A rotina2h betum grupo2h betgays e travestis na cracolândia2h betSão Paulo:2h bet

Travestis no metrô2h betSão Paulo

Crédito, Leandro Machado/BBC Brasil

Legenda da foto, O grupo se chama2h bet"Maloca das Bichas" e vive sob o elevado João Goulart, no centro2h betSão Paulo

"Visitei o fluxo algumas vezes e percebi que há um grande número2h bet(pessoas) LGBT, e que esse público está bem inserido na rotina da cracolândia", diz Arthur Guerra, coordenador do Redenção, programa municipal2h betrecuperação2h betviciados2h betcrack. "Há um certo respeito por parte dos outros usuários, algo que talvez não exista2h betoutros pontos da cidade."

As integrantes da "Maloca das Bichas", que chega a reunir mais2h bet20 pessoas, andam e dormem juntas para se proteger do inverno paulistano e também2h betpossíveis ataques violentos. Compartilham comida, cobertores doados e caixas2h betpapelão onde guardam seus pertences. A BBC Brasil acompanhou a rotina do grupo nas últimas semanas.

No último dia 192h betjulho, foram elas que protestaram contra Doria quando ele apareceu na região para doar cobertores. Um dia antes, um morador2h betrua havia morrido sob suspeita2h bethipotermia.

Moradores2h betrua reclamam2h betque, apesar das doações, guardas municipais continuam retirando pertences2h betquem vive nas vias públicas.

'Uma grande festa'

Os membros da Maloca fazem incursões semanais à cracolândia -2h bettrês a quatro dias -, mas não vivem no fluxo, como boa parte dos dependentes. Costumam chamar os momentos2h betque estão fora do fluxo2h bet"manque", um termo2h betfrancês que significa escassez.

Elas falam abertamente sobre a dependência2h betcrack. Costumam mudar2h betopinião quando abordam uma possível recuperação. Por vezes, dizem que querem parar;2h betoutras, encaram a cracolândia como uma grande festa.

Sasha Ohara, travesti2h bet23 anos, é um exemplo. Na quinta, dia2h betir ao fluxo, calculou que fumaria 20 pedras2h betuma só vez. Parecia muito feliz. "Sou um caso sem solução, não consigo parar2h betfumar. Vou morrer usando droga", diz, pintando o rosto com maquiagem.

Em outro dia, confidenciou a vontade2h betinterromper a espiral2h betque está inserida. Tentou parar várias vezes nos últimos anos, inclusive com internações. "Mas nunca consigo", diz.

A pedra apareceu aos 13 anos2h betidade, em2h betcidade natal, Três Corações (MG). Em 2012, quando embarcou para São Paulo, tinha dois sonhos: reencontrar um ex-namorado por quem ainda era apaixonada e conhecer a cracolândia. Realizou só o segundo.

No ano passado, tentou parar com a droga e voltou para a família. Mas seus pais têm dificuldade2h betaceitar um filho travesti, conta. "Levei um namorado para casa. Não deu certo", diz Sasha. "Não é a família que abre mão da gente, nós é que abandonamos tudo". Depois da tentativa, retornou a São Paulo e se reuniu à Maloca das Bichas.

Essa grande quantidade2h betconsumo2h betcrack não é incomum. Uma pesquisa Datafolha entre os dependentes mostrou que eles fumam,2h betmédia, onze pedras por dia - gastam,2h betmédia, R$ 89 diariamente.

Usuários2h betcrack no centro2h betSão Paulo

Crédito, Allan White/Fotos Públicas

Legenda da foto, Depois2h betuma operação policial,2h betmaio, os usuários2h betcrack se deslocaram para outros pontos do centro2h betSP

As beatas

Paulo Hermenegildo,2h bet34 anos, é uma espécie2h betlíder e fundador da Maloca. Formou a comunidade2h betnovembro do ano passado quando reencontrou na rua algumas amigas com quem tinha convivido2h betuma clínica2h betreabilitação no interior2h betSão Paulo.

Dois meses antes, Paulo andava perto da rodoviária do Tietê (zona norte2h betSP) quando um homem o ofendeu com xingamentos homofóbicos. Houve briga e ele foi golpeado com uma pedra no rosto, que deixou uma cicatriz. "Na maloca a gente cuida uma da outra, somos unidas, nos protegemos. A gente só não divide o crack, porque aí é cada um por si", diz, dobrando os cobertores usados2h betmais uma noite fria.

Inicialmente, o grupo se alojava na avenida Amaral Gurgel, também embaixo do Minhocão. Segundo Paulo, comerciantes e moradores pagaram R$ 500 para que eles saíssem do local. "A gente vive recebendo esse tipo2h betoferta. Ninguém quer morador2h betrua na2h betfrente, ainda mais travestis e gays", diz.

O grupo vive essencialmente2h betpedir doações, tarefa apelidada2h bet"manguear". Wesley,2h bet32 anos, diz que arrecada até R$ 300 por dia quando "mangueia" bem. "A gente conta uma história triste, no meu caso, a minha história2h betverdade. As pessoas costumam ter pena2h bettravesti", afirma. Ele conta que entrou no crack depois2h betperder os pais2h betacidente2h betcarro,2h bet2009.

Sasha Ohara explica o conceito2h bet"beata", pessoa que doa dinheiro frequentemente. "Tenho beata que me dá R$ 502h betuma vez", diz. O dinheiro é usado para comprar comida, produtos2h bethigiene, ou crack.

Hoje, o grupo fica próximo à estação Marechal Deodoro do metrô, local ocupado por dezenas2h betmoradores2h betrua. A proximidade da estação ajuda2h betquestões práticas: ali há um banheiro público, onde é possível "tomar banho" nas torneiras.

Sexo no fluxo

Pesquisa da prefeitura aponta que 20% dos dependentes da cracolândia têm sífilis; outros 8% são portadores2h betHIV e 15% têm tuberculose.

Segundo Arthur Guerra, do programa Redenção, a gestão Doria avalia a possibilidade2h betuma campanha contra o sexo inseguro na região. "Quando esse cenário vem temperado com uso2h betdrogas é mais preocupante. Esses problemas (doenças) se potencializam (entre dependentes2h betcrack)", diz.

Todos as pessoas que conversaram com a BBC Brasil disseram que sexo sem preservativo é comum no fluxo. Hotéis e pensões do entorno cobram R$ 5 por uma hora2h betpermanência.

"No fluxo, as pessoas fazem qualquer coisa para conseguir crack", diz Paulo. "As travestis geralmente têm mais pedras, porque conseguem mais dinheiro mangueando. Então você imagina o que acontece...", explica.

Sasha Ohara revela que não existe muita preocupação com as doenças. "Nós chamamos a Aids2h bettia. Toda travesti da rua vive com a tia. Se não tem agora, vai ter um dia", diz.

"Sempre vai haver prevalência2h betdoenças sexualmente transmissíveis entre a população mais vulnerável, como a LGBT", diz Nathalia Oliveira, presidente do Conselho Municipal2h betPolíticas2h betDrogas e Álcool, órgão independente que fiscaliza ações da prefeitura na área. "A prefeitura precisa reforçar as campanhas2h betprevenção."

Moradores2h betsituação2h betrua embaixo do elevado João Goulart

Crédito, Leandro Machado/BBC Brasil

Legenda da foto, A Prefeitura2h betSP não tem dados sobre a comunidade LGBT na cracolândia, que2h betalguns momentos tem 900 pessoas

Reabilitação e internação provisória

Paulo conta que se viciou2h betcrack durante uma temporada2h betum cruzeiro, onde trabalhou como cozinheiro. Depois, perdeu um namorado e mergulhou2h betvez.

Diz que escolheu e gosta da2h betvida que leva nas ruas. "Estou nessa porque quero, uso crack porque quero", explica. "Entendo que, quando você faz essa escolha, abre mão2h betmuita coisa, da2h bethigiene, da2h betidentidade. Mas nesse momento não penso2h betparar (com o crack)".

Wesley tampouco afirma ter intenção2h betse tratar. "Faz um mês que saí da clínica (de reabilitação). O corpo pede o crack, é uma necessidade, quem não usa não entende isso", diz.

Tratar2h betdependentes que não querem ajuda é um dos maiores desafios dos programas2h betreabilitação que atuam na cracolândia. Como os agentes2h betsaúde podem convencer uma pessoa a aderir ao tratamento se ela gosta e quer continuar no crack?

Para Arthur Guerra, a solução seriam internações compulsórias, quando a Justiça determina tratamento forçado. Em maio, a gestão Doria pediu à Justiça autorização para retirar pessoas à força da cracolândia para avaliação médica - o pedido foi negado.

"Na minha visão2h betmédico, entendo que uma pessoa não está bem se ela tem prazer2h betviver na cracolândia. Não posso jogar 40 anos2h betmedicina e dizer que isso é uma coisa normal. É uma dependência gravíssima", diz Guerra.

Nathalia Oliveira, do conselho2h betpolíticas2h betdrogas, critica ações2h betassistência social voltadas ao público LGBT, que é mais vulnerável "Não há albergues para trans e travestis, por exemplo. Muitas dessas pessoas têm medo2h betsofrer violência nos albergues comuns. Elas acabam nas ruas e andando2h betbando para se proteger".

Travestis já foram acusados2h betpraticarem roubos e furtos na região central2h betSão Paulo.

Sobre o público LGBT, a gestão Doria diz que a cidade tem quatro Centros2h betCidadania que oferecem atendimento psicológico, jurídico,2h betassistência social e mediação2h betconflitos. Também há o programa Transcidadania, que atualmente tem 114 vagas2h betestudo preenchidas com transsexuais.

A prefeitura também afirma que já realizou 36 mil atendimentos na cracolândia desde a operação policial2h betmaio.

Despedida

Embaixo do Minhocão, o grupo Maloca das Bichas se apronta para a temporada no meio da cracolândia. Paulo vai até o banheiro na estação e toma um banho na torneira. Sasha Ohara coloca uma saia e óculos escuros. Wesley vai2h betturbante.

Cinco travestis pulam a catraca do metrô para chegar ao destino mais rápido. Paulo se despede do repórter. "Agora é cada um por si", diz, e entra no trem.