É preciso questionar as regras que me fizeram ser reconhecida apenas aos 71 anos, diz escritora:jogar bingo online gratis

Em conversa com a BBC Brasil, Conceição questiona as dinâmicas que tornam a ascensão social e profissional tão difícil para mulheres e para negros no Brasil.

Leia os principais trechos da entrevista:

jogar bingo online gratis BBC Brasil - Depoisjogar bingo online gratis130 anos da abolição da escravatura, como a mulher negra é vista hoje no Brasil?

jogar bingo online gratis Conceição Evaristo - Acho que são 130 anosjogar bingo online gratisuma abolição inconclusa. Inconclusa porque nós - a população pobrejogar bingo online gratisgeral, e mais ainda as mulheres negras - ainda não conquistamos uma cidadania plena no que diz respeito a habitação, emprego, condiçõesjogar bingo online gratisvida. A sociedade brasileira ainda tem essa dívida histórica para com a população negra, e mais ainda para com as mulheres negras.

As mulheres já enfrentam interdições por questõesjogar bingo online gratisgênero. No caso das negras, as interdições estão fundamentadas na questãojogar bingo online gratisgênero e na questãojogar bingo online gratisraça. Para as mulheres negras, a conquistajogar bingo online gratisdeterminados direitos ejogar bingo online gratisdeterminados espaços é muito mais difícil.

jogar bingo online gratis BBC Brasil - A senhora levou 20 anos para publicarjogar bingo online gratisprimeira obra. Por que demorou tanto, quais foram os obstáculos?

jogar bingo online gratis Conceição Evaristo - A primeira obra que eu escrevi, Becos da Memória, ficou guardada durante 20 anos. Eu mandei para várias editoras. O texto literário, no caso da autoria negra, carrega a nossa subjetividade na própria narrativa. A temática negra, principalmente quando trabalha com identidade negra, não é muito bem aceita.

Quando a temática negra trata do folclore, ou não é tão reivindicativa, aí interessa. Mas quando questiona as próprias relações raciais no Brasil, é quase um tema interdito. Principalmente se isso é colocado pela própria autoria negra.

Até então, os brancos podiam dizer a nosso respeito. Mas quando a gente se apropria do nosso discurso, da nossa história, isso é motivojogar bingo online gratisinterdição.

jogar bingo online gratis BBC Brasil - A senhora usa a expressão "escrevivências" para falar najogar bingo online gratisescrita, feita a partirjogar bingo online gratissuas vivências como mulher, negra,jogar bingo online gratisorigem pobre. Acha que está aí a forçajogar bingo online gratissua obra?

jogar bingo online gratis Conceição Evaristo - Não é que o homem não possa escrever sobre a mulher. Pode. Não é que o branco não possa escrever sobre o negro. Pode.

Mas quando esse discurso falado ou escrito carrega a nossa subjetividade, justamente porque ele nasce num lugar social, num lugarjogar bingo online gratisgênero, num lugar racial diferente, ele traz determinadas peculiaridades que aquele que escrevejogar bingo online gratisfora, por mais que seja competente do pontojogar bingo online gratisvista intelectual ou emocional, não vai trazer. Ele não traz uma cargajogar bingo online gratisquem escrevejogar bingo online gratisdentro.

Aqui não tem nenhum juízojogar bingo online gratisvalor,jogar bingo online gratisquerer dizer qual texto é mais bonito. Não é isso não. Mas trata-sejogar bingo online gratisapontar esse local diferente onde esse discurso nasce e é desenvolvido.

jogar bingo online gratis BBC Brasil - Mas a senhora fala na importânciajogar bingo online gratisescrever com uma voz feminina, afro-brasileira, nascidajogar bingo online gratisdentro. Ainda há pouco espaço para essa voz no Brasil, diante das perspectivasjogar bingo online gratisuma elite que descende da colonização europeia?

jogar bingo online gratis Evaristo - Há uma voz hegemônica que quer ser paradigmajogar bingo online gratistudo. Mas isso não significa que o povo não criou, ou não cria, as suas vozes, as suas utopias. Essas vozes, essas utopias, essas formasjogar bingo online gratisreação, essas táticas, elas sempre existiram. Se não existissem, a herança africana que marca a nacionalidade brasileira não existiria, já teria sucumbido.

Na música, na poesia, na literatura, nas religiões afro-brasileiras,jogar bingo online gratissindicatos,jogar bingo online gratisassociaçõesjogar bingo online gratismoradores, essas vozes sempre se pronunciaram.

Mas por mais que uma voz hegemônica queira comandar, a água escapole entre os dedos. Você não segura. Não retém a força da água. Então o povo também encontra maneirasjogar bingo online gratisse afirmar,jogar bingo online gratisfalar,jogar bingo online gratisdizer.

jogar bingo online gratis BBC Brasil - A senhora fala muitos sobre como cresceu cercadajogar bingo online gratismulheresjogar bingo online gratisuma casa muito humilde. Como isso a marcou como mulher e escritora?

jogar bingo online gratis Evaristo - Foram essas mulheres que me formaram. A presençajogar bingo online gratishomens na família foi mais rara. Embora eu tenha aprendido minhas primeiras noçõesjogar bingo online gratisnegritude com um tio, irmão da minha mãe.

Aprendi a liçãojogar bingo online gratisfortaleza com essas mulheres, que não tinham formação escolar completa e aprofundaram o processojogar bingo online gratisalfabetização na medidajogar bingo online gratisque se tornaram responsáveis por criar uma geraçãojogar bingo online gratisfilhos e sobrinhos.

Não falo da "fortaleza" incutida no imaginário que se temjogar bingo online gratisum povo negro que não sente dor, que está sempre a cantar, que tem uma alegria já por herança... Esse imaginário não nos reconhece como seres humanos, com alegrias, tristezas, solidão. Esse imaginário retira nossa vulnerabilidade humana. Essa ideiajogar bingo online gratisfortaleza a gente não reconhece.

A gente reconhece a fortaleza que criamos na resiliência, que nos agrega, que nos salva. Sem essa fortaleza, sem a criaçãojogar bingo online gratistáticasjogar bingo online gratissobrevivência, a nossa ancestralidade morreria nos próprios porões dos navios (negreiros).

jogar bingo online gratis BBC Brasil - O ano passado foi consagrador, comjogar bingo online gratisparticipação da Flip (a Festa Literária Internacionaljogar bingo online gratisParaty) e as exposições que o Itaú Cultural promoveu sobre ajogar bingo online gratisobra,jogar bingo online gratisSão Paulo e no Complexo da Maré, no Rio. Como foi ver ajogar bingo online gratisobra levada para dentro da favela?

jogar bingo online gratis Evaristo - Teve uma importância tremenda. Eu saíjogar bingo online gratisum polo ao outro. Da avenida Paulista (onde fica a sede do Itaú Culturaljogar bingo online gratisSão Paulo), com matéria no jornal dizendo que eu estava no coração financeiro do Brasil, para a Maré.

Foi muito simbólico, porque é como se me devolvessem ao lugar que é meu. Ter a oportunidadejogar bingo online gratisestar com crianças e mulheres da periferia, mulheres pobres, que é uma experiência minha... E poder despertarjogar bingo online gratiscuriosidade, seu desejo, mostrar que determinadas competências não são só das classes privilegiadas, que nós temos determinadas competências como qualquer ser humano pode ter.

Ano passado realmente foi muito fértil para mim. Mas faço questãojogar bingo online gratisafirmar, sem pestanejar: o que me fez não é a mídia. Meu primeiro lugarjogar bingo online gratisrecepção foi o movimento social negro. Foi a militânciajogar bingo online gratishomens e mulheres que me levou para as escolas, para os saraus, para a pesquisa acadêmica.

jogar bingo online gratis BBC Brasil - A senhora acha que o momento atual traz uma abertura maior para a produção culturaljogar bingo online gratismulheres e artistas negros?

jogar bingo online gratis Evaristo - É o que eu desejo. Em todas as áreas, os poucos negros que conseguem uma ascensão social são vistos como históriasjogar bingo online gratisexceção. Mas as históriasjogar bingo online gratisexceção devem ser lidas para se pensar a regra.

Que regras são essas da sociedade brasileira para vermos uma mulher virar um expoente no campo da literatura só aos 71 anos?

Enquanto você vê outras expoentes na literatura que às vezes são meninas com idade para serem minha neta, mas como vêmjogar bingo online gratisum grupo social diferenciado do meu, são mais jovens, são brancas, têmjogar bingo online gratiscompetência logo revelada?

Por que a minha competência está sendo tão tardiamente reconhecida? (...) É preciso questionar essas regras e dinâmicas sociais, culturais e econômicas que tornam tudo muito mais difícil para as pessoas negras.

Se a minha história desperta curiosidadejogar bingo online gratisleitores, do público, da critica literária, da mídia, tenho insistido também para que busquem outras autoras negras que estão produzindo. Podemos citar várias, como a Lívia Natália, a Miriam Alves, Esmeralda Ribeiro, a Geni Guimarães e muitas outras.

Quero que essa visibilidade que estou tendo tenha o efeito positivojogar bingo online gratis(fazer as pessoas) procurar essa autoria negra,jogar bingo online gratismulheres ejogar bingo online gratishomens.

jogar bingo online gratis BBC Brasil - O movimento negro combate o discurso da meritocracia. A senhora conseguiu estudar a duras penas, tendo que trabalhar como babá, faxineira, vendedorajogar bingo online gratisrevistas quando jovem. O quão difícil foi?

jogar bingo online gratis Evaristo - O discurso da meritocracia e os exemplosjogar bingo online gratispessoas negras que acabam se constituindojogar bingo online gratisuma exceção são perigosos. Porque cria-se esse imagináriojogar bingo online gratisque, se a pessoa estudar, trabalhar, se esforçar, ela consegue. Isso é mentira.

Conheço várias pessoas que estudaram, trabalharam, lutaram e não conseguiram. Ficaram pelo caminho. Esse discurso passa a impressãojogar bingo online gratisque as pessoas que não conseguem são preguiçosas. Não é isso. É um esforço sobre-humano.

E, sem sombrajogar bingo online gratisdúvida, eu queria ter conseguido as coisas com muito mais facilidade. Volto a falar: Eu tenho 71 anos. 71 anos não são 71 dias. É claro que estou feliz com o reconhecimento, mas essas conquistas se dão depoisjogar bingo online gratismuito tempojogar bingo online gratisluta. Podia ter sido um pouquinho mais fácil.

jogar bingo online gratis BBC Brasil - Como vê o momento atual do feminismo, com o movimentojogar bingo online gratisdenúncias gerados por campanhas como #MeuPrimeiroAssédio e #MeToo? Acha que o atual Dia da Mulher vemjogar bingo online gratismeio a mudanças positivas?

jogar bingo online gratis Evaristo - Teoricamente, sim. Mas eu não sei até que ponto as verdades que estão sendo colocadas são incorporadas no dia a dia das pessoas. É um pouco cômodo fazer militância pelas redes sociais.

Não há dúvidajogar bingo online gratisque as denúncias feitas nas redes têm o méritojogar bingo online gratisatingir um número enormejogar bingo online gratispessoas, têm valorjogar bingo online gratismilitância e atéjogar bingo online gratisformaçãojogar bingo online gratisconsciência. Mas a luta requer uma participação efetiva nos espaços, ou nos próprios momentosjogar bingo online gratisquejogar bingo online gratispresença é cobrada.

Se é horajogar bingo online gratissair para as ruas, vamos sair para as ruas. Se é horajogar bingo online gratisdar uma aula bem dada, vamos dar essa aula bem dada. Se é horajogar bingo online gratiscompactuar com o outro ao assistir a uma cenajogar bingo online gratisracismo, uma cenajogar bingo online gratisagressão contra o outro, vamos nos pronunciar. É fácil radicalizar nas redes sociais. O mais difícil é se comprometer na hora da prática.

jogar bingo online gratis BBC Brasil - O que gostariajogar bingo online gratisdizer para outras mulheres?

jogar bingo online gratis Evaristo - Eu diria para não perderem a perspectivajogar bingo online gratisluta. Para olhar para o passado e pensar nas mulheres quilombolas, nas mulheres que mesmo com a liberdade cerceada conseguiram deixar a sementejogar bingo online gratisluta,jogar bingo online gratisliberdade, para nós.

É preciso construir o presente sem perder essa linha histórica. Sem perder o exemplo das mulheres que palmilharam o caminho para que hoje estejamos aqui.