso da cabeçapoker gquem morapoker gIsrael. O Líbano, basta um sopro e ele desmonta. A Jordânia, idem.

poker g BBC Brasil - Não há exageropoker gcomparar a situação na Síria com apoker gIsrael, uma potência nuclear apoiada pelos EUA?

poker g Bonder - O problemapoker gIsrael não é o desaparecimento, a fragmentação total, mas ficar nesse lugarpoker gser posto na parede. É um país cercado por hegemonias. Turquia e Irã são duas potências regionais reais. Poucas décadas atrás, havia discursos e tentativaspoker gtornar Israel um inimigo comum. Isso não é uma fantasia.

poker g BBC Brasil - O senhor escreveu que a paz se alcança com o equilíbrio entre compaixão e severidade. Tem faltado compaixão e sobrado severidade a Israel?

poker g Bonder - Minha preferência é que houvesse mais determinação por compaixão. Manter sob controle uma população (palestina) é sempre uma violaçãopoker gdireitos humanos. Mas as ações dentropoker gIsrael não são excessivamente brutas com o intuitopoker gdominar. Elas são uma percepção muito clarapoker gque, se você não falar alto numa região onde a cultura é machista, você dança. É um mundo que não é a Europa.

poker g BBC Brasil - Como avalia a decisão dos EUApoker gmudarpoker gEmbaixada para Jerusalém?

poker g Bonder - Entendo que entre muitos países haja um desejopoker gque o statuspoker gJerusalém não fique totalmente determinado e esteja resguardado para uma negociaçãopoker gpaz entre dois Estados. Por outro lado, do pontopoker gvista israelense, Jerusalém foi o ponto focal do sonho judaico. A capital não ser Jerusalém seria quase um absurdo, um atendimento a um olhar externo que nenhum país soberano faz.

Essa questão tem legitimidade e deveria avançar por algum processo próprio, sem que, ao reconhecê-la como capital, os países estivessem forçosamente definindo um status definitivo para a cidade. A mudança da Embaixada americana para Jerusalém não inviabiliza conceitualmente que também possa existir uma Jerusalém capital palestina, no lado oriental, e uma futura embaixada americana lá. O grande problema é que Trump dá esse passopoker gmaneira quase provocativa, com uma retórica muito assertiva. É uma estratégia muito comum na direita: criar fatos muito claros para possibilitar negociações.

Ivanka Trump

Crédito, EPA

Legenda da foto, Ivanka Trump participou da cerimôniapoker gabertura da Embaixada dos EUApoker gJerusalém que, provisoriamente, vai funcionar no prédio do consulado americano na cidade

poker g BBC Brasil - Alguns veículos jornalísticos nos EUA levantaram a hipótesepoker gque, ao transferir a Embaixada, Trump estivesse na verdade atendendo a demandapoker gum judeu americano que fez uma grande doação àpoker gcampanha.

poker g Bonder - Acho uma visão um pouco folclórica. Está muito maispoker gjogo o interesse político do Trumppoker gse reeleger. Tenho que reconhecer que, apesarpoker gfazer tudo politicamente errado, ele tem se mostrado genial no que tem feito. Porque, por métodos que considero totalmente equivocados e colocandopoker grisco conquistas internas e externas da sociedade americana, ele tem se mostrado bastante eficiente.

poker g BBC Brasil - Como o impasse na região poderia ser superado?

poker g Bonder - Vejo duas maneiras: uma seria uma força externa empurrar Israel a negociar. Hoje acho que essas forças não têm interesse. Os EUA, pela presença dos judeus nos EUA e pelos interesses americanos no Oriente Médio. A própria Rússia, por incrível que pareça, tem uma dubiedade muito grandepoker ginteressespoker grelação a Israel.

A outra maneira seria uma pazpoker gque se estabelecesse o real status quo da região. Lá atrás, israelenses e palestinos eram duas forças semelhantes, que teriam encontrado um modus vivendi dentro das forças reais do lugar. Mas os palestinos não tiveram muita voz ativa nas negociações, porque não tinham uma organização e foram representados por países árabes com interesses totalmente diferentes dos seus.

O equilíbiropoker gforças mudou. O peso econômico e populacionalpoker gIsrael é hoje muito maior. A construção mítica palestina, quepoker gdado momento chegou a ser a erradicaçãopoker gIsrael, hoje é fantasiosa. E conforme o tempo passa, eles vão perdendo mais. Há a ideiapoker gque, se os palestinos não negociarem nessas condições, será ainda pior no futuro. A questão dos assentamentos é o elemento mais complexo. Acho que foi feito propositalmente para criar uma situaçãopoker guma negociação mais vantajosa para Israel do pontopoker gvista territorial.

poker g BBC Brasil - A estratégiapoker gempurrar a solução para frente traz riscos?

poker g Bonder - Ela é muito arriscada para Israel, porque os palestinos vão ficando cada vez mais sufocados. E poderá chegar um momentopoker gque vão perder a viabilidade, se é que já não perderam,poker gser um Estado. A paz é importante para a sobreviênciapoker gIsrael a longo prazo. O futuropoker gIsrael époker galguma forma uma integração daquela região. Sem ela, Israel vai ficar para sempre com uma população que não vai fugirpoker gum apartheid. A normatização dessa vida, que vem progredindo cada vez mais, será um apartheid.

Jerusalém

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Legenda da foto, 'A capital não ser Jerusalém seria quase um absurdo, um atendimento a um olhar externo que nenhum país soberano faz', diz o rabino

poker g BBC Brasil - Já não vigorapoker gIsrael alguma formapoker gapartheid?

poker g Bonder - Hoje não considero que haja, pois aquilo é um lugarpoker gguerra. Há uma relativa autonomiapoker gGaza e na Cisjordânia. A opressão aparece quando o palestino quer entrarpoker gIsrael ou tempoker gse locomover. Tem característicaspoker gapartheid, mas não é nos moldes da África do Sul, porque não existe uma ideologia desse domínio - a não serpoker ggrupos pequenos da direita e radicais religiosos. Mas a normalização da vida nessas condições produz aspectospoker gapartheid,poker gdiferenciações entre cidadanias. É insustentável o governo israelense jogar isso para o longo prazo.

poker g BBC Brasil - Esse apartheid não poderia inverter as forçaspoker gIsrael, como houve na África do Sul com a ascensão dos negros? Os palestinos podem acabar no comandopoker gIsrael?

poker g Bonder - A grande diferença é que a maioria da África do Sul era negra. Aquilo realmente não tinha sustentabilidade. O problema para Israel é a junção dos 20% dos árabes que vivem lá com ospoker gGaza e os da Cisjordânia e, no futuro, com a taxapoker gnatalidade que eles têm, podem sim superar os judeus. É um perigo futuro, mas não há hoje uma minoria administrando uma maioria.

poker g BBC Brasil - Que acha do movimento pelo boicotepoker gIsrael?

poker g Bonder - Achopoker guma hipocrisia absurda, porque ninguém faz isso com a Rússia ou outros países que têm problemaspoker gdireitos humanos. Capitaliza o fatopoker gque Israel é pequena e canaliza um olhar com um antissemitismo dissimulado. Essa estratégia reforça uma reaçãopoker gIsrael e dos judeus, porque eles identificam que ali tem dois pesos e duas medidas.

Palestinos manifestando no dia da Nakba

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, 'É quase um absurdo que as pessoas fiquem tão horrorizadas e chamem issopoker ggenocídio quando, numa cidade como o Rio, morra mais gentepoker gum ano que nos 70 anos do conflito israelo-palestino', diz Bonder

poker g BBC Brasil - Como o senhor encara a aproximação entre Israel e igrejas evangélicas brasileiras?

poker g Bonder - Com muita preocupação. Para Israel, é muito negativo ser queridinha do Trump e ter o apoio desse grupo. Israel é muito apresentada como um país do mal, um país que faz coisas erradas. Toda vez que aparece um grupo que a apoia, é muito sedutor para a comunidade judaica. Só que essa é uma armadilha para a comunidade judaica. Dou muita importância à questão das minorias, dos preconceitos, da liberade religiosa. Como você pode estar juntopoker gum grupo que trava uma guerra silenciosa contra tradições afrobrasileiras? Com ideias anti-imigração? A ampla maioria dos judeus é imigrante.

poker g BBC Brasil - Por que o senhor criticou o clube Hebraica do Riopoker gJaneiro por convidar o deputado Jair Bolsonaro a fazer uma palestra?

poker g Bonder - Porque houve um sequestropoker grepresentatividade. Devem existir 50 entidades judaicas no Riopoker gJaneiro. A Hebraica talvez seja a menos representativa. É um clube falido. Quando o nome Hebraica, um nome sugestivopoker grepresentatividade, apareceu junto com bandeirapoker gIsrael, achei um absurdo. Usurparam a imagem.

poker g BBC Brasil - O apoio a Bolsonaro é minoritário entre judeus brasileiros?

poker g Bonder - Totalmente. A comunidade judaica sempre teve radicais nos dois extremos, na esquerda e na direita. A grande maioria das pessoas está no centro.

poker g BBC Brasil - O presidente da Confederação Israelita do Brasil, Fernando Lottenberg, disse que um manifesto recente do PSOLpoker gque Israel era chamadopoker g"Estado genocida" expressava antissemitismo. O que achou do manifesto?

poker g Bonder - É quase um absurdo que as pessoas fiquem tão horrorizadas e chamem issopoker ggenocídio quando, numa cidade como o Rio, morra mais gentepoker gum ano que nos 70 anos do conflito israelo-palestino. Obviamente tem uma marcação política aí. São dois pesos e duas medidas. Por que a esquerda elege certos temas como suas grandes bandeiras e fogepoker goutros? E faz uma leitura muitas vezespoker gIsrael que tem características antissemitas, sim. Há uma tentativapoker gvinculá-la ao capital, ao domínio do mundo. Tem reverberações ali, como nesse manifesto, que realmente soam antissemitas. O que não tem nada a ver com uma esquerda que se posicone a favor da causa palestina e que esteja a favorpoker gquestões contrárias a interessespoker gIsrael ou da comunidade judaica. Isso é legítimo.

Jair Bolsonaro

Crédito, Agência Brasil

Legenda da foto, Bonder criticou o clube Hebraica do Riopoker gJaneiro por convidar o deputado Jair Bolsonaro a fazer uma palestra

poker g BBC Brasil - Como o senhor, um líder religioso, encara a crescente influênciapoker gpolíticos religiosos no Brasil?

poker g Bonder - Já escrevi muitos artigos contra a mistura Estado-Igreja, que continuo assinando embaixo. Mas é uma guerra perdida. É algo muito difícilpoker gser contido porque a identidade dos evangélicos é suprarreligiosa. Enquanto um católico é católicopoker greligião,poker galguma forma os evangélicos têm uma identidadepoker gpertencimento a essa comunidade com interesses políticos específicos. É quase impossível dentropoker guma democracia você negar a legitimidade se isso tem essa dimensãopoker gidentidade.

poker g BBC Brasil - Acha que o aborto deveria ser descriminalizado?

poker g Bonder - Sim. A manutenção (da lei proibindo o aborto) é a imposiçãopoker guma moral específica,poker gum grupo específico. E, do pontopoker gvista da saúde, é um crime com o Brasil.

poker g BBC Brasil - É possível ser judeu sem acreditarpoker gDeus?

poker g Bonder - Completamente. O judaísmo não é uma religião moderna, ele não advémpoker gideias levadas para alguns lugares com o interessepoker gproduzir identidades ou reduzir a beligerância, caso do que houve no Império Romano (com o Cristianismo) ou do que Maomé fez (com o Islã) ao unificar tribos que batalhavam desde tempos antigos. O judaísmo não nasce assim, ele nasce como uma religião-estado. Aquele povo tinha suas crenças, e essas crenças estavam misturadas com a cultura e a tradição. O judaísmo tevepoker gse reiventar como uma religião a partir do Iluminismo, quando as outras religiões cobravam isso. Mas a identidade é muito mais ampla. A riqueza da história judaica, o sofrimento, a questão nacionalpoker gIsrael - há várias âncoras para essas identidades que estão acima do aspecto da crençapoker gDeus.

Confronto entre palestinos e israelensespoker gGazapoker g14poker gmaiopoker g2018

Crédito, EPA

Legenda da foto, Bonder diz que mudança da embaixadapoker gTel Aviv para Jerusalém não inviabiliza a possibilidadepoker go lado oriental da cidade ser a capital do futuro Estado Palestino nempoker gos EUA abrir uma representação diplomática lá

poker g BBC Brasil - Sua fé oscila?

poker g Bonder - Sempre. A fé é uma luta constante do ser humano para preservar um olhar positivo para a vida, aconteça o que acontecer. Nesse lugar, a fé é sempre um desafio. Você não pode ter certezapoker gque não vai acontecer algo napoker gvida que não vá colocá-lapoker gquestão. Aceitá-la como algo já determinado significa desligar a leitura críticapoker grelação à vida.

Ao mesmo tempo, absorvo da tradição judaica e represento valorespoker guma fé inquebrantável: a fé coletiva dos judeus. Muitas vezes tenho que me meterpoker gsituações complicadas,poker gque as pessoas estão questionando essa dimensãopoker gfé, e tento apresentá-la nessa dimensão coletiva. Ali ela é fixa,poker galguma forma.

Mas, na minha experiência pessoal, considero isso uma constante batalha. Espero que, com minha maturidade, ela esteja mais sólida. Mas não tenho essa certeza.