Marina Silva: 'Nunca se juntaram por educação, saúde e segurança e agora se unem para salvar a própria pele':

Legenda do vídeo, Marina chama Bolsonaro'populista' e diz não acreditarsolução 'a qualquer custo'

Para Marina, o Congresso tem dificuldadecassar seus integrantes por "corporativismo" e várias legendasdiferentes espectros políticos se unem para "salvar a própria pele". "Aqueles que nunca se juntaram para defender saúde, educação, segurança pública, infraestrutura, agora estão unidos para evitar a punição dos crimes que cometeram", diz, citando o PT, PMDB, PSDB e DEM.

Evangélica, defende o Estado laico. Ambientalista, diz que os céticosrelação ao aquecimento global são minoria e deveriam adotar o princípio da precaução para evitar que o homem destrua a natureza.

Leia os principais trechos da entrevista concedida à BBC BrasilLondres, onde Marina participaum debate e tem buscado experiênciasdiferentes áreas, como educação e meio ambiente, que possam ser aplicadas no Brasil.

BBC Brasil - A senhora tem viajado para fazer palestras na Europa e nos EUA. Na quarta-feira, fala no King's College, aquiLondres. Que mensagem traz nesse momentoturbulência política e crise econômica no Brasil, momento que a senhora definiu como "um poço sem fundo, por ser pior que o fundo do poço" ? Há espaço para otimismo?

Marina Silva - Tem espaço para ter persistência. Venho (à Europa) para uma sériecompromissos. Vim para uma palestra sobre mudanças climáticas, depois fui à Holanda onde conheci uma sérieexperiênciasinovação tecnológica, educação, ativismo social, agricultura, financiamentonovos projetos voltados para a sustentabilidade. AquiLondres, fomos a uma escola interessanteque o currículo integra valores voltados para a sustentabilidade. Quando disse que a gente parecia estar saindo do fundo do poço para uma espéciepoço sem fundo, me referia a algo grave acontecendo no Brasil, que é a pressão sobre a Lava Jato, uma das coisas mais importantes depois da nossa redemocratização. O trabalho que estão fazendo ao mostrar que a lei é para todos, que a corrupção sistêmica deve ser combatida pela raiz, agora está sendo ameaçado por uma ação da dita classe política tentando mudar as regras do jogo.

BBC Brasil - De onde exatamente vem essa pressão?

Marina Silva - Essa pressão vem do Congresso, vem do próprio Executivo que acabaencaminhar um processo para o Supremo propondo que não seja mais válida a prisão daqueles que foram condenadossegunda instância. E, agora, o julgamento do próprio presidente Temer pelo Congresso e a decisão do Supremo que deu ao Congresso a última palavrarelação à punição dos parlamentares. Ou seja, é o único segmento da sociedade que terá poderfazer o seu autojulgamento. Como se não bastasse o foro privilegiado, agora terão o autoindulto privilegiado. Isso será para o Aécio Neves, mas também será para todos os demais que se encontram na mesma situação que ele, envolvidosgraves denúnciascorrupção.

Legenda da foto, 'Como se não bastasse o foro privilegiado, agora terão o autoindulto privilegiado. Isso será para o Aécio Neves, mas também será para todos os demais' | Foto: Agência Senado

BBC Brasil - A senhora já foi senadora, conhece muito bem aquela casa. Qual é a dificuldadese cassar os próprios pares ? Prevalece o corporativismo?

Marina Silva - Além do corporativismo, agora tem outros fatos. Tivemos cassações importantes como a do senador Arruda e do próprio Antônio Carlos Magalhães...

BBC Brasil - Desculpe-me por corrigir a senhora, mas cassados foram o Luiz Estevão, o Demóstenes Torres e, mais recentemente, o Delcídio Amaral. José Roberto Arruda renunciou (Antônio Carlos Magalhães também renunciou)...

Marina Silva - Sim, mas por uma manobra. Renunciou porque sabia que ia ser cassado. A renúncia não foifunçãoum atograndeza; foi porque tinha certezaque seria cassado e, para evitar perder direitos políticos e ficar inelegível fizeram a renúncia. Agora, para além do corporativismo, temos o fatoque são muitos os investigados e comprovadamente culpados no âmbito da Lava Jato. Partidos que antes se combatiam agora estão unidos. PT, PMDB, PSDB, DEM, todos estão juntos para salvar a própria pele, a pele dos seus líderes. É por isso que a dificuldade agora é bem maior. Aqueles que nunca se juntaram para defender saúde, educação, segurança pública, infraestrutura, agora estão unidos para evitar a punição dos crimes que cometeram.

BBC Brasil - A senhora falou da Lava Jato e o medo da pressão, mas acha quealgum momento a operação cometeu algum erro, alguma falha capazcolocar a reputação da investigaçãorisco?

Marina Silva - A Lava Jato vem fazendo um trabalho exemplar e espero que se transforme no novo paradigma para a Justiça brasileira. Todos os mecanismos das instituições públicas têm suas próprias formascontrole. A Lava Jato vem trabalhando junto com o Ministério Público e a Polícia Federal e os que são investigados têm direito à ampla defesa. O problema é que as provas são muito contundentes. Pessoas com maladinheiro, um apartamento com milhõesreais dentrocaixas, comprovaçõesdepósitoscontas bancárias no exterior. O documento fala por si mesmo.

Crédito, Agência Brasil

Legenda da foto, Para Marina, Lava Jato faz um trabalho 'respeitável' e juízes não podem ser colocados como se fossem os que cometem irregularidades

O trabalho que está sendo feito é respeitável. E, claro, os juízes não podem ser colocados como se eles estivessem cometendo irregularidades. Infelizmente, uma boa parte dos investigados gostariater a prerrogativaestar julgando seus investigadores e julgadores. Foi por isso que o senador Renan Calheiros apresentou a lei do abuso do poder, que juntou PT, PMDB, PSDB para tentar aprovar o projetoanistia e é por isso que agora, igualmente, estão juntos para acabar com (a prisão) depoisjulgamentosegunda instância.

BBC Brasil - Voltando à pergunta inicial, a senhora está fazendo um tour pela Europa, mas queria saber se pretende fazer o mesmo no Brasil, como Lula está fazendo, como Fernando Haddad, Jair Bolsonaro e João Doria. A senhora pretende dar uma volta pelo Brasil?

Marina Silva - Faço isso há mais30 anos e não apenasperíodo eleitoral. A vida toda me dediquei a andar nos Estados, nos municípios mais pobres, conhecendo a realidade da sociedade brasileira.

BBC Brasil - A senhora faz isso sem climacampanha?

Marina Silva - Sem climacampanha e acho que esse é o melhor momento para que possamos fazer as coisas. O problema é que as pessoas deixam para fazer determinadas coisas nos períodos eleitorais. Entendo que as soluções para o mundocrise que a gente está vivendo têm uma complexidade tamanha... é bom para a gente conhecer outras experiências.

O que está dando certo na educação no Brasil pode ter uma contribuição para a educaçãooutras regiões do mundo. Não podemos mais nos fechar como se fôssemos uma ilha. O Brasil é ricoboas ideias. Quando fui ministra do Meio Ambiente, não inventamos a roda. O que fizemos foi transformar as boas ideais da sociedade brasileira, do setor empresarial, da academia, dos movimentos sociais,políticas públicas. Foi graças a isso que conseguimos reduzir80% o desmatamento por dez anos.

BBC Brasil - A gente estava falando do climacampanha eaparecer a cada quatro anos e uma das principais críticas que fazem à senhora é que foi omissamomentos importantes. Dizem que a senhora só se expõe às vésperasperíodos eleitorais. Como a senhora responde a essas críticas? É intencional, para se preservar?

Marina Silva - Estou fazendo meu trabalho como sempre fiz, mas não sou parlamentar, não tenho uma função pública. Sou uma professora que sobrevive do trabalho que faz. Conseguimos criar a Rede mesmomeio às pressões contrárias e tenho me posicionado semprerelação a todos os temas.

O problema é que o Brasil está tão acostumado com a polarização que quando tem um posicionamento que não está sob o guarda-chuva vermelho ou o azul, as pessoas preferem dizer que não é um posicionamento. Eu sempre defendi a Lava Jato, como eles não defendem, preferem dizer que não é um posicionamento. Eu sempre defendi que o melhor caminho era o da cassação da chapa e que o impeachment não é golpe, estáacordo com a Constituição, o problema era que não ia alcançar oobjetivo que é passar o Brasil a limpo, Dilma e Temer são faces da mesma moeda. O PT e o PMDB cometeram os mesmos crimes juntosrelação à Petrobras, BNDES, Caixa Econômica, Banco do Brasil, aos fundospensão. O melhor caminho era a cassação da chapa.

Como existia um grupo que queria abocanhar o poder e um outro que queria permanecer, eles acham que isso não era um posicionamento. É um posicionamento diferente. No Brasil, as pessoas estão tão acostumadas com a polarização que nem admitem que possa existir uma outra voz, um outro lugarfala, mas essa fala existe. Não tem a mesma audiência daqueles que ficam disputando o poder pelo poder.

BBC Brasil - Ter um mandato facilitaria ecoar seus posicionamentos?

Marina Silva - O importante é ter um posicionamento, porque tem muita gente que tem mandato e está repetindo as mesmas coisas, da mesma forma. Tem muita gente que até fala demais e depois desconstrói tudo o que falou. Tem muita gente que falou tanta coisa e agora estão no mesmo barco.

Estamos numa crise dramática como essa e tudo que vejo são pessoas preocupadasganhar o poder. Não estão pensandocomo combater a corrupção, como prevenir a corrupção e principalmente como promover uma gestão pública eticamente responsável, para resolver o grave problema da educação brasileiraque a maioria dos jovens não tem acesso à educaçãoqualidade, para resolver o problema da violênciaque as pessoas estão perdendo suas vidas nas comunidades por faltasegurança.

Legenda da foto, 'O problema é que o Brasil está tão acostumado com a polarização que quando tem um posicionamento que não está sob o guarda-chuva vermelho ou o azul, as pessoas preferem dizer que não é um posicionamento'

BBC Brasil - Como faz para resolver isso, são tantos problemas juntos...

Marina Silva - Em primeiro lugar é preciso dizer claramente na horadisputar a eleição o que vai fazerrelação a essas questões. Por exemplo,relação à educação. Claro que temos problemasrelação a recursos, mas pior que a faltarecurso é a faltaestratégia para que uma educação não fique parada no tempo. O mundo inteiro está atualizando seus processosensino e aprendizagem, levando os jovens e as crianças a entenderem a escola não como um lugar onde se adquire uma profissão fixa, mas como uma portaentrada que possibilita muitas portassaída.

Esse debate está sendo feito pelos educadores e por vários movimentos, mas infelizmente o poder público não tem sido capazacompanhar. E agora, com a crise, uma boa parte dos nossos jovens que começaram a ter acesso ao ensino superior, mesmo ao ensino privado que não tem a mesma qualidade do público, perderam esses meios que dispunham na crise gerada inicialmente no governo Dilma e agora no governo Temer.

BBC Brasil - Falando neles, a senhora sente que perdeu a oportunidadeocupar um vácuopoder que se abriu?

Marina Silva - É muito cedo para dizer o que se perdeu e o que se ganhou. Eu digo que a derrota e a vitória só se mede na história. Temos que ter paciência para aguardar o processo político. Não entendo que a política é um vácuo a ser ocupado. É um processo a ser conquistado no debate, não embate da polarização que tanto mal já fez ao país, mas na trocaideias dizendo o que a gente acha que é melhor para a saída da crise, para que o país volte a crescer, retome os investimentos, para que se controle o gasto público, a inflação, para que se possa reduzir juros.

A política tradicional tem muito issodizer que tem que ocupar. Essa ideia às vezes esconde um pensamento autoritário, que subtrai o eleitor, que subtrai o cidadão. Quem ganha uma eleição com base no marqueteiro acha que é só uma questãoocupar o espaço, não é iss. Éconstruir, conquistar, numa relação transparente e aberta com cada cidadão.

BBC Brasil - A senhora já foi ativista política, vereadora, deputada estadual, senadora por dois mandatos e ministra. A senhora conhece muito bem o eleitor, imagino eu. Sente que há uma fadiga com o políticocarreira, o tradicional ? Sente que o eleitor hoje procura algo diferente? E pontuo aqui que diferente não necessariamente é melhor. Mas há uma busca pelo ainda não testado?

Marina Silva - Acho que a sociedade está procurando algo que dê resposta, que dê efetividade. O problema é que, muitas vezes, esse sentimentocansaço com a incompetência, com a faltatransparência, com a corrupção, com a lógica do poder pelo poder é usado para tentar desviar do objetivo principal. As manifestações2013 foram muito claras. As pessoas querem saúde, educação, transportequalidade, emprego para poder viver e criar suas famílias, querem a possibilidadeum transporte que as leve para o trabalho e facilite o entretenimento.

As pessoas foram muito claras. Aí o que alguns partidos e lideranças políticas fizeram? Disseram que o que a sociedade quer é uma reforma política. Veja bem, retiraram do foco o mais importante e levaram para outro caminho. E agora que estão fazendo a reforma, não é a reforma política que a sociedade brasileira quer para ampliar participação, para sair do papelespectador e assumir o protagonismo. É uma reforma para dar mais poderes aos partidos tradicionais, aos caciques, mais dinheiro às campanhas milionárias e aos marqueteiros a pesoouro e mais espaço para permanecerem no poder independente da vontade do povo.

BBC Brasil - Falandoreforma política, essas mudanças pontuais feitas no Congresso afetam a Redeque forma? A senhora sente que a Rede pode estar ameaçada?

Marina Silva - Há um cerco que está sendo feito pelos partidos tradicionais, o PT, PMDB, PSDB, DEM, para que não seja possível uma inovação na política brasileira. Por isso estão direcionando o fundo partidário para eles, o tempo da propaganda eleitoral para eles e a cláusulabarreira para que os novos partidos tenham dificuldadese firmar no sistema político brasileiro. É claro que a Rede sofre as consequências dessa articulação para inibir a inovação.

A Rede é um partido que nasce comprometidomelhorar a qualidade da política, melhorar a qualidade das instituições públicas. Defendemos o voto independente, somos favoráveis, para criar uma concorrência idônea com os partidos políticos. Hoje, eles têm o monopólio da política e é por isso que não estão muito preocupadosqualidade,inovação. Eles põem os mesmos quadros, fazem os mesmos discursos e a lógica é a do poder pelo poder.

Legenda da foto, Lula: 'Os acertos que se teve não podem ser usados para não dar conta dos erros que foram praticados' | Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula

BBC Brasil - Quando a gente olha as pesquisasintençãovoto, o ex-presidente Lula lidera com folga. Como a senhora explica essa força? Esse discursovítima que ele e o PT assumiram tem impacto?

Marina Silva - Temos que compreender as pesquisas como registroum momento e, obviamente, ainda temos um caminho muito longo pela frente. A sociedade brasileira está formando ainda aopinião sobreescolha. Não acho que seja um dadorealidade já estabelecido. E, é claro, espero que o debatetorno das ideias, das propostas, possa fazer com que os eleitores criemprópria identificação com esse ou aquele projeto.

BBC Brasil - Mas o que explica o ex-presidente estar liderando mesmo tendo sido condenado por corrupção?

Marina Silva - Eu acho que existe uma parte do eleitorado que trabalha muito com a ideiasegurança. Boa parte das pessoas está trocando liberdade por segurança. A campanha2014 foi muito violenta, com muito dinheiro, calúnia e difamação. Havia a históriaque se não fosse eleita a presidente Dilma, as pessoas iriam perder o Bolsa Família, o Pronatec, o Minha Casa Minha Vida, perder todas as conquistas sociais. Isso criou uma insegurança nas pessoas.

Mas essa lógicase fazer uma escolhafunção do medo, não é a melhor formaconstruir uma sociedade que temprópria autonomia. As conquistas feitas no governo do PT, do PSDB,quem quer que seja, não são para ser fulanizadas nem pelos partidos nem pelos governantes. São para ser institucionalizadas. Se são direitos, as pessoas os têm assegurados e têm a liberdadeescolher aquele que acham que é o melhor para dirigir o país.

BBC Brasil - A senhora acha que (a liderança do Lula) vem do medoperder benefício adquirido ouse acreditar que ele é inocente, que é vítima, que está sendo perseguido ?

Marina Silva - Acho que pode ser um mistovárias coisas. Lula foi presidente por duas vezes, uma liderança sindical histórica. O importante nesse momento é pensar que pessoas virtuosas devem criar instituições virtuosas para lhes corrigirem quando falharem. Os acertos não podem ser usados para não dar conta dos erros que foram praticados. Nesse momento a reflexão ainda estácurso no Brasil. Vamos ter, me parece, uma disputa com muitos candidatos.

BBC Brasil - Jair Bolsonaro. Ele é um candidato com posições conservadoras, às vezes extremas. O que explica ele estar empatado tecnicamente com a senhora e que tiposegmento da sociedade ele representa? Tem alguma chance dele ir para o segundo turno?

Marina Silva - Como eu disse, ainda é muito cedo. Nesse momento há uma exacerbação,várias regiões do mundo, do populismo, tantodireita, comoesquerda. E acho que a sociedade haveráter a sabedoriafazer a correta mediação para encontrar um novo caminho para seus problemas que não seja o populismodireita, nem o populismoesquerda.

BBC Brasil - Por que a senhora acha que ele é populista?

Marina Silva - Porque acho que quando você sinaliza para a sociedade que pode resolver as coisas a qualquer custo, a qualquer preço, como se isso fosse apenas uma questãoforça, isso tem um viés populista muito forte. Não acredito nas coisas que são resolvidasforma violenta, excludente. Os processos políticos são muito mais complexos. O Brasil é um país com uma diversidade cultural fantástica. Um país que reconquistou ademocracia a duras penas. Não acho que exista espaço para o autoritarismo, pelo menos eu espero que não exista espaço para saídas autoritárias, para saídas preconceituosas, contra índios, contra mulheres, contra negros, contra quem quer que seja, quer porcondição social, pororientação sexual ou porcondição econômica.

Legenda da foto, Para Marina Silva, popularidade Jair Bolsonaro não a assusta | Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Ag. Brasil

BBC Brasil - Lhe assusta a popularidadeBolsonaro neste momento?

Marina Silva - Eu acho que numa democracia a gente tem que estar aberto para lidar com essa diversidade. Em vezficar assustado, a gente deve é debater as ideiasque acredita, apresentar alternativas. Eu sou professora, e acredito muito na Pedagogia. Acho que, nesse momento, vivemos no Brasil um processo altamente pedagógico.

Gosto muito da ideiaque sábios são os que aprendem com os erros dos outros e estúpidos são os que não aprendem nem com seus próprios erros. Já vivemos graves problemaserroscorrupção, já vivemos o gravíssimo problema do autoritarismo com a ditadura. Se não fomos capazesaprender com os erros dos outros, pelo menos não temos o direitodeixaraprender com nossos próprios erros.

BBC Brasil - A senhora disputou a eleição presidencial duas vezes. Que erros a senhora cometeu e que agora não repetiria?

Marina Silva - Não sei bem se isso foi um erro, mas nas duas campanhas entrei acreditando que iria haver um debate, mas o que houve foi um embate. Eu acreditava que os candidatos iriam apresentar um programagoverno e eles não apresentaram. Agora, mesmo que eles não tenham apresentado, eu jamais poderia deixarapresentar, porque não se pode concorrer à eleição para um país como o Brasil sem apresentar um programagoverno. Sem dizer o que se vai fazer para a saúde, a educação, segurança pública, infraestrutura, proteção do meio ambiente. Mesmo que eles escolhessem o embate, a calúnia, a desconstrução, eu não poderia ir por outro caminho. Eu sempre digo que é melhor sofrer injustiça do que praticar a injustiça.

BBC Brasil - Algum motivo para achar que vai ser diferente2018?

Marina Silva - A realidade já deu uma indicação muito forteque há uma tendênciase aprofundar a violência, a mentira, a desconstrução e as assimetriastermos dos meios para se fazer a campanha, como por exemplo o tempotelevisão. Se for candidata, terei apenas 12 segundos na televisão, contra os muitos minutos dos grandes partidos.

BBC Brasil - O que a senhora pode falar12 segundos? Meu nome é Marina, votemim?

Marina Silva - Eu acho que12 segundos dá para pelo menos dizer que você está ali, e tentar fazer o processo por outras alternativas, nas redes sociais, no contato direto com as pessoas. Enfim, você tem uma realidade que é difícil, mas não pode se render a essas circunstâncias, senão eles já estarão vitoriosos a priori. Eles criaram todas as cercas. E eu espero que o povo brasileiro possa criar todos os meios para que fique sob seu controle a prerrogativaque o poder emana do povo, não do marqueteiro, não do dinheiro, não das estruturas.

BBC Brasil - Quando a senhora vai lançarcandidatura? Vamos ter que esperar até março?

Marina Silva - Estouprocessodecisão e com um sensoresponsabilidade muito grande com a crise política, econômica,valores, que está acontecendo no Brasil.

BBC Brasil - Essa decisão é do tipo quando lança ou se lança?

Marina Silva - A decisão é sobre a melhor formacontribuir. Como seria mais efetiva a minha contribuição. Porque assim que chegar à convicçãoonde ela é mais efetiva, é ali que estarei.

Legenda da foto, "Se for candidata terei apenas 12 segundos na televisão, contra os muitos minutos dos grandes partidos"

BBC Brasil - Mas o que impediria a senhoraconcorrer? O que lhe tiraria do jogo?

Marina Silva - É essa a avaliação que eu lhe falei. Se eu chegar à conclusão que a forma mais efetivaajudar a melhorar essa situação que o Brasil está vivendo, e digo ajudar, porque não acredito que ninguém sozinho possa ter uma saída para a crise. Se chegar à conclusãoque a melhor saída é não ser candidata, então, é isso que hoje está ocupando parte do meu tempo.

BBC Brasil - Mas a Rede lhe pressiona para participar?

Marina Silva - Com certeza a Rede tem desejoter uma candidatura e a sociedade brasileira quer uma candidatura que não esteja identificada com a crise que aí está. E eu tenho um sensoresponsabilidade coletivo e pessoal com os mais20 milhõesvotos que tive, mesmo concorrendo com adversários que tinham condiçõesestrutura muito maiores do que eu, e além dessas estruturas legais, ainda contavam com o mundo do crime, com montanhasdinheiro para fraudar as eleições, como fraudaram.

BBC Brasil - A senhora tem conversado com o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa, e eu lhe pergunto se ele vai sair candidato e se for, será candidato a quê?

Marina Silva - Eu nunca conversei com o ministro Joaquim Barbosa sobre política. Estou falando sério! Eu conversei com o ministro, sim, mas foi no contexto da rebelião que o presidente do Senado, Renan Calheiros fez,não cumprir a ordem do Supremo. E naquele momento delicado eu conversei com ele e com o ministro Ayres Brito sobre aquela crise.

Não falamosfiliação, não falamoscandidatura. Mas eu acho que o ministro Joaquim Barbosa é uma pessoa altamente relevante para a política brasileira e se ele desejar darcontribuição, será bem-vinda e necessária para ajudar a melhorar a qualidade da política, melhorar a qualidade da democracia. Mas essa é uma decisão que ele próprio está avaliando, e até esse momento não conversamos especificamente sobre isso.

BBC Brasil - Conhecendo bem o Executivo e o Legislativo, como seriarelação com o Congresso? Pois o ex-presidente Lula e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso já falaram que é muito difícil negociar com o Congresso, e que muitas vezes você é forçado a firmar alianças, colocar cargos e emendas no meionegociações. Enfim, nesse atual modelo político, haverá outra formase conseguir aprovaçãoprojetos e reformas ou o presidente será eternamente refém do Congresso?

Marina Silva - Eu acredito profundamente que existe outra forma. Se não acreditasse, não teria saído candidata2010 e nem2014. O problema é que a forma com que se ganha determina a formaque se governa. Se para ganhar, você se junta a todos que têm uma visão fisiológica do processo político, é dessa forma que vai governar.

Não imagine que você vai ganhar uma eleição com fisiológicos e vai conseguir fazer um governo não fisiológico. Não imagine que você vai ganhar uma eleição com base no abuso do poder econômico e que depois esse mesmo abuso do poder econômico não vai aparecer no momentogovernar. É fundamental ganhar, mas com base num programa, com basealianças programáticas.

Não sou daqueles que acham que não se deve fazer alianças. E também não acho que só existem pessoas boas no meu partido. Existemtodos os partidos. O problema é que eles ficam no bancoreservas. Tem gente boa no PT, no PMDB, no PSDB,todos os lugares. E essas pessoas precisam vir à cena política e talvez este seja o momento para que aqueles que não traíram os ideais do seu partido, possam ajudar a melhorar a qualidade da política, possam inclusive contribuir para que seus partidos reconheçam seus erros e se reinventem.

Não há como ter uma boa árvore se o ecossistema estiver doente. É preciso mudar o ecossistema político brasileiro. A Rede pretende ser uma força política que quer contribuir com essa mudança. Por isso, defendemos as candidaturas independentes, para que as pessoas possam dispor do processo político, criar uma concorrência idônea com os partidos e a gente ter novos quadros na política. Quadros que virão com baseum programa, quadros que virão com uma plataforma registrada na Justiça Eleitoral, com baseuma históriavida na sociedade voltada para a saúde, educação, inovação, enfim, para os temasinteresse do cidadão.

BBC Brasil - Um passo já foi dado nesse sentido. A Procuradora-Geral da República deu parecer favorável à candidatura independente.

Marina Silva - Eu acho que é um caminho a ser perseguido. Eu defendo essa ideia desde que,1996, conheci as candidaturas cívicas na Itália. Depois conheci os jovens que foram eleitos no Chile pelas listas independentes, e outras experiências. Acho que para o Brasil isso vai fazer muito bem, para quebrar o monopólio dos partidos sobre a política, e para fazer com que eles também estejam mais atentosrelação à qualidadeseus quadros,relação à renovação política e à inovação política, buscando uma nova linguagem.

Eu digo que está surgindo um novo sujeito político. Existe um outro ativismo que não é mais o ativismo que conhecemos, do passado, dirigido pelo partido, pelo sindicato, pelo líder carismático. É o ativismo das pessoas, o que chamoativismo autoral. É preciso criar instituições políticas atualizadas, para poderem ter uma relação, alguma conectividade com esse novo ativismo, com esse novo sujeito político.

Legenda da foto, Marina Silva diz que ela e a Rede defendem candidaturas independentes

BBC Brasil - Mudando um poucoassunto, a senhora já se manifestou favorável a uma reforma da Previdência, e que se ainda fosse senadora votaria a favor, mas mudaria os pontos "esdrúxulos". Que pontos seriam esses?

Marina Silva - O Brasil precisareformas, tanto é que a Dilma fez reformas, o Lula fez reforma da Previdência, o Fernando Henrique fez reforma da Previdência, e o Temer está tentando fazer. O problema é que a reforma dele padecevários problemas, como por exemplo, está sendo feita por um governo que não tem credibilidade, não tem legitimidade, e usa as reformas para tentar se sustentar no poder, ouvindo apenas um lado, que é o lado do empregador, negligenciando o lado dos trabalhadores.

Um outro problema é que a reforma que ele apresentou, sem debate com a sociedade, tem questões que são completamente inaceitáveis, como, por exemplo, uma pessoa ter que trabalhar 49 anos ininterruptos para poder fazer jus aaposentadoria integral. Isso por si só já contaminou todo o debate da reforma.

Eu acho que o Brasil tem que ter reformas, não esta que está sendo feita. Reformas que sejam pactuadas com a sociedade para que tenham legitimidade na horasua implementação. Esse aspecto do temposerviço demonstra o desprezo que se tem pelo debate e pelas conquistas históricas dos trabalhadores.

BBC Brasil - A reforma da Previdência é apontada como necessária para o equilíbrio das contas públicas, a senhora já alertou várias vezes para a necessidadese cobrir o deficit público. Uma outra fonterecursos seriam as privatizações. A senhora é contra ou a favorse privatizar ? E por que o tema privatização virou um grande tabu no Brasil?

Marina Silva - Eu acho que esse tabu quem acaba criando são os partidos da polarização. Durante suas campanhas, esses partidos trabalham com rótulos ao invésapresentar um programa. Um diz que o outro é Estado demais, e o outro diz que aquele é Estadomenos. Em lugarpensar o que é melhor para os trabalhadores, para os empresários, para os homens, mulheres, crianças e idosos.

Não gosto desse debate entre Estado máximo e Estado mínimo. Temos que ter o Estado necessário. Eu defendo inclusive a ideiaque seja um Estado mobilizador. Porque o Estado provedor, que faz tudo e ainda faz o resto, é um tipo que não deixa espaço para o empreendendorismo, para a inovação. Ele quer ser o donotudo. Mas (a resposta) também não é um Estado que acha que basta a regulamentação, que vai resolver pela dinâmica do mercado. O Estado tem um papelrelação à preservação dos direitos,assegurar direitos.

Num país como o nosso,que a educação é estratégica para o desenvolvimento, ela é uma obrigação do Estado. Num país como o nosso,que as pessoas não têm acesso à saúdequalidade, o Estado é fundamental para prover saúdequalidade. Eu acredito num Estado que é capazmobilizar as melhores forças da sociedade civil, iniciativa privada, da academia, enfim,todos os setores, principalmente daqueles que fazem o processo produtivo. Claro que no Brasil há espaço para empreendedorismo, e isso deve ser estimulado, mas não significa que deva acontecerprejuízo das funções estratégicas e necessárias do Estadotemas que nos são muito caros.

BBC Brasil - A Petrobras é um bom exemplouma empresa controlada pelo governo e que acabou capturada politicamente, usada, atravéssuperfaturamento para financiamentocampanhas e pagamentospropina e suborno. A senhora acredita que se a Petrobras fosse uma empresa privada a Lava Jato não existiria?

Legenda da foto, Marina Silva diz que, se eleita presidente, não privatizaria a Petrobras

Marina Silva - Em primeiro lugar, os problemascorrupção não são apenas da Petrobras. Existem também na Eletrobras, Banco do Brasil, Caixa Econômica, nos fundospensão,vários setores,Belo Monte. É um problema sistêmico, quase generalizado. Portanto, o problema não é a forma da composição da Petrobras.

A Petrobras já é um processo misto, mas o Estado tem o controle acionário. Esse não é o problema. O problema é da faltacompetência,honestidade,ética pública. Não se pode querer resolver problemas estruturais com manobras para se deslocar o assunto para um outro terreno. Se a Petrobras fosse privatizada não resolveria o problema.

O que resolveria é ter gestores honestos, políticos que não nomeiem diretores para desviar recursos da empresa para os seus partidos, para suas campanhas, para enriquecimento ilícito. É engraçado que as pessoas que fazem esse debate,morreramores pela Petrobras, foram exatamente aquelas que levaram a empresa para essa situaçãopenúriaque está hoje com esta corrupção.

BBC Brasil - A senhora privatizaria a Petrobras se fosse presidente?

Marina Silva - Não. Acho que a forma como ela está instituída é uma forma que, numa gestão pública, correta, republicana, dá certo.

BBC Brasil - Para terminar, queria tocar no assunto ambiental. É possível compatibilizar crescimento e desenvolvimento sustentável? O Brasil é um grande exportador agrícola, tem uma indústriaporte razoável e muita pressão por subsídios. Como compatibilizar interessesruralistas, industriais e ambientalistas?

Marina Silva - Não acho que é uma questãocompatibilizar, é uma questãointegrar. Não tem como ter desenvolvimento com destruição das bases naturais. Só somos uma potência agrícola porque somos uma potênciarecursos hídricos. Se destruirmos as florestas, vamos destruir o regimechuvas. Sem chuvas, sem água, não tem como ter agricultura, indústria, desenvolvimento. A nova economia já não faz essa separação entre economia e ecologia. Isso é um pensamento do século 19 que perdurou há até bem pouco tempo.

Legenda da foto, Perdeu a chanceocupar um vácuopoder? "É muito cedo para dizer o que se perdeu e o que se ganhou"

O mundo inteiro está numa corrida para ver como viabilizar as metas do desenvolvimento sustentável; 195 países assinaram esse acordocomo vamos implementar essas metas na política agrícola, energética, industrial,todos os setores. Quem está andando na contramão da história é quem quer manter a velha economia. Essa economia não é mais sustentável, porque logo logo vão precificar o carbono.

As economiascarbono intensivo vão pagar um preço muito alto por não terem feito o devercasa e o Brasil pode resolver isso da forma mais adequada, porque já temos uma matriz energética limpa45%, somos um país com uma base tecnológica razoável. Temos uma baseconhecimento agrícola dentro da Embrapa que permite duplicar a produção sem precisar derrubar mais uma árvore. É só uma questãovisão,estratégia correta,colocar os investimentos da forma certa para o Brasil do século 21.

BBC Brasil - Existe um debate nas redes sociais com muitos dizendo que evangélicos têm um planotomar poder. De onde veio essa ideia? Ela tem pertinência?

Marina Silva - Primeiro há um desconhecimento da contribuição dos protestantesrelação à criação do Estado laico. A reforma protestante deu uma grande contribuição para que tivesse a separação entre igreja e Estado. Portanto, esse debate não deve nem precisa ignorar esse fato. Eu defendo o Estado laico, ele é bom para quem crê e para quem não crê, é bom para todos. É fundamental que numa democracia as pessoas tenham direitose expressar livremente.

BBC Brasil - Então isso não existe?

Marina Silva - É um debate que está colocado, mas o fundamental é defendermos o Estado laico e recuperar suas origens.

BBC Brasil - Queria muito saber se a senhora vai ser candidata. Quando podemos ter uma definição?

Marina Silva - Logo.

BBC BRASIL - Logo esse ano, ano que vem...

Marina Silva - Logo, logo.