A polêmica cassação888betsmédico após morte888betsbebê888betsparto domiciliar:888bets

Crédito, Gustavo Roth/Agência Preview/BBC Brasil

Legenda da foto, Ricardo Jones888betsseu sítio888betsPorto Alegre; obstetra foi acusado888betscometer delito ético ao atender parto domiliciar888betscasos que acabaram com morte888betspacientes

A decisão também considerou que Jones infringiu o artigo 87, por não elaborar prontuário do paciente no caso julgado - um parto domiciliar888bets2010 na capital gaúcha,888betsque o bebê morreu 24 horas após o nascimento.

Prevendo a repercussão, Jones foi até o corredor do hotel, onde o sinal fraco da internet chinesa melhorava um pouco, e redigiu888betsresposta.

"A punição visa atingir não apenas o profissional, mas suas ideias e888betsluta contra a violência obstétrica e o abuso888betscesarianas888betsnosso meio", escreveu.

Em poucas horas, a publicação alcançou mais888bets5 mil reações e 1,5 mil compartilhamentos no Facebook, e motivou ativistas do parto natural a manifestar apoio na rede social por meio da hashtag #euapoioricjones.

Publicada, a decisão do Cremers colocou888betsevidência não apenas a carreira do médico, reconhecido defesor do parto normal, mas o embate entre diferentes concepções888betsobstetrícia, o ramo da Medicina que cuida da gravidez, do parto e da saúde feminina no pós-parto.

Processo888betscassação

Desde a sentença, Jones evita ir ao consultório. Falou com a BBC Brasil no café888betsum shopping e tem usado como escritório um sítio da família na zona sul888betsPorto Alegre, onde planeja construir uma ecovila.

Em três décadas888betstrabalho, o obstetra anotou mais888bets2 mil partos numa caderneta que o acompanha desde o Natal888bets1985, quando fez o primeiro plantão obstétrico num hospital888betsPorto Alegre. A última anotação data888bets29888betsjunho888bets2016 - ironicamente, uma cesariana.

Crédito, Gustavo Roth/Agência Preview/BBC Brasil

Legenda da foto, Fichas médicas com anotações888betscerca888bets2 mil partos feitos por Ric Jones entre dezembro888bets1985 e agosto888bets2016

Nos últimos meses, ele vinha planejando um afastamento gradual das atividades clínicas e pretendia se dedicar mais a dar cursos e escrever livros - já tem dois publicados, o mais recente se chama Entre as Orelhas - Histórias888betsParto (Ideias, 2012).

A ida à China era parte do projeto. "Só neste ano, estive na Inglaterra, fui duas vezes à China e ainda vou aos EUA. Fui convidado para ser professor888betsescolas888betsparteiras na China, meus livros estão sendo traduzidos para mandarim e inglês. Acabaram 34 anos888betsbullying. Agora, vou continuar na minha atividade com uma liberdade que eu nunca tive", projeta.

Apesar da aparente empolgação com novos projetos, Ric Jones, como tornou-se conhecido, não está indiferente à cassação do registro profissional, que é irreversível nas instâncias médicas.

Ele se articula para recorrer à Justiça comum e pretende denunciar a ação do Conselho888betsórgãos internacionais888betsdefesa dos direitos humanos. Diz considerar a medida injusta e desproporcional. "É um erro achar que é contra a minha pessoa, é contra a causa."

O coordenador das Câmaras Técnicas do Cremers, Jefferson Piva, é enfático ao afirmar o contrário: "Não estamos condenando o parto domiciliar e, sim, um ato médico que não seguiu os procedimentos necessários".

Os conselheiros entenderam que, no caso julgado, a realização do parto fora do ambiente hospitalar e a remoção do recém-nascido sem ambulância contribuíram decisivamente para a morte do bebê.

Jones contesta o juízo do Cremers e sustenta que houve problemas no manejo do caso quando a criança já estava hospitalizada.

"A mãe entrou espontaneamente888betstrabalho888betsparto e a criança nasceu bem, mas apresentou gemência (gemer por problemas respiratórios) que se prolongou, por isso foi levada ao hospital. O bebê foi internado na UTI, ficou três horas e meia888betsobservação, e somente após quatro horas e meia foi medicado corretamente para suspeita888betsinfecção congênita por streptococcus e morreu 24 horas depois", alega.

Sobre a falta888betsprontuário, Jones afirma que foi realizado e entregue, mas não foi aceito porque estava sem a assinatura. "Não consta lugar para assinatura no modelo usado pelo hospital", justifica.

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Legenda da foto, Jefferson Piva, do Cremers: 'Estamos condenando um ato médico que não seguiu procedimentos necessários'

Reincidência pesou na decisão

A cassação888betsum registro médico, pena máxima da categoria, é rara. No Rio Grande do Sul, há apenas outros dois casos nos últimos dez anos, sendo um referente a um implante888betsprótese peniana sem necessidade e outro por manter uma clínica888betsaborto.

Cada denúncia passa por uma câmara888betssindicância. O médico envolvido apresenta888betsdefesa à relatoria, uma comissão formada por sete conselheiros analisa os argumentos e decide se instaura o processo ou se encaminha uma diligência interna, que seria uma espécie888betsconciliação.

No caso888betsabertura888betsprocesso, o rito é semelhante ao do Judiciário: um conselheiro conduz como instrutor, testemunhas, advogados e as partes são ouvidas, documentos são apresentados, e há o julgamento.

As penas são progressivas, desde medidas administrativas até advertência pública, suspensão e, por fim, cancelamento do registro. No caso da última, é obrigatório que o plenário do Conselho endosse a decisão. Em caso positivo, ainda é necessário que o plenário do Conselho Federal888betsMedicina também se manifeste a favor. Foi o que aconteceu no caso Ric Jones.

"Ele não é primário e há outros processos que seguem888betsandamento no Conselho", complementa Jefferson Piva, sem detalhar outros casos investigados, por serem sigilosos.

Jones afirma que só teve duas complicações graves nos partos que realizou: o parto domiciliar que resultou na cassação e um caso anterior,888bets2000, quando morreram mãe e filho após a realização do parto numa reconhecida maternidade porto-alegrense.

A paciente, que acabou tendo888betspassar por uma cesariana, teve embolia aguda por líquido amniótico, uma complicação rara que ocorre quando o líquido amniótico penetra na corrente sanguínea da mãe.

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Legenda da foto, Ato888betsapoio a Ric Jones888betsparque888betsPorto Alegre; cassação888betsmédico mobilizou ativistas do parto domiciliar

Dados da Amniotic Fluid Embolism Foundation, fundação estadunidense especializada no tema, indicam que a incidência é888betsum entre 15 mil partos na América do Norte e a prevenção é impossível, pois as causas ainda não são totalmente compreendidas.

O médico alegou que a embolia estava controlada, mas a paciente teve varicela, contraída na UTI do hospital - a morte ocorreu três semanas após o parto. O bebê ainda resistiu por mais 14 dias.

O Cremers havia decidido pela suspensão888betsJones por 30 dias, por entender que ele prolongou a decisão pela cirurgia, mas o CFM atenuou a pena para uma advertência privada.

Ainda assim, Jones foi condenado na Justiça comum por dois homicídios culposos (sem intenção, da mãe e do bebê), com pena888betsdois anos e quatro meses888betsdetenção, convertida888betsprestação888betsserviços comunitários.

"Depois disso, eu sabia que meus partos teriam888betsser sempre perfeitos", diz Jones.

Controvérsia

Dados sobre a segurança888betsse realizar um parto888betscasa ainda são controversos na bibliografia científica e mais particularmente no contexto brasileiro, onde 98% dos partos ocorrem888betshospitais, sendo que 56% são cesarianas - o país é líder mundial nesse procedimento, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Ao apresentar um relatório sobre o tema888bets2015, a diretora do Departamento888betsSaúde e Pesquisas da OMS, Marleen Temmerman, afirmou que se instalou no Brasil "uma verdadeira cultura da cesariana".

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Legenda da foto, Equipe888betsenfermeiras observa mãe e bebê na Casa888betsParto888betsSão Sebastião, referência888betsparto com mínima interferência médica no Distrito Federal

Diretor888betsDefesa e Valorização Profissional da Federação Brasileira das Associações888betsGinecologia e Obstetrícia (Febrasgo), o médico Juvenal Borriello relativiza a "epidemia888betscesarianas" criticada pela OMS.

"Não concordamos com o alto número888betscesarianas feitas no Brasil, mas também não concordamos que esse índice seja atribuído única e exclusivamente ao médico. Há vários fatores, como a falta888betsdisponibilidade do ambiente hospitalar e também a opção da própria gestante."

A Febrasgo tem um posicionamento bem definido no sentido888betsnão recomendar partos domiciliares. "Eticamente e cientificamente entendemos que o parto888betscasa não oferece todo o arsenal888betssegurança que um hospital oferece. Mesmo888betscasos888betsbaixo risco, se há uma emergência, o sistema888betssaúde brasileiro nem sempre proporciona socorro rápido e que os pacientes cheguem888betsboas condições a um hospital", explica.

O Conselho Federal888betsMedicina (CFM) não proíbe, mas também não aconselha a realização888betspartos fora888betshospitais. Em uma publicação888bets2012, a entidade informa que o plenário do Conselho decidiu recomendar a realização888betspartos888betsambiente hospitalar "de forma preferencial".

Entre os estudos que embasam a recomendação, o CFM cita um artigo publicado no American Journal of Obstetrics and Gynecology que encontrou uma taxa888betsmorte neonatal888bets0,2% (32 mortes888bets16.500 nascimentos)888betspartos domiciliares comparada a 0,09% (32888bets33.302 nascimentos)888betspartos hospitalares.

Ou seja, o número888betsmortes888betscrianças nos procedimentos realizados888betscasa seria duas vezes maior do que os que ocorrem888betshospitais.

Na contramão, o Instituto Nacional para Saúde e Excelência888betsAtendimento, órgão consultivo do sistema público888betssaúde britânico disse recentemente que pelo menos 45% das mulheres teriam risco muito baixo888betscomplicações e poderiam ter seus filhos fora888betshospitais.

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Legenda da foto, Medição888betsrecém-nascido888betsparto domiciliar; dados sobre a segurança888betsse realizar um parto888betscasa ainda são controversos na bibliografia científica

Entre mulheres que davam à luz ao primeiro filho, o número888betspartos sem intervenções médicas foi maior naqueles realizados888betscasa e888betscentros888betsparteiras do que888betshospitais, segundo o órgão.

Entre as razões para isso, pode estar,888betsum lado, a sensação888betsconforto promovida no ambiente familiar e com parteiras conhecidas, e888betsoutro, a ênfase888betsalguns médicos888betsoptar por intervenções clínicas.

Cenário brasileiro

Ricardo Jones se considera solitário por defender o parto natural no meio médico brasileiro desde a faculdade888betsMedicina, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Tudo começou com o nascimento do primeiro filho, Lucas, hoje com 34 anos. "Tive oportunidade888betsassistir ao parto porque estava no terceiro ano888betsMedicina, ninguém permitia que o pai ficasse na sala888betsparto naquela época. Presenciei todas as violências obstétricas possíveis, a pediatra arrancou o bebê dos braços da minha mulher, mas foi ali que decidi ser obstetra. Fiquei magnetizado pela força do nascimento", conta.

Na faculdade, porém, Jones não encontrava interlocutores, nem entre os professores nem entre os colegas. Um diálogo no corredor888betsuma das mais tradicionais escolas888betsMedicina foi marcante.

Jones mostrou a um colega que estava lendo um livro sobre o parto888betscócoras,888betsMoysés Paciornik, e ouviu: "Tu só não consegues descer no meu conceito, porque888betsonde tu estás é difícil cair."

Apelidos pejorativos o acompanharam por toda a carreira, apontavam-no como "médico metido a parteiro" ou "aquele que atende888betscocar".

Crédito, Gustavo Roth/Agência Preview/BBC Brasil

Legenda da foto, Desde a cassação, Jones evita ir ao consultório e tem passado os dias no sítio da família888betsPorto Alegre

Outros que fazem coro com Jones têm sofrido sanções888betsoutras partes do Brasil, como a obstetra Patrícia Huguet, que teve suspensão preventiva decretada pelo Conselho Regional888betsMedicina888betsSão Paulo e está impedida888betsexercer a profissão por seis meses.

Conselhos regionais também atuam para desaconselhar partos domiciliares por meio888betsresoluções, como no Rio888betsJaneiro, que publicou norma888bets2012 proibindo médicos888betsatuarem888betspartos888betscasa.

"Um adulto assume o próprio risco, mas no caso do parto a autonomia materna tem um limite porque há outro interessado que não responde por si, o bebê. Não se justifica não fazer parto888betshospital no Brasil, que tem uma rede hospitalar altamente confiável", argumenta o coordenador do Cremers, Jefferson Piva, que é pediatra.

O argumento vai diretamente contra a principal bandeira defendida por ativistas, como a doula Maria888betsLourdes da Silva Teixeira, autora do livro A Doula no Parto (Editora Ground, 2003). "O lugar e a forma como vai se dar o parto é um direito888betsescolha da mulher", sustenta.

Não há um banco888betsdados que permita quantificar o crescimento da procura por doulas nem precisar o número888betsmulheres que se dedicam à atividade no país, mas pela atuação na área há cerca888betstrês décadas, Teixeira observa que jovens mães têm se interessado mais pelo tema nos últimos anos.

O acesso à informação propiciado pela internet, inclusive com cursos online para formação888betsdoulas, é uma das razões apontadas pela ativista.

Mesmo o acirramento do embate entre doulas e profissionais888betssaúde, manifesto888betsresoluções e legislações que tentam barrar ou regulamentar a atuação das acompanhantes888betsparto, aponta para um fortalecimento da atividade, embora com realidades diferentes888betscada região.

Lançada888bets2011 pelo Ministério da Saúde, a Rede Cegonha prevê a capacitação e qualificação888betsdoulas e parteiras tradicionais. Uma lei estadual888betsSanta Catarina, aprovada este ano, assegura a presença das doulas durante o parto e pós-parto imediato888betsmaternidades e hospitais da rede pública e privada.

Na Câmara Municipal888betsPorto Alegre, por outro lado, um projeto888betslei que inclui emenda restringindo a presença das acompanhantes888betsparto está888betsdiscussão.

Precursor na formação888betsdoulas no Brasil, quando trouxe,888bets2002, uma acompanhante888betsparto dos Estados Unidos para dar o primeiro curso, Ricardo Jones posiciona a cassação do seu registro médico como mais um episódio da controvérsia888betstorno do direito888betsescolha das mulheres sobre como, onde e quem vai lhes ajudar a parir.

"A medicina quer controlar o corpo da mulher. Sou a pessoa mais vocal da causa da humanização dos partos no Brasil, o que mais fala, o que mais viaja. Imagina o que é falar888betsparto natural no país das cesarianas?", pontua.