'Toma lá, dá cá'betusa appBrasília é 'quase sexo explícito', diz Celso Amorim:betusa app

Celso Amorim

Crédito, BBC Brasil

Legenda da foto, Para Celso Amorim, não pode haver um cenáriobetusa appdisputa à presidênciabetusa app2018 sem Lula

Mesmo diante do acirramento da crise na Venezuela, o ex-ministro não faz mea-culpabetusa apprelação à proximidade gestada entre o governo Lula ebetusa appHugo Chávez, o líder venezuelano à época.

Nem vê problemas na estratégiabetusa appaproximação com países africanos que abriu as portas para negócios brasileiros - entre eles, lucrativos contratos com a construtora Odebrecht, que, como se descobriria mais tarde, pagou maisbetusa appR$ 1 bilhãobetusa appbenefícios ilegaisbetusa appMoçambique e Angola.

"O que as empresas brasileiras fizeram, eu não sei. E não sabia. Agora, também posso dizer que não é diferente do que fizeram empresas francesas, espanholas, americanas", afirma ele, dizendo que casosbetusa appcorrupção internacionais estão longebetusa appser exclusividade brasileira e o que o Brasil estaria cometendo que chamabetusa app"automortificação" no escrutínio global a suas empresas.

Apesar dos cinco processos enfrentados pelo ex-presidente Lula, Amorim considera que "não pode haver um cenário presidencial" sem o petistabetusa app2018. Para o chanceler, ele próprio filiado ao PT, Lula seria a única pessoa com capacidade para derrotar "as ameaçasbetusa appdireita ebetusa appextrema-direita". Ele considera as acusações contra o ex-presidente "ridículas" e "descabidas".

"Tenho certeza que nenhuma dessas acusações se sustentará. Acho que as pessoas percebem que as acusações são infundadas", considera. "Acho que o povo não vai cair nessa, e que o Lula tem muita chancebetusa appser eleito."

Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

betusa app BBC Brasil - Primeiro queria saber como o senhor vê a política externa do Brasil no momento. A gente viu muitas guinadas no país ao longo do último ano e agora o governo acababetusa appassumir a presidência do Mercosul...

betusa app Celso Amorim - (interrompendo) Mal se percebe, não?

betusa app BBC Brasil - Como o senhor vê o papel que o Brasil está desempenhando?

betusa app Amorim - A política externa obviamente teve uma queda brutal. Você não percebe mais a presença do Brasil. Eu me recordo que, quando presidia reuniões do Mercosul, eram entrevistas sem parar, jornais, canaisbetusa appTV, sempre tinha uma coisa nova, algo palpitante, ainda que fosse para criticar. Agora, não tem nada. Dá impressão que você está cumprindo tabela.

O Brasil estava presentebetusa appquase tudo que aconteceubetusa appimportante no mundo, da Rodadabetusa appDoha às questões da reforma da ONU, passando pelo Oriente Médio, Teerã, integração da América do Sul... Hoje, o que eu vejo é uma coisa passiva. Nos melhores momentos é passiva. Nos piores, é desastrada.

betusa app BBC Brasil - O Brasil assume o Mercosulbetusa appum momentobetusa appcrise acirrada na Venezuela. A situação está crítica, com a eleição da Assembleia Constituinte convocada pelo presidente Nicolás Maduro marcada para domingo. Como o senhor vê as ações do Brasilbetusa apprelação à Venezuela?

betusa app Amorim - O governo brasileiro adotou uma posiçãobetusa appcrítica tão frontal ao governo venezuelano que deixoubetusa appser um interlocutor. Na situação atual, o Brasil sumiu. Porque se colocoubetusa appuma posiçãobetusa appque não há diálogo.

Ebetusa appvezbetusa appter presente que o mais importante é a paz na Venezuela, a paz social e política, resolveu tomar um lado, e o lado contrário ao do governo. Eu não vou entrar nem no mérito das posições do governo Maduro, mas se você quer agir como um país que tem influência, você não pode tomar partido.

betusa app BBC Brasil - Mas havia muitas críticas à proximidade dos governo do PTbetusa apprelação ao ex-presidente Hugo Chávez ebetusa appMaduro, à faltabetusa appposicionamentobetusa apprelação a violaçõesbetusa appdireitos humanos ebetusa appliberdades democráticas.

betusa app Amorim - Isso é totalmente injusto. Claro que Lula, nós todos, tínhamos simpatia pelo desejo do Chávezbetusa appafirmar uma independênciabetusa apprelação aos EUA, ebetusa appfazer um governo mais voltado para a população pobre.

Agora, veja bem. Quando havia um problema sério entre Colômbia e Venezuela, o Uribe (o ex-presidente colombiano Álvaro Uribe) vinha correndo falar com o Lula. Nós tínhamos diálogos com todos. Essa ideiabetusa appque a gente passava a mão na cabeça dos bolivarianos,betusa appque o Brasil era leniente, é totalmente errada.

Havia uma proximidade. Havia muito esforçobetusa apppersuasão. O Brasil criou o Grupobetusa appPaíses Amigos da Venezuela, teve uma liderança indiscutível. Foi o Brasil que convenceu, persuadiu, com jeito, sem agressividade, o presidente Chávez a fazer o referendo revogatório e a aceitar que a OEA (Organização dos Estados Americanos) fosse observadora. Algo impensável hoje, devido ao climabetusa apphostilidade.

É fundamental o diálogo na Venezuela. É dificílimo, mas tem que haver. Não adianta você apoiar a solução do governo ou da oposição. Você tem que trabalhar pelo diálogo.

O presidente da Venezuela Nicolas Maduro

Crédito, Gustavo Salazar / Presidencia da Venezuela

Legenda da foto, 'É fundamental o diálogo na Venezuela. Não adianta você apoiar a solução do governo ou da oposição. Você tem que trabalhar pelo diálogo', diz Amorim

betusa app BBC Brasil - O senhor não faz nenhuma autocrítica pelo fatobetusa appo governo Lula nunca ter questionado tendências antidemocráticas na Venezuela, ainda mais agora que a situação se agravou tanto?

betusa app Amorim - Não, não faço, porque não somos nós que temos que decidir para onde vai o povo venezuelano. A gente pode atuar numa crise para facilitar o diálogo. Coisa que o presidente Lula sempre tentou fazer. Mas há um limite do que você pode fazer.

betusa app BBC Brasil - Dentro do próprio PT há um rachabetusa apprelação à questão da Constituinte, com a presidente atual do partido, Gleisi Hoffmann, declarando apoio à convocação feita por Maduro, e outros quadros do partido desconfortáveis com esse apoio público. Como o senhor vê essa questão?

betusa app Amorim - Eu não sei se tem um racha. O PT não tem força para fazer isso (influir na questão). Você tem que perguntar ao governo. O governo é que tem força para agirbetusa appuma maneira oubetusa appoutra. Você tem trabalhar pelo diálogo, e o governo não está tentando fazer nada parecido com isso.

O PT está fazendo uma manifestaçãobetusa appsimpatia. Embora eu ache que a Constituinte não vá resolver problema nenhum, eu até entendo (esse movimento). Tem que haver um poucobetusa appentendimento, e no momento não há nenhum. O importante é você tentar promover um diálogo, que é difícil. Mas diplomacia é para isso, para as coisas difíceis.

betusa app BBC Brasil - O senhor é filiado ao PT. Se não concorda com a Constituinte, lhe causa desconforto a defesa pública do partido?

betusa app Amorim - Sou filiado, mas não sou do diretório, não participo das decisões. Não vou dizer que causa desconforto. Eu acho que a Constituinte não vai solucionar o problema e é passívelbetusa appcríticas. Mas não estou no governo, não tenho como influir. Se tivesse, eu me manifestaria.

O (ex-presidente da Espanha José Luiz Rodríguez) Zapatero, o (presidente colombiano Juan Manuel) Santos, essas pessoas estão tentando mediar. Tem que se fazer as coisasbetusa appoutra maneira. Teria talvez que chamar Cuba para participar. Mas qual é o diálogo que o governo brasileiro tem com Cuba, se Cuba nem sequer dá agrément (consentimento à nomeaçãobetusa appdiplomata estrangeiro para atuar no territóriobetusa appum país) para o embaixador brasileiro?

Isso tem a ver com a faltabetusa applegitimidade do governo atual. Você não dá um golpe impunemente. Você pode conseguir o poder, mas paga um preço.

betusa app BBC Brasil - Após o impeachment, a ex-presidente Dilma Rousseff visitou diversos países para falar sobre seu afastamento e transmitir a perspectiva do PTbetusa appque ela foi vítimabetusa appum golpe. O senhor acha que a comunidade estrangeira se convenceubetusa appque teria havido um golpe?

betusa app Amorim - Olha, eu acho que essas coisas semânticas... Eu, pessoalmente, acho que foi um golpe. As formalidades foram seguidas, o Supremo Tribunal Federal e o Congresso estão funcionando, então não é um golpe militar, claro. Mas se você teve uma eleição que elegeu uma chapa com um determinado projetobetusa apppaís - pode até ter errado na execução, isso é outro problema - mas um projeto que pressupõe maior inclusão social, autonomia na política internacional, não incluía privatizações como as que estão sendo feitas agora, nada disso. E você substitui, através do impeachment, por um projeto oposto - isso é um golpe, a meu ver. Ainda que os meios não tenham sido ilegais do pontobetusa appvista formal.

A sensação que eu vejo fora do Brasil ébetusa appperplexidade. As pessoas nem entendem o que está acontecendo no Brasil. As condenações do Lula são percebidas como uma coisa política, direcionada. Como você pode comparar o Lula, um homem que a maioria ainda responde que foi o melhor presidente do país, com o Eduardo Cunha, gente? O sujeito tinha contas na Suíça, é um manipulador. São entidades totalmente diferentes. Isso já mostra que a cabeça dessa pessoa que julgou não é uma cabeça... sei lá. Não vou falar mais nada.

O ex-presidente Lula dá entrevista coletivabetusa appSão Paulo

Crédito, Ricardo Stuckert

Legenda da foto, 'O Lula é a única pessoa que tem capacidadebetusa appmobilizar o povo para derrotar essas ameaçasbetusa appdireita ebetusa appextrema-direita', diz Celso Amorim

betusa app BBC Brasil - Mas o Lula foi condenadobetusa appprimeira instância pelo juiz Sérgio Moro e enfrenta quatro outros processos. Como o senhor vê a sucessão presidencial para 2018?

betusa app Amorim - Primeiramente, eu presumo que não pode haver um cenário presidencial sem o Lula. Nessa coisa não tem que ter plano B.

As eleiçõesbetusa app2018 serão muito importantes, e temos riscos até da (ascensãobetusa appum candidato de) extrema-direita, graças à campanha feita no Brasil. O objetivo foi desmoralizar o PT, mas desmoralizou a política. Os candidatos que se apresentam como não-políticos, da extrema-direita ou da direita mesmo, podem se beneficiar disso.

O Lula é a única pessoa que tem capacidadebetusa appmobilizar o povo para derrotar essas ameaçasbetusa appdireita ebetusa appextrema-direita. Não é nem para ganhar do PSDB tradicional, não, é para ganharbetusa apppessoas que são antipolíticas e antidemocráticas.

betusa app BBC Brasil - Mas para além das dúvidas que pairam sobre o futuro político do Lula, ele enfrenta uma sériebetusa appacusaçõesbetusa appcorrupção. Como isso se concilia com a ética demandada por um candidato a presidente?

betusa app Amorim - Mas você tem que se perguntar por que esses processos foram abertos. Não existe materialidade do crime. "Por que tinha intenção?" Como é que você faz uma relaçãobetusa appcausa e efeito para aferir um eventual benefício para uma empresa? São coisas totalmente descabidas.

Criminalizaram o fatobetusa appo Lula receber determinada quantia pelas palestras que fez. Gente, isso é o que faz o Clinton, o Bush... já que a gente gostabetusa appver exemplos fora. Quase todos esses líderes têm uma fundação. Você acha que eles tiraram dinheiro do bolso deles para botar na fundação? O Instituto Lula é auditado com uma lupa que eu nunca vi aplicada a outros institutos. Eu não tenho nada contra o Instituto Fernando Henrique Cardoso, acho bom que haja. Mas são critérios diferentes, nunca ninguém nunca pensou (em fiscalizar).

betusa app BBC Brasil - Mas há acusações muito sériasbetusa appcorrupção envolvendo o PT - outros partidos também, claro - e o períodobetusa appgoverno do Lula, como as centenasbetusa appmilhõesbetusa appreais desviados da Petrobras.

betusa app Amorim - Eu sei, houve acusações, não tenho como fazer aferições, mas posso falar das impressões que existem. Muitas dessas coisas na Petrobras, que não são defensáveis, já aconteciam antes, e não foram investigadas com o mesmo rigor. Agora o João Vaccari Neto, que era o tesoureiro do PT, acaboubetusa appser absolvido. Claro que depoisbetusa appvocê criar uma imagem dessas...

As acusações contra o Lula são absolutamente ridículas. Um dos processos tem a ver com a aquisição dos aviões (36 caças suecos comprados durante o governo Dilma). Eu posso dizer para você, e poderia dizer a um juiz, se ele por acaso me chamar: A influência do Lula na compra dos aviões suecos foi zero. Zero. Até porque a preferênciabetusa appseu governo eram os aviões franceses, porque estávamos com uma aliança estratégica com a França. Mas a escolha das Forças Armadas era pelos caças suecos. A escolha da Aeronáutica era essa.

Tudo se amontoa. Em um dos processos, um sujeito se propõe a fazer determinada coisa para ter influência, e aí porque ele propôs, você incrimina a pessoa sobre a qual ele faria o lobby. Tenha dó. A questão é que tem que descobrir alguma coisa sobre o Lula. Tem que inventar.

Os outros estão acusadosbetusa appter contas na Suíça, tem mala sendo carregada, até filmada. Não tem cabimento. Tenho certeza que nenhuma dessas acusações se sustentará. E acho que as pessoas percebem que as acusações são infundadas. Acho que o povo não vai cair nessa, e que o Lula tem muita chancebetusa appser eleito.

betusa app BBC Brasil - Em uma palestra recentebetusa appCabo Verde, o senhor defendeu a necessidadebetusa appum entendimento entre os ex-presidentes Lula e Fernando Henrique Cardoso. De que maneira?

betusa app Amorim - Isso, um entendimento para fazer a reforma política. Eu acho que tem que fazer parte da plataforma política do próximo presidente convocar uma Constituinte para promover uma reforma política e mudar o sistema eleitoral.

Todos os problemas que ocorreram - Mensalão, Petrolão - estão ligados a financiamentobetusa appcampanha. E isso está ligado ao alto custo da eleição. Se a eleição for cara, você pode fazer as proibições que fizer que o dinheiro vai continuar aparecendo, seja por caixa 2, caixa 3, caixa 4.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso

Crédito, Tânia Rêgo/Agência Brasil

Legenda da foto, 'Eu respeito o Fernando Henrique, ele não é como a maioriabetusa apppolíticos da centro-direita brasileira', afirma Amorim

Eu respeito o Fernando Henrique, ele não é como a maioriabetusa apppolíticos da centro-direita brasileira. Ele tem influência e pode ajudar a fazer uma reforma política que dê legitimidade ao poder no Brasil.

Senão, fica impossível. Com o Congresso sendo eleito da maneira como é eleito hoje, qualquer governante vai ser obrigado a entrarbetusa appnegociação.

Não estou falandobetusa appnegociar politicamente. Isso é normal. Em qualquer país do mundo, você faz concessões para fazer uma coalizão. Não é isso. O problema é você ter que negociar favores, verba. Como você está vendo agora. Nunca vi uma coisa assim tão escancarada. É quase sexo explícito.

betusa app BBC Brasil - O que o senhor diz que é quase sexo explícito? As negociações entre o governo e o Congresso? O toma lá dá cá?

betusa app Amorim - Isso. É impressionante. Na frentebetusa apptodo mundo. Eu nunca vi isso. Falaram tão mal da Dilma, mas a Dilma não mudou a composiçãobetusa appComissão nenhuma (referência à substituiçãobetusa appúltima horabetusa appmembros da Comissãobetusa appConstituição e Justiça da Câmara dos Deputadosbetusa appjulho para rejeitar denúncia contra Temer). E issobetusa apppessoas do mesmo partido, como o deputado que soube pelo jornal que tinha sido substituído por outro.

betusa app BBC Brasil - Recentemente especulou-se na imprensa que o PT poderia indicar o seu nome para se candidatar ao governo do Estado do Riobetusa app2018. O senhor foi sondado? Está cogitando voltar para a política?

betusa app Amorim - Eu nunca saí da vida política, sempre mantive boas relações, mas nunca cheguei a me posicionar como candidato a nada. Fico envaidecido, mas, honestamente, tentando verbetusa appfora e me desvincular emocionalmente, não acho que eu seja um bom nome. Acho que tem que ser uma pessoa mais jovem, que possa enfrentar os problemas atuais.

Se eu puder ajudar para que um governo voltado para justiça social e para a autonomia no Brasil ganhe a eleição, farei o que for possível. Mas não sei se uma eventual candidatura ao governo do Rio ajudaria com isso. Eu acho que não.

betusa app BBC Brasil - A operação Lava Jato descortinou esquemasbetusa appcorrupçãobetusa appempreiteiras, sobretudo da Odebrecht, muito além das fronteiras brasileiras, incluindo nos países africanos dos quais o Brasil se aproximou durante o governo Lula, como parte da políticabetusa appaproximação Sul-Sul. Diante da corrupção revelada, como o senhor olha para essa estratégiabetusa appretrospecto?

betusa app Amorim - Olha, o que as empresas brasileiras fizeram, eu não sei. E não sabia. Agora, também posso dizer que não é diferente do que fizeram empresas francesas, espanholas, americanas, porque era como essas empresas agiam.

Empresas americanas, alemãs, também foram acusadas disso ou daquilo. A Volkswagen, por exemplo, com aquele software (que mascarava as emissõesbetusa appcarbono). Claro que ninguém vai justificar essas coisas erradas, mas não é por isso que você vai fechar a possibilidadebetusa appestar presentebetusa appoutros países.

Se propinas foram pagas, isso é lamentável e tem que ser punido. Mas eu nunca vi uma campanha acirrada, nem da justiça americana, nem da justiça alemã, para destruir todas as suas empresas. Você teria que ir corrigindo as coisas, mandar embora as pessoas ligadas àquelas práticas, e ir consertando.

Aqui, o nívelbetusa appcolaboração com a justiça estrangeira, com países mais poderosos que o Brasil, é uma coisa que nunca vi acontecer. São assuntos nossos, para serem resolvidos aqui.

betusa app BBC Brasil - O senhor está falando das colaborações para investigar a corrupção no exterior, como da Petrobras e da Odebrecht?

betusa app Amorim - Sim, porque houve um compartilhamentobetusa appdados com a Justiça Americana que teve efeitos graves. Acho que tínhamos que resolver os problemas aqui, e quem quisesse, que viesse pedir para saber mais.

Você não vê outros países fazerem isso. Da maneira que foi feito, dá a impressão que só as empresas brasileiras fizeram isso (pagaram propina para obter contratos).

Eu não vou nem mencionar os países, mas nós já perdemos concorrênciasbetusa appmaneiras muito suspeitas, onde sabíamos que tínhamos condições melhores para determinado contrato. Na hora H ganhava uma outra companhia,betusa appum país europeu oubetusa appuma ex-potência colonial.

Um erro não justifica o outro, mas nós fizemos uma automortificação, não é? Você vai sanear as empresas, mas você vai levar muito tempo para recuperar a credibilidade.

betusa app BBC Brasil - O senhor acha que a Lava Jato virou uma automortificação?

betusa app Amorim - Em boa parte. É muito delicado falar desse assunto, porque eu não quero defenderbetusa appmodo algum as ações erradas que foram praticadas. Agora, eu acho que sim, houve uma automortificação. Na maneira como foi levado, a maneira como a imprensa tratava...

Você ter uma ação políticabetusa appfavorbetusa appuma empresa é parte da ação comercialbetusa appum país no exterior. Por exemplo, a Boeing queria vender o seu avião no Brasil. A Hillary Clinton me escreveu uma carta. A Condoleezza Rice já tinha levantado o assunto comigo.

Agora, acho que tudo ficou criminalizado indistintamente. Fez-se uma generalização errada e vai levar muito tempo para que isso seja corrigido. Se convenções internacionais anticorrupção já existem há algum tempo, é porque corrupção havia, né? Acho que isso tinha que ser vistobetusa appforma menos ingênua,betusa appmodo a não achar que eram só as brasileiras. Ainda que com a punição adequada aqui dentro.

betusa app BBC Brasil - O governo do presidente norte-americano Donald Trump acababetusa appcompletar seis meses, e lá também o dia a dia tem sidobetusa appsucessivas crises. Como o senhor vê o impactobetusa appseu governo até agora?

betusa app Amorim - Eu não tenho nenhuma simpatia pessoal pelo Trump. Em muitas coisas ele representa um risco, porque a linguagem dele,betusa appvezbetusa appapaziguar, atiça conflitos. Mesmo vendo todos os defeitos do Trump, acho que ele fez uma coisa positiva, que foi acabar com a TPP (a Parceria Transpacífico, ou Transpacific Partnership). Se há uma áreabetusa appque o Obama, na minha opinião, falhou, foi na área do comércio, porque ele não fez nenhum esforço para reviver a Rodadabetusa appDoha numa épocabetusa appque isso ainda era possível.

O TPP tinha o objetivo geopolíticobetusa applimitar a ação da China. Houve uma fragmentação do comércio internacional na época do Obama. Tudo bem que o Trump não vai defender a OMC (Organização Mundial do Comércio), mas terminar com o TPP eu acho positivo, pelo menos esse realismo nos poupa da conversa fiadabetusa appque a mídia entrava, falando que o Brasil está isolado, e é o Brasil é o único país que não tem acordo... mentira. Nenhum dos Brics é partebetusa appnenhum desses acordos.

Mas não é bom falar que o Trump está certo porque ele é uma pessoa machista, contra imigrantes, racista. O que está fazendo com o México é uma barbaridade. Eu acho, aliás que a América Latina tem que se posicionar. Por que o Mercosul não dá uma declaração criticando o que o Trump está fazendo com o México?

betusa app BBC Brasil - Condenando o muro que ele quer construir?

betusa app Amorim - O muro, que evidentemente viola os direitos humanos, e também o que eles estão fazendo no Nafta, obrigando o México a fazer mais concessões para manter o acordo. O México já fez vários sacrifícios para entrar para o Nafta. Sobretudo a agricultura mexicana sofreu muito. Cadê a coragem dos que falam mal da Venezuela e do Maduro nesse momento? Não vejo.

betusa app BBC Brasil - O mais recente ranking que mede os países com maior soft power no mundo recentemente mostrou que a França ultrapassou os Estados Unidos. Por outro lado, o Brasil caiu e está quase saindo da lista...

betusa app Amorim - Quando o Brasil estava fortíssimo! O soft power existe como potencial. Se não há uma diplomacia ativa, ele se perde. Foi o que o governo do presidente Lula procurou fazer. Eu sempre disse que a política externa brasileira era ativa e altiva. O Brasil pode, sim, fazer as coisas. Aquela história do "yes, we can" (o sloganbetusa appBarack Obama). Sim, nós podemos. Sim, o Brasil pode trabalhar pela unidade sul-americana. Sim, o Brasil pode trabalhar pela paz na Venezuela. Sim, o Brasil pode fazer um acordo com os Brics. Sim, o Brasil pode ter uma política africana. Pode ter havido erros aqui e ali, mas era isso que nós tentamos fazer.

Nem tudo se perde. Alguma coisa fica. E quando a gente tiver um governo mais legítimo, vamos poder novamente usar as coisas que criamos, os Brics, o Ibas (Fórumbetusa appDiálogo Índia, Brasil e África do Sul), o diálogo com os árabes, a boa relação com a África. A gente vai poder voltar.

Espero que seja um governo voltado para a justiça social, porque isso é essencial. O Brasil não é uma empresa. Não basta ter o balanço adequado e estar tendo lucro. O Brasil é um povo.

betusa app BBC Brasil - E como está esse Brasil hoje? Qual é abetusa appsensação como brasileiro?

betusa app Amorim - Olha, eu seria tentado a fazer uma frasebetusa appefeito e dizer: "O Brasil não está". Tirando o período negro da ditadura militar, é o pior momentobetusa appque eu já vi o Brasil. Inclusivebetusa appmatériabetusa appcredibilidade internacional.

Mas o Brasil é um país grande, a diplomacia tem tradição, as Forças Armadas vão exigir que projetos importantes continuem, temos instituiçõesbetusa appprimeiríssima qualidade, como a Fiocruz, que luta pela saúde brasileira.

O Brasil tem que voltar a ter o peso e a credibilidade que perdeu. Agora, o Brasil está cumprindo tabela. Na realidade, não pode fazer muito mais do que isso. Mas eu acho que vai se recuperar. Agora como, e quando, eu não sei.