'Depois do que passei, vou ter que viver na calçada?': moradores da cracolândia temem despejo:estrelabet evo

Crédito, Felipe Souza

Legenda da foto, Casal (boné vermelho e boné branco) aguarda ser expulsoestrelabet evopensão na cracolândia

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Legenda da foto, Antigo estacionamento foi reformado e virouestrelabet evopensão para 30 famílias na cracolândia

Neste ano, a prefeitura anunciou que iniciaria o programa Redenção, para esvaziar a cracolândia e revitalizar a região. Dória afirmou que fará tudo issoestrelabet evomaneira humanitária, oferecendo "atendimento clínico e social necessário" aos dependentes químicos. O programa seria lançado na última quarta-feira, mas a gestão o suspendeu por tempo indeterminado.

Questionada, a prefeitura não detalhou o que será feito na área nem se as pessoas que moravam ou trabalhavam ali receberão algum tipoestrelabet evoauxílio. Apenas que pagará as indenizações necessárias "no prazo determinado".

A internação dos usuários à força foi negada pela Justiça paulistaestrelabet evodecisão liminar (provisória) após pedido feito pela Defensoria Pública nesta quarta. Mas a possibilidadeestrelabet evodespejo preocupa a famíliaestrelabet evoVanessa eestrelabet evoseus vizinhos.

A prefeitura diz que o motivo das interdições e demolições está nas "condições precáriasestrelabet evofuncionamento e irregularidades nas edificações e/ou documentação". Questionada, porém, a administração municipal não mostrou ou mencionou algum laudo que comprovasse riscosestrelabet evodesabamento ou irregularidades. Desde o último domingo, nove estabelecimentos comerciais foram fechados e emparedados.

A iminência do despejoestrelabet evoVanessa afeta também outras 30 famílias, que pagam R$ 500 por mês - ou R$ 25 por dia - para morar no mesmo prédio que ela.

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Legenda da foto, Guardas reforçam o patrulhamento na região da cracolândia

As famílias têm um espaçoestrelabet evocercaestrelabet evo10 metros quadrados cada, mais banheiro e lavanderia coletivos. São dez quartos com camasestrelabet evoalvenaria no térreo e outras 20 no segundo andar, mais apertados.

Entrevistada pela BBC Brasil na vésperaestrelabet evoseu aniversário, comemorado nesta quinta, Vanessa diz com a voz embargada que prefere esquecer a data. "Imagina se vou comemorar alguma coisa. Me dá só um motivo, por favor. Eu só quero que minhas filhas não passem por nada disso. Eu faço tudo por uma pedraestrelabet evocrack, mas elas vêmestrelabet evoprimeiro lugar."

O maridoestrelabet evoVanessa diz ter largado a droga e conta que agora só bebe um pouco, fuma cigarro e maconha "porque ninguém éestrelabet evoferro e precisa dar uma relaxada". O cozinheiro Gustavo (nome fictício),estrelabet evo31 anos, conta que estáestrelabet evobuscaestrelabet evoum emprego, mas afirma queestrelabet evopassagem pela cadeia por tráficoestrelabet evodrogas dificulta a recolocação.

"Fiquei presoestrelabet evo2006 a 2008 por um crime forjado e desde então tento recomeçar minha vida. Mas você acha que eu consegui alguma chance depois que voltei para as ruas? Só portas fechadas. Isso revolta alguém que só quer uma chance, irmão", diz o cozinheiro, que não tem emprego registrado há dez anos.

Oportunidade

Fumaça, Cachaça e Maconha, os três cães do casal, dividem o espaço com ele e os filhos no quarto da pensão. Mas os animais passam a maior parte do tempo dentroestrelabet evoum carrinhoestrelabet evosupermercado e não se separam dos donos por nada. Se o passeio é na rua, são carregados como bebês e, na hora do almoço, comem parte da comida dos donos e um poucoestrelabet evoração.

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Legenda da foto, Cãesestrelabet evocasal que corre riscoestrelabet evoficar desabrigado comem almoço dos donos e dormemestrelabet evocarrinho

"Eles são nossos grandes amigos. São muito felizes e bem cuidados. Como não podem se defender, o mínimo que fazemos é cuidar bem deles. Os nomes? Escolhemos os mais legais. Se até a Bruxa do 71 (personagem do seriado Chaves) pode dar o nome ao gatoestrelabet evoSatanás, a gente também pode brincar", diz Gustavoestrelabet evomeio a risadas.

Vanessa não trabalha. Gustavo faz bicos como cozinheiro e serventeestrelabet evopedreiro quando algum amigo o indica. Quando nada aparece, pede esmolasestrelabet evoum cruzamento movimentado próximo ao shopping West Plaza - a 3,5 km da cracolândia.

"Eu só queria ter um lugar para poder cozinhar e vender marmitex na rua. Colocaria tudo numa caixaestrelabet evoisopor e sairia vendendoestrelabet evocanteirosestrelabet evoobras, motoboys, tudo quanto é trabalhador com fome. Eu faria um novo começo", planeja o rapaz.

Sublocação

A comerciante Valdete Sousa Emiliana,estrelabet evo36 anos, é a dona da pensão onde o casal mora, na alameda Dino Bueno. Ela afirma que aluga o local, que funcionou como estacionamento até 2014, por R$ 4.200 por mês. Se as 30 famílias pagam R$ 500 cada, ela arrecada R$ 15 mil, mas diz que o lucro é muito menor porque paga funcionários e faz manutenção no local.

"Aqui é tudo arrumado. Tem cartãoestrelabet evoponto, o prédio tem seguro e tudo. A prefeitura quer nos tirar daqui sem dar nenhum motivo ou contrapartida. Eles precisam saber que nesta rua não tem só traficante e viciado. Tem muito garçom, faxineira e outros trabalhadores que veem aqui como o único lugar onde conseguem pagar aluguel", conta Emiliana.

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Legenda da foto, Paredeestrelabet evoprédio usado como pensão na cracolândia foi derrubada por trator da prefeitura; três pessoas se feriram

A comerciante disse que a prefeitura ordenou que ela e todos os moradores deixassem o local imediatamente, pois corre o riscoestrelabet evodesabar. O prédio foi atingido nesta segunda-feira por tratores da prefeitura, que demoliram imóveis na região.

Três pessoas tiveram ferimentos leves após serem atingidas por escombros causados pela demolição. Em nota, a prefeitura informou que "não houve demoliçãoestrelabet evonenhum imóvel ocupado". O acidente levou Emiliana a proibir a permanênciaestrelabet evocrianças no local durante o dia para que elas não corram o riscoestrelabet evoestar no imóvel durante uma possível reintegraçãoestrelabet evoposse.

Ouvindo a conversa, Vanessa relata que só não foi atingida por um blocoestrelabet evoconcreto porque passou segundos antes da parede desabar.

Ela não possui alguns documentos, como certidãoestrelabet evonascimento, e diz que não espera nada do futuro.

O marido conta que ela tem muita vontadeestrelabet evoconhecer a família - que a abandonou. Diz que, ultimamente, ela teve recaídas e voltou a fumar crack com uma frequência maior. Baixinho, ele diz: "Agora mesmo, ela está na fissura, eu estou percebendo. Eu deixo ela ir fumar. Muitas vezes, ela até melhora, sabia?".

Vanessa então chama uma amiga, pergunta se a reportagem quer fazer mais alguma pergunta e se despede.

"Eu estou evitando o crack, eu juro. Mas a pressão é muito grande", diz, antesestrelabet evoatravessar a portaestrelabet evoaço da pensão até sumir no meioestrelabet evoum aglomeradoestrelabet evousuáriosestrelabet evobusca por mais uma pedra.