Os jovens que vivem com a desconfiançaafiliados greenbets ioterem sido infectadosafiliados greenbets iopropósito com HIV:afiliados greenbets io

Crédito, Emanoele Daiane/BBC Brasil

Legenda da foto, Lucas Patrick Machado convive com o HIV há três anos e desistiuafiliados greenbets iodenunciar transmissão intencional por dificuldadeafiliados greenbets ioapuração

Um telefonema, três meses após o encontro, abalaria Machado, que receberia alta hospitalar naquele dia após um procedimento cirúrgico simples.

"Ele me ligou e eu disse que estava no hospital porque tinha feito uma cirurgia. Então o Celso sugeriu que eu aproveitasse para fazer um exameafiliados greenbets ioHIV, porque ele tinha me deixado um presente na noiteafiliados greenbets ioque a gente ficara", conta o rapaz.

Horas mais tarde, Machado recebeu resultadosafiliados greenbets ioexames pré-operatórios que havia feito. "O médico confirmou que eu era soropositivo. Fiquei estático. Na hora percebi que talvez ele tivesse furado a camisinha. Para mim a vida tinha acabado."

Apesarafiliados greenbets ioacreditar que tenha sido alvoafiliados greenbets iotransmissão intencional do HIV, ele optou por não denunciar Celso. "Eu tinha 21 anos e não tinha maturidade para pensarafiliados greenbets iodenúncia. Se ocorresse hoje, talvez eu denunciasse. Mas acho muito complicado levar casos assim adiante, porque é muito difícil provar", diz.

Embora sejam fatos isolados dentroafiliados greenbets iouma populaçãoafiliados greenbets io827 mil pessoas vivendo com HIV no Brasil, situações como aafiliados greenbets ioLucas expõem o dilemaafiliados greenbets iosoropositivos diante da dificuldadeafiliados greenbets ioapuração e o preconceito comumente embutido nesses casos.

Puniçõesafiliados greenbets iodebate

A transmissãoafiliados greenbets iodoenças venéreas ou graves já é crime no Brasil. O Código Penal prevê penaafiliados greenbets ioaté um anoafiliados greenbets ioprisão a quem expõe o parceiro a doença venérea sabendo que está contaminado - caso a exposição seja intencional, a pena sobe para até quatro anosafiliados greenbets iocadeia.

No caso do HIV, uma decisãoafiliados greenbets io2012 do Superior Tribunalafiliados greenbets ioJustiça já enquadrou a transmissão dolosa como lesão corporal gravíssima, delito que pode resultarafiliados greenbets ioaté oito anosafiliados greenbets ioreclusão.

Ainda assim, um projetoafiliados greenbets iolei que tramita na Câmara dos Deputados desde 2015, do deputado Pompeoafiliados greenbets ioMattos (PDT-RS), quer tornar a prática crime hediondo, que prevê penaafiliados greenbets iodois a oito anosafiliados greenbets iocadeia.

Entretanto, entidades que apoiam pessoas com HIV e observatóriosafiliados greenbets iopolíticas públicas para a doença criticam a iniciativa legislativa. O Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids), por exemplo, afirma que o projeto é "desnecessário" e um "retrocesso".

Crédito, Antonio Augusto/Câmara dos Deputados

Legenda da foto, Projeto do deputado Pompeoafiliados greenbets ioMattos quer enquadrar transmissão intencional do HIV como crime hediondo, mas entidades criticam iniciativa como 'retrocesso'afiliados greenbets iopolíticas para a doença

O Unaids diz que já há tipificação penal para esses casos e que não há comprovaçãoafiliados greenbets ioque a criminalização da prática traga benefícios à saúde pública. Afirma ainda que há riscoafiliados greenbets ioindução a erros graves do Judiciário eafiliados greenbets iocriminalização deliberadaafiliados greenbets iopessoas que vivem com o vírus, entre outros pontos.

"Uma vez sob a ameaçaafiliados greenbets ioser considerada criminosa, a pessoa tende a fugir dos serviçosafiliados greenbets iosaúde, evitando o teste para o HIV, tornando-se potencialmente mais propensa a transmitir o vírusafiliados greenbets ioforma involuntária", afirma o programa. Para a entidade, os casosafiliados greenbets iopropagação deliberada são isolados,afiliados greenbets iorazão dos tratamentos com antirretrovirais, que reduzemafiliados greenbets io96% as chancesafiliados greenbets ioum HIV positivo transmitir o vírus.

Preconceito e incertezas

Vítimasafiliados greenbets ioprováveis transmissões intencionais relatam preconceito no momento das denúncias.

"Fiz a denúnciaafiliados greenbets iouma delegacia,afiliados greenbets ioum homem que transou comigo contra a minha vontade. Começaram a investigar, mas no fim disseram que não existe violência sexual contra homem e não havia como provar que me infectaram intencionalmente. Essa é uma das coisas que mais me abalam, porque nem a polícia quis me ajudar", diz o universitário Luiz*,afiliados greenbets io22 anos, do Rioafiliados greenbets ioJaneiro.

Ele diz ter conhecido um homemafiliados greenbets io40 anos, que dizia ser diretorafiliados greenbets ioescola, por meioafiliados greenbets ioum aplicativoafiliados greenbets iorelacionamentos,afiliados greenbets iofevereiro deste ano. Eles conversaram por dois dias e marcaram um encontroafiliados greenbets ioum motel.

"Ele pediu para fazermos sexo sem camisinha e falou que não tinha nenhuma doença. Mas eu não queria. Então ele usou a força contra mim, para me impossibilitarafiliados greenbets iosair, e transou comigo sem preservativo", conta.

O universitário diz ter bloqueado o homemafiliados greenbets iotodos os meiosafiliados greenbets iocomunicação após o ato sexual. "Não sabia o que fazer, porque não ia procurar a minha família nem ninguém. Preferi guardar para mim e torcer para que não tivesse contraído o vírus. Optei por não falar mais com ele."

Ele diz ter sidoafiliados greenbets ioprimeira relação sem preservativo. E que um mês após o encontro passou a ficar doente com frequência.

"Tive bastante febre, tomei remédio e não melhorava. Recuperei-me, mas sentia muita dorafiliados greenbets iocabeça. Em março começaram a aparecer manchasafiliados greenbets iomim e fui fazer exameafiliados greenbets iosangue."

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, Casoafiliados greenbets ioLuiz (nome fictício) teve investigação curta; ele diz ter ouvido da polícia que homem não sofre abuso e que havia feito feito sexo por vontade própria

Dois dias depois, ele recebeu o resultado e descobriu que era HIV positivo. "Minha mãe foi a primeira a saber e me contou. Foi horrível, para mim o mundo tinha acabado. Não sabia o que fazer."

No dia seguinte, o universitário teve a primeira consulta médica e começou o tratamento contra o vírus. Depois foi a uma delegacia prestar queixa contra o suposto abusador.

"Decidi denunciá-lo, mas não se aprofundaram no caso. Ele foi procurado pela polícia, disse que não sabia que tinha HIV, mas teve que fazer o teste e deu positivo."

Para Luiz, restou a incerteza sobre a intencionalidade na transmissão. "É difícil descobrir se foi intencional ou não. Não posso afirmar que ele sabia, mas acredito que sim. Independentemente disso, o que ele fez foi errado, porque fez sexo comigo sem camisinha, mesmo sem meu consentimento."

A Polícia Civil do Rio não respondeu aos contatos da reportagem.

A Secretariaafiliados greenbets ioSegurança Públicaafiliados greenbets ioSão Paulo,afiliados greenbets ionota, negou que haja descaso das polícias nessas situações. Afirmou que orienta vítimasafiliados greenbets iopossíveis transmissões propositais a registrarem a ocorrência, e que há análise individualizada dos casos para "tipificaçãoafiliados greenbets ioqual crime o fato se enquadra". Informou ainda que não há levantamento estatístico dessa modalidade criminal.

afiliados greenbets io Acusações

O publicitário Lucas Raniel,afiliados greenbets io25 anos, que viveafiliados greenbets ioRibeirão Preto (SP), experimentou consequênciasafiliados greenbets ioacusações sobre transmissão intencionalafiliados greenbets ioHIV.

Ele convive com o vírus há três anos e chegou a ser acusadoafiliados greenbets iopropagar o vírus deliberadamente. "No ano retrasado, criaram um grupoafiliados greenbets ioWhatsApp com uma foto minha e falaram que eu estava passando Aids. Esse boato se espalhou e eu descobri. Fiqueiafiliados greenbets iochoque."

Na época, Raniel estavaafiliados greenbets iotratamento contra o vírus e possuía carga viral indetectável. "Eu ia aos bares e sentia que ficavam me olhando. Muita gente se afastou. Fui me fechando. Era da faculdade ao trabalho e do trabalho para casa."

Crédito, Marina Biava

Legenda da foto, Publicitário Lucas Raniel diz ter sido alvoafiliados greenbets iofalsos boatosafiliados greenbets iotransmissão intencional do HIV

O publicitário revela que chegou ao extremoafiliados greenbets iose pendurar na janelaafiliados greenbets ioseu quarto por uma noite inteira.

"Pensavaafiliados greenbets iopular. É triste falar isso, mas não gostoafiliados greenbets iodeixarafiliados greenbets iocitar, porque pessoas pensam nisso. E não pode ser assim. Você não pode se suicidar por contaafiliados greenbets iouma doença. Tem que vencê-la e não se entregar. Mas a maldade e o preconceito fazem com que você se feche e se entregue a uma depressão que nem percebe."

Raniel descobriu ser HIV positivoafiliados greenbets iodezembroafiliados greenbets io2013. Diz acreditar ter sido infectado três meses antes, após encontro com um rapaz que conhecera via aplicativo.

"Tinha chegadoafiliados greenbets iocasa bêbado, após uma festa, e conheci o rapaz. Conversamos um pouco e nos encontramos na mesma noite. Fui para a casa dele, continuamos bebendo e acabei perdendo os sentidos. No meio da madrugada, ele me levou ao quarto, mas tenho uma lembrança muito vaga desse dia."

Na manhã seguinte, ele relata que se recordou da relação sexual. "Lembroafiliados greenbets iopouca coisa dessa noite, mas sabia que ele tinha feito sem camisinha. Eu o questionei sobre isso e ele falou que eu poderia ficar tranquilo, porque ele era 'de boa' e não tinha nada."

Antesafiliados greenbets iodescobrir o vírus, ele diz que chegou a procurar o homem novamente. "Comecei a ficar doente e cheguei a procurá-lo no WhatsApp, falei o que estava acontecendo e disse que não tinha transado sem camisinha com mais ninguém. Ele ficou muito nervoso e me bloqueouafiliados greenbets iotudo."

Raniel é outro que acredita ter sido vítimaafiliados greenbets iotransmissão intencional do HIV, porém optou por não denunciar o caso. "Não há como provar que foi proposital. Além disso, acredito que um erro meu ocasionou isso, porque eu estava bebendo muito, por isso não denunciei. Não tenho mágoa. Espero que ele esteja bem e não faça mais isso. Torço para que esteja se cuidando e vivendo normalmente, como é possível."

Crédito, Thinkstock

Legenda da foto, Aplicativosafiliados greenbets iopaquera facilitaram relações sexuais, o que pode ajudar a explicar aumento da epidemia entre homens

Tendência

Os três jovens citados nesta reportagem integram faixa da população que tem apresentado aumento nos índicesafiliados greenbets ioinfecção.

Os dados do Ministério da Saúde mostram que a taxaafiliados greenbets iohomensafiliados greenbets io15 a 19 anos com Aids mais que duplicouafiliados greenbets io2003 a 2015 (de 2,9 casos por 100 mil habitantes para 6,9). O mesmo ocorreu na faixaafiliados greenbets io20 a 24 anos (de 18,1 casos por 100 mil habitantes para 33,1).

Especialistas sugerem que as razões estão ligadas a fatores como surgimentoafiliados greenbets ioaplicativos que facilitam encontrar parceiros sexuais e diminuiçãoafiliados greenbets ioprogramasafiliados greenbets ioeducação nas escolas.

A orientação do Ministério da Saúde é usar preservativo nas relações sexuais sempre. Em casoafiliados greenbets iosuspeitaafiliados greenbets ioexposição ao HIV, o Sistema Únicoafiliados greenbets ioSaúde oferece a Profilaxia Pós-Exposição (PEP), que é um tratamento com antirretroviral por 28 dias, cujo objetivo é evitar a infecção pelo vírus. O procedimento deve ser iniciado em, no máximo, até 72 horas após o contato com o HIV.

Estima-se que no Brasil existam 112 mil pessoas vivendo com o vírus e que ainda não sabem. Outras 260 mil já saberiam, mas ainda não fazem usoafiliados greenbets ioremédios.

Das 827 mil pessoas vivendo com o HIV no Brasil, 715 mil já foram diagnosticadas - 512 mil deram início ao tratamento e 92% delas possuem carga viral indetectável.

Adele Benzaken, diretora do departamentoafiliados greenbets ioDST, HIV/Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde, diz que o preconceito faz com que pessoas não busquem tratamento. "Esse estigma sobre o HIV positivo prejudica o tratamento, principalmenteafiliados greenbets ioregiões onde não há muito conhecimento sobre o assunto."

Crédito, Science Photo Library

Legenda da foto, A terapia antirretroviral é uma combinaçãoafiliados greenbets iotrês remédios ou mais para impedir a multiplicação do vírus HIV no corpo humano.

Ativismo

Lucas Patrick Machado diz que o preconceito é recorrente emafiliados greenbets iovida. Atualmente desempregado, ele acredita que o vírus seja um dos fatores que dificultam a busca por trabalho, mesmo estandoafiliados greenbets iotratamento e com carga viral indetectável.

"Nunca escondo o HIV quando vou procurar um emprego. As pessoas, infelizmente, julgam muito os soropositivos. Elas nos tacham como promíscuos, como lixo. Mas ninguém sabe qual foi a trajetória da vida daquela pessoa."

Instigado pelas dificuldades enfrentadas pelas pessoas que convivem com o HIV, Machado se tornou ativista da causa e representa a Rede Nacionalafiliados greenbets ioAdolescentes e Jovens Vivendo com HIV/Aidsafiliados greenbets ioMato Grosso.

"Antes somente a minha família sabia. Mas decidi revelar para todo mundo após uma viagem ao Recifeafiliados greenbets ioque encontrei outros jovens que vivem com o HIV. Em 2015 fiz uma publicação no Facebook para que todo mundo que conheço soubesse. Depois, virei ativista, para ajudar outras pessoas."

Por meio do trabalho nessa rede, ele descobriu o interesse pela Psicologia. Em junho, foi aprovado no ProUni e conquistou uma bolsa para o cursoafiliados greenbets iouma universidadeafiliados greenbets ioCuiabá. As aulas começarãoafiliados greenbets ioagosto.

Além disso, ele possui uma relação sorodiscordante (uma pessoa com HIV e uma sem HIV) há maisafiliados greenbets ioum ano. "Desde que começamos a namorar ele sabia que eu era HIV positivo. Ele sempre me aceitou. Eu me mudei pra Cuiabá por causa dele e hoje moramos juntos", diz.

Luiz contou sobre o HIV somente a parentes e amigos próximos. Ele vem tentando se adaptar à nova realidade, mas ainda encontra dificuldades.

"Sinceramente, não sei o que esperar da minha vida. Perdi a confiança da minha família eafiliados greenbets iomim mesmo. Isso acabou dificultando tudo. Até hoje, quero que o cara que fez isso comigo pague. Eu continuei levando minha vida adiante, mas é complicado, porque não esqueço essa injustiça terrível que aconteceu", diz .

Lucas Raniel decidiu revelar ser HIV positivo por meioafiliados greenbets iouma publicação no Facebook. "Fui a uma palestra sobre o HIV e senti vontadeafiliados greenbets ioassumir. As pessoas começaram a me parabenizar, disseram que era corajoso, e as coisas foram fluindo aos poucos."

Apesarafiliados greenbets ioter recebido o apoioafiliados greenbets iodiversos conhecidos, ele diz ainda sofrer preconceito. "Tem muita gente ruim, ainda existem situaçõesafiliados greenbets ioque sou alvoafiliados greenbets iodiscriminação, mas não me deixo abater por isso."

* Nomes fictícios.