De Raquel Dodge a Cármen Lúcia: o que 4 mulheres no topo representam para a Justiça:cbet quebec

Crédito, Marcelo Camargo/Agência Brasil

Legenda da foto, Raquel Dodge passará a comandar a Procuradoria-Geral da Uniãocbet quebecsetembro

"Elas prevalecem (em número), mas, à medida que a carreira avança, vão ficando pelo caminho por que veem que não vão chegar ao topo", diz à BBC Brasil Patricia Tuma Martins Bertolin, professora do Mackenzie e autora do livro recém-lançado Mulheres Advogadas: Perfis Masculinoscbet quebecCarreira ou Tetocbet quebecVidro, baseado emcbet quebecpesquisacbet quebecpós-doutorado.

No estudo, Bertolin investigou dez grandes escritórioscbet quebecadvocacia do país. Em apenas dois deles encontrou números iguaiscbet quebecmulheres e homens na condiçãocbet quebecsócios. Nos demais, as mulheres são contratadascbet quebecmaior número já no estágio, sendo também a maioria nos patamares iniciais da carreira, mas, à medida que esta avança, tendem a permanecercbet quebecposições subalternas.

"A maioria das que ascenderam conseguiram fazê-lo antescbet quebecserem mães", explica Bertolin.

E, quando mães, precisam se submeter a condições muito difíceis: "Abdicandocbet quebecfinscbet quebecsemana, trabalhandocbet quebecmadrugada, sob grandes pressões. Em troca da flexibilidadecbet quebecnão ter um horário rígido para entrar (no escritório), elas vivemcbet quebecritmo alucinante, que gera um alto índicecbet quebecafastamento por doença. E muitas voltam da licença-maternidade com menos chancecbet quebecestar no páreo para serem promovidas."

Além disso, para Bertolin, no meio jurídico "existe a concepçãocbet quebecque os cuidados com a família devem ser assumidos prioritariamente pelas mães. Ninguém na minha pesquisa questionou o fatocbet quebec'por eu ser mãe, sou eu que sou chamada na escola, que tenho que contratar a empregada...'. É algo naturalizado e que se repetecbet quebecoutras profissões, como mostram pesquisascbet quebeccarreiras como a medicina".

Crédito, Carlos Moura/SCO/STF

Legenda da foto, Cármen Lúcia (à dir), ao ladocbet quebecRosa Weber, já se manifestou contra distinçõescbet quebecgênero na mais alta Corte do país

Magistratura

Na carreira jurídica pública, segundo o censo do Poder Judiciáriocbet quebec2014, há por exemplo 64%cbet quebecmagistrados homens e 36%cbet quebecmulheres.

À medida que a hierarquia sobe, a diferença aumenta ainda mais: os desembargadores brasileiros são 78,5% do sexo masculino; os ministroscbet quebectribunais superiores e do STF são 81,6% do sexo masculino.

Para Maria da Gloria Bonelli, professora sênior do Departamentocbet quebecSociologia da Ufscar e pesquisadora do tema, a ascensão na carreira pública é "complexa" para mulheres.

De um lado, a ingressão via concurso ajuda a neutralizar diferençascbet quebecgênero e garantias trabalhistas, como licença-maternidadecbet quebecseis meses. Mas quando o avanço dependecbet quebecnomeações, há mais empecilhos.

"Muitas sentem que não foram discriminadas, porque a carreira pública neutraliza (distinçõescbet quebecgênero). Mas outras dizem que precisaram se dedicar o dobro", diz Bonelli à BBC Brasil.

Em outros poderes, há desequilíbrio ainda maior do que no Judiciário, apesar da existênciacbet quebeccotas para candidatas mulheres.

Nas últimas eleições, por exemplo, apenas 13% dos prefeitos e 14% dos vereadores eleitos eram mulheres, segundo o Tribunal Superior Eleitoral.

"Não é algo que venha só dos homens, mas dos valores da sociedade. Muitas se escondem atrás do escudocbet quebecprofissional irretocável para que a condiçãocbet quebecgênero não pese demais. (...) Muitas delegam tarefas a outras mulheres, com todas as culpas que isso traz."

No Supremo, a ministra Cármen Lúcia já fez algumas vezes questionamentos a distinçõescbet quebecgênero.

Durante sessãocbet quebecmaio, quando a ministra Rosa Weber foi interrompida por Luiz Fux, Cármen Lúcia se queixou.

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Profissão tem cada vez mais mulheres, que ocupam mais espaços subalternos do quecbet quebeccomando

"Em todos os tribunais constitucionais onde há mulheres, o númerocbet quebecvezescbet quebecque as mulheres são aparteadas (interrompidas) é 18 vezes maior do que entre os ministros. (...) Em geral, eu e a ministra Rosa - não nos deixam (nem) falar, então nós não somos interrompidas."

Impacto na Justiça?

O debatecbet quebecrelação à presença feminina no Judiciário não se restringe às condiçõescbet quebeccarreira. Uma questão crucial é se a ausênciacbet quebecmais mulheres no topo impacta a forma como a Justiça é feita e aplicada no Brasil.

Em 2010, o Conselho Nacionalcbet quebecJustiça chegou a afastar um juiz mineiro que,cbet quebecsentençacbet quebecum processocbet quebecviolência contra a mulher, afirmou que a Lei Maria da Penha tem "regras diabólicas" e "que o mundo é masculino e assim deve permanecer".

Agregou que "uma falsa igualdade tem sido imposta às mulheres, que,cbet quebecverdade, vêm sendo constantemente usadas nos discursos políticoscbet quebeccampanha".

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Especialistas debatem se masculinização do comando tem impacto na forma como a Justiça é aplicada

Em 2014, ganhou as manchetes uma decisão do Tribunalcbet quebecJustiçacbet quebecSão Paulo que inocentou um fazendeiro do interior do Estado que fora presocbet quebecflagrante por estuprar uma meninacbet quebec13 anoscbet quebec2011.

A conclusão dos desembargadores da Corte foicbet quebecque a menina era prostituta e isso pode ter confundido o fazendeiro.

"Podemos encontrar menorescbet quebec14 anos que aparentam ter mais idade, mormente nos casoscbet quebecque eles se dedicam à prostituição", diz a decisão do TJ.

Para Patricia Bertolin, decisões desse teor "sãocbet quebecmachismo explícito". "O julgador entra com o preconceito dele", afirma.

Maria da Gloria Bonelli também acredita que haveria comportamentos diferentes no Judiciário se houvesse mais mulheres no topo, mas faz ressalvas.

"É algo bastante debatido. Também há muitas mulheres que pensamcbet quebecforma binária, com critérios hegemônicos masculinos", diz.

Além disso, diz, "vimos, por exemplo, que apenas botar mulheres (para comandar) a Delegacia da Mulher não melhora. Acaba se tornando um gueto feminino, desvalorizado".

Algumas pesquisas acadêmicas debatem se o domínio masculino no Judiciário dificultaria o acesso à Justiça para vítimas mulheres.

'Ambientecbet quebecresistência'

Em artigocbet quebec2015 publicado na revista Direito GV, a socióloga Wânia Pasinato analisou as condiçõescbet quebecaplicação da Lei Maria da Penha.

Umacbet quebecsuas conclusões écbet quebecque existe "um ambientecbet quebecresistência,cbet quebecinstituições que não se prepararam para cumprir com seus novos mandatos e nas quais o machismo institucionalizado bloqueia o avanço e a incorporaçãocbet quebecpolíticascbet quebecgênero".

Mas Pasinato não acredita que aumentar o númerocbet quebecmulheres nas instâncias jurídicas necessariamente ampliaria o acesso à Justiça das vítimas mulheres.

"Existem magistradas, promotoras, defensoras, delegadas muito bem informadas sobre a gravidade da violência contra as mulheres e que atuam pela defesa dos direitos das mulheres. Portanto, contribuem para ampliar esse acesso. Contudo, há aquelas com visões diferentes", diz por email à BBC Brasil.

"Aquelas que acham que a mulher ainda provoca a violência. Aquelas que acham que é mais importante preservar a maternidade e a família, mesmo que isso coloquecbet quebecrisco a vida da mulher."

"Isso porque o machismo que invisibiliza a violência contra as mulheres é parte do repertório culturalcbet quebechomens ecbet quebecmulheres na nossa sociedade. Não basta ser mulher para ter uma identificação imediata com os direitos das mulheres ou com a violaçãocbet quebecseus direitos", completa Pasinato.

De qualquer modo, as pesquisadoras concordam que a existênciacbet quebecquatro mulherescbet quebecalgumas das mais altas instâncias jurídicas do país tem aspecto positivo na promoção da igualdade.

"A inexistênciacbet quebecmulherescbet quebecespaçoscbet quebecpoder se torna um funil para as outras mulheres, que acham que a ascensão não é possível", diz Bertolin.

Para Bonelli, trata-se tambémcbet quebec"uma conquista muito importantecbet quebecuma geração, que por muitos anos cavou seu espaço" no meio jurídico, "em uma épocacbet quebecque se dizia que precisavam trabalhar como homens,cbet quebecuma profissão masculina".

"São dimensões diferentes do acesso à justiça, mas que no somatório representam uma sociedade mais igualitária e que respeita os direitos humanos das mulheres", conclui Pasinato.