Famíliaceara e são paulo palpitesvenezuelanos surdos reconstrói a vida vendendo arepas na zona norte do Rio:ceara e são paulo palpites
"Acho que é mais difícil para um surdo por causa do problemaceara e são paulo palpitescomunicação", diz o pai, Dionel,ceara e são paulo palpitesentrevista traduzida para um português recém-aprendido pelo filho mais velho, Dionel Gregorio Acosta Silva. "O português e o espanhol são um pouco parecidos. Uma pessoa ouvinte tem mais possibilidadeceara e são paulo palpitesse comunicar com uma pessoa ouvinte aqui no Brasil que um surdo."
Dionel foi professorceara e são paulo palpiteslínguaceara e são paulo palpitessinaisceara e são paulo palpitesCaracas, onde a família morava, por dez anos. Ganhava muito pouco e começou a passar longas temporadas no Brasilceara e são paulo palpites2012 para juntar dinheiro, já decidido a se mudar e trazer a família.
Foram anos vendendo balas nas ruas e às vezes fazendo bicosceara e são paulo palpitessupermercadosceara e são paulo palpitesBoa Vista, Manaus, Foz do Iguaçu ou São Paulo. Cada vez que voltava para casa, via a situação do país piorar.
"Eu não via o paísceara e são paulo palpitesque nasci. Via tudo mudado, muito diferente. Um país sem nada nas farmácias, sem remédios, e com muitas mortes e sequestros", conta.
Golpe na travessia
No começo do ano passado, Dionel trouxe para o Rio o filho mais velho. Em novembro, Argelia veio com os filhos mais novos, Javier e Argelina. Percorreramceara e são paulo palpitesônibus os 1.250kmceara e são paulo palpitesCaracas até Santa Elenaceara e são paulo palpitesUairén, cidade venezuelana logo antes da fronteira com o Brasil, e depois pegaram um táxi para entrarceara e são paulo palpitesRoraima e chegar a Pacaraima, seguindo a principal rotaceara e são paulo palpitesentrada no país- eceara e são paulo palpiteslá seguindoceara e são paulo palpitesônibus até Boa Vista.
Roraima concentra o maior númeroceara e são paulo palpitesvenezuelanos que buscam refúgio no Brasil, mas a Cáritas Arquidiocesana do Rioceara e são paulo palpitesJaneiro, organização humanitáriaceara e são paulo palpitesassistência, estima que o Rio esteja se tornando o segundo principal destinoceara e são paulo palpitesvenezuelanos, somando os que chegaram diretamente no passado e os muitos que têm entrado no Brasil por Roraima e viajado para o Rio por conta própria.
O panorama pode mudar com o programaceara e são paulo palpitesinteriorização que começou a ser implementado pelo governo federalceara e são paulo palpitesabril, com planosceara e são paulo palpitestransferir milharesceara e são paulo palpitesvenezuelanosceara e são paulo palpitesRoraima para cidades como Manaus, Cuiabá, Campinas e Belo Horizonte até o fim do ano.
"Quando chegamos foi um alívio, mas passamos fome e tínhamos pouco dinheiro", conta Argelia.
A duras penas, Dionel conseguira juntar R$ 5 mil para comprar as passagens dos trêsceara e são paulo palpitesBoa Vista para o Rio, mas caiu num golpeceara e são paulo palpitesum agenteceara e são paulo palpitesviagem. Quando a família chegou ao aeroporto, os bilhetesceara e são paulo palpitespapel não valiam nada. Ficaram dois dias esperando no aeroporto até a situação se resolver.
"Foi tudo uma fraude. Graças a Deus, a companhia aérea nos ajudou e nos colocouceara e são paulo palpitesum hotel com tudo pago", relata Argelia. "Depois disso, um amigo do meu cunhado no Brasil emprestou o seu cartãoceara e são paulo palpitescrédito para comprarmos as passagens, e conseguimos chegar ao Rio. Aqui estamos. Foram muitas lutas."
Dionel já conseguiu um documento para residência permanente no Brasil, mas as solicitaçõesceara e são paulo palpitesrefúgio da família ainda estãoceara e são paulo palpitesaberto.
De acordo com o Ministério da Justiça, o fluxoceara e são paulo palpitesvenezuelanos representa o maior númeroceara e são paulo palpitespedidosceara e são paulo palpitesrefúgios feitos no Brasil, com 28.151 solicitações feitasceara e são paulo palpites2013 até janeiro deste ano - com um recordeceara e são paulo palpites17.865 pedidos no ano passado, e 5.845 só nos primeiros dois mesesceara e são paulo palpites2018. Apenas 18 pedidosceara e são paulo palpitesrefúgio foram concedidos por enquanto.
O irmão e o paiceara e são paulo palpitesDionel também vieram para o Brasil e estão morandoceara e são paulo palpitesSão Paulo. Já Argelia deixou a mãe e a avó na Venezuela, e sonhaceara e são paulo palpitestrazê-las. "Tive que deixar a minha família e isso foi muito difícil", afirma. Em compensação, os pais e filhos estavam separados havia muito tempo. "Por esse lado foi muito bom. Estamos juntosceara e são paulo palpitesnovo."
Arepas e 'papelón con limón'
Se o dinheiro juntado vendendo balas ajudou a trazer a família, agora que estão instalados os dois resolveram investir nas arepas. A iguaria típica da Venezuela é uma espécieceara e são paulo palpitespãoceara e são paulo palpitesfarinhaceara e são paulo palpitesmilho, cortado ao meio para receber recheios como frango ou carne desfiados, queijo com presunto ou "reina pepiada" - frango com abacate.
"Eles preferiram a cultura venezuelana do que só vender doces, né?", diz Dionel filho, traduzindo as respostas dos pais na sala da casa. O cômodo serveceara e são paulo palpitesquartoceara e são paulo palpitesdormir para as crianças, com uma pilhaceara e são paulo palpitescolchões ocupando um canto e uma grande bandeira da Venezuela pendurada na parede.
A família está morandoceara e são paulo palpitesum apartamentoceara e são paulo palpitesfundos no Engenho Novo, na zona norte do Rio, pouco abaixo do Morro São João, favela dominada por uma facção criminosa.
Recentemente, as crianças subiram o morro para ir cortar o cabeloceara e são paulo palpitesum barbeiro indicado pela vizinha e depararam com traficantes armados.
"Aqui é um pouco perigoso, mas tem mais segurança que na Venezuela", considera Dionel. Ele teme, entretanto, confrontos entre a polícia e bandidos, e gostariaceara e são paulo palpitesse mudar para um local mais seguro quando tiver recursos para isso.
Além dos salgados, eles vendem garrafinhasceara e são paulo palpites"papelón con limón", um suco escuro e bem doce feito com rapadura e limão; e bolosceara e são paulo palpitespote, nos saboresceara e são paulo palpiteschocolate, tortaceara e são paulo palpiteslimão e "três leites" (sabor popular na Venezuela e outros países da América do Sul, feito com pãoceara e são paulo palpitesló, leite condensado, cremeceara e são paulo palpitesleite e leite fervido).
Um cartaz colado à caixa térmica que usam para vender nas ruas anuncia os sabores disponíveis, todos a R$ 5, e o nome da marca que adotaram: RioVen, unindo Rio e Venezuela. Também fizeram cartõesceara e são paulo palpitesvisita para receber encomendas e oferecer arepas e outros salgados para festas.
Perdidos na tradução
Os cartazes são importantes para facilitar a comunicação, sobretudo quando as crianças estão na escola e Argelia sai para vender as arepas na rua sozinha.
"No começo a minha mãe não conseguia vender", diz o filho mais velho, contando que as pessoas reagiam com um olharceara e são paulo palpites"não estou entendendo nada". Até que o jovem Dionel começou a namorar uma colegaceara e são paulo palpitesturma na escola, Thaynara Cristina da Silva Genoínio,ceara e são paulo palpites17 anos. Ela começou a ajudarceara e são paulo palpitesmãe, saindo para vender com ela todos os sábados.
"A gente esta aí nessa parceria. Eu pretendo trabalhar com eles todos os dias", anima-se Thaynara, que tem acompanhadoceara e são paulo palpitesperto as batalhas e as pequenas vitórias da família. Quando Argelia e os pequenos Javier e Argelina desembarcaram no Aeroporto Internacional Antônio Carlos Jobim,ceara e são paulo palpitesnovembro, a jovem acompanhou o namorado para recebê-los.
"Foi muito emocionante quando eles chegaram. Quando ele viu a mãe, não paravaceara e são paulo palpitesabraçar. A família ficou horas e horas se abraçando".
As três crianças já estão matriculados na rede pública, e a caçula Argelina conta com um intérpreteceara e são paulo palpiteslibrasceara e são paulo palpitessalaceara e são paulo palpitesaula, numa escola municipal.
Mãe e filha estão tendo que aprender a se comunicarceara e são paulo palpiteslibras, a língua brasileiraceara e são paulo palpitessinais. O idiomaceara e são paulo palpitessinais é diferenteceara e são paulo palpitesum país para o outro. Dionel já aprendeu - diz ter tido sorte por conhecer algumas pessoas surdas ao chegarceara e são paulo palpitesRoraima e ser levado a uma associação onde obteve ajuda e começou a aprender a língua.
'É difícil, mas é um recomeço'
A BBC Brasil acompanhou uma sessãoceara e são paulo palpitesvendas durante o feriado, quando toda a família se juntou à empreitada. Argelia e o filho do meio, Javier, saíram vestidos com camisas da seleção venezuelana.
O percursoceara e são paulo palpitesvendas é pelas ruas perto da casa. Na faltaceara e são paulo palpitespermissão para ter um ponto fixoceara e são paulo palpitesvendas, a família estacionaceara e são paulo palpitespontos sombreados, como um postoceara e são paulo palpitesgasolina onde passaram cercaceara e são paulo palpites15 minutos até serem avisadosceara e são paulo palpitesque não poderiam ficar ali - não sem antes vender para pelo menos dez motoristas que abasteciam e alguns funcionários do posto.
Enquanto Thaynara e as crianças abordavam os carros esperando na fila, os pais cuidavamceara e são paulo palpitesdistribuir quentinhas com as arepas e o troco. Cada venda era comemorada como uma pequena vitória pelas crianças.
O casal diz que está juntando dinheiro pouco a pouco e sonhaceara e são paulo palpitesabrir uma lojaceara e são paulo palpitesarepas, alémceara e são paulo palpitespoder trazer a avó e a bisavó das crianças para o Brasil. Enquanto isso, eles ajudam enviando dinheiro para elas na Venezuela.
"Eles acham que é melhor ficar aqui, que não é bom voltar", diz Dionel filho, traduzindo para os pais. "Talvez quando já não esteja o mesmo presidente (Nicolás Maduro) nem o mesmo governo, poderíamos ir para láceara e são paulo palpitesnovo. Ou talvez não. Já estamos um pouco mais acostumados aqui no Brasil."
"É difícil estar aqui, é um recomeço", diz o casal. "Mas o objetivo é juntar dinheiro, ter uma loja, trazer um pouco da cultura da Venezuela. E dar uma vida melhor para todos os familiares que estão passando dificuldades lá. Para que todos possam ter uma vida melhor, pouco a pouco."
* Imagens e edição: Pedro Prado.