'Você compra remédio ou comida': as escolhas das famílias que vivem com um salário mínimorio pokerSP:rio poker

Legenda do vídeo, Auxiliarrio pokerlimpeza sustenta família com um salário mínimorio pokerfavela
Legenda do vídeo, Mãe conta como cria sete filhos com um salário mínimo

Em uma condição financeira como essa, elas admitem que, por diversas vezes, não tiveram comida suficiente para todos na casa.

Moradia

Na favelario pokerParaisópolis, na zona sul, o barro engole o parrio pokertênis do auxiliarrio pokerlimpeza Reginaldo dos Santos Santana,rio poker28 anos,rio pokerseu trajeto até o pontorio pokerônibus. Um forte cheirorio pokeresgoto preenche os becos da área.

Em um barracorio pokerdois andares feito com portas velhas, madeirites e restosrio pokertábuas moram Reginaldo, a mulher, Rafaela, e os três filhos do casal,rio poker8, 5 e 2 anos. O imóvel é alugado por R$ 250, valor que abocanha maisrio pokerum quarto do saláriorio pokerReginaldo. Em diario pokerchuva na segunda maior favelario pokerSão Paulo, eles não dormem. O risco é o barraco desabar.

Legenda do vídeo, Família vive com um salário mínimorio pokeruma ocupação na zona sulrio pokerSão Paulo

"Quando chove um pouco forte, fica parecendo um chuveiro. Molha logo a cama. Mas não tem jeito. É morar aqui ou na rua", diz Reginaldo.

A faltario pokerestrutura da casa não se limita aos problemas no telhado e nas paredes. Um grito agudorio pokerRaianny, a filhario poker5 anos do casal, anuncia que o banho começou no cômodo abaixo. O banheiro do barraco não tem chuveiro. Uma torneira acoplada na pontario pokerum cano à meia altura faz as vezesrio pokeruma ducha.

A água gelada faz tremer o corpo magro da menina. "É só no primeiro minuto, logo ela se acostuma", diz Rafaela, enquanto ensaboa a criança.

Em uma ocupação a poucos quilômetros dali, o pedreiro Carlos Augusto Silva,rio poker43 anos, conta que ajudou a erguer 12 prédiosrio poker23 andares, há três anos,rio pokerInterlagos, na zona sul. Depoisrio pokerprontas, ele jamais entrou nas torresrio pokeralto padrão.

Crédito, Felix Lima/BBC Brasil

Legenda da foto, O salário que Reginaldo dos Santos Santana recebe como auxiliarrio pokerlimpeza é a única rendario pokersua família

"A gente entra com a mãorio pokerobra, mas não vale a pena para a gente. É como diz a música: 'Está vendo aquele prédio? Eu ajudei a fazer, mas hoje não posso passar nem perto'", diz Carlos.

Cansadorio pokerviver no limite do orçamento, ele decidiu erguer um barraco com tetorio pokerlona, colocar um colchão dentro e morar.

A ocupação do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST)rio pokerum terreno na zona sulrio pokerSão Paulo abriga 300 famílias. O objetivorio pokerquem vive ali é aliviar o custo do aluguel e mostrar ao poder público que há espaços valiosos e ociosos na cidade. Emrio pokervisão, ali seria um local ideal para a construçãorio pokermoradias populares.

A família, no entanto, não pode ficar reunida sob o tetorio pokerlona. O filho mais velhorio pokerCarlos e Odilene sofrerio pokerepilepsia e atraso mental, condição que forçou a mulher a largarrio pokerocupação como empregada doméstica para se dedicar aos cuidados dele.

Por causa da doença, ele precisario pokerum ambiente mais adequado para viver, razão pela qual a família paga R$ 400 pelo aluguelrio pokeruma casario pokerdois cômodos na região, onde vivem a mãe e os dois filhos. Já Carlos passa a maior parte das noites no barraco da ocupação, algumas na companhia da mulher.

Crédito, Felix Lima/BBC Brasil

Legenda da foto, Carlos e Odilene torcem para que o filhorio poker18 anos tenha um futuro diferente do deles e tenha sucesso profissional

O problemario pokersaúde do filho garante uma pensão mensal no valorrio pokerum salário mínimo - a única renda segura com que a família pode contar.

Como complemento, o pedreiro faz bicosrio pokertrocario pokerR$ 100 por dia. Mas,rio pokertemposrio pokercrise, ele chega a passar semanasrio pokerbranco.

A cercario poker22 quilômetros dali, no centrorio pokerSão Paulo, a mão direitario pokerRenata Moura Soares,rio poker34 anos, segura a mão do filho menor enquanto a esquerda mistura os temperos na panela para fazer uma macarronada. Sozinha, ela sustenta seus sete filhos - o mais velhorio poker20 anos, o mais novorio poker1 - vendendo marmitex na região da cracolândia.

Crédito, Felix Lima/BBC Brasil

Legenda da foto, Renata com cincorio pokerseus sete filhos, que cria vendendo marmitex na cracolândia

"(Meus clientes) são os usuários e quem trabalha lá dentro. Eu trabalho com vagabundo, com todo tiporio pokergente. Eu não escolho cliente. Eu não quero saber quem é. Não quero saber o que eles estão fazendo lá dentro. Eu quero saber que eu tenho que vender a minha comida e receber", conta.

Hoje, a família viverio pokerum cortiço na região central da capital. A casa antiga, com fiação aparente, foi divididario pokervários cômodos, dois deles ocupados pelos Soares. O banheiro, no entanto, é compartilhado com mais três famílias. Renata não reclama das condições do imóvel: é melhor do que dormir com as crianças na rua, como já aconteceu.

Ela conhece a dona do imóvel e consegue alguma flexibilidade na cobrança do aluguel - que normalmente custaria R$ 400 mensais. O preço é acertado a depender do desempenhorio pokervendario pokersuas quentinhas -rio pokerum dia bom, ela chega a vender até 50 marmitex por R$ 15 cada.

Mãe solteira, ela sempre teme não dar contario pokerchegar ao fim do mês abrigada.

"Quem é mãe não merece pagar aluguel a vida inteira", diz.

Alimentação

Quem vive com o orçamento contado tem uma preocupação urgente: garantir comida no prato por 30 dias. Para isso, as famílias desenvolvem estratégias.

Reginaldo faz uma maratona semanal pelos supermercados da regiãorio pokerParaisópolis, aproveitando as diferentes promoçõesrio pokercada estabelecimento. Se a tarefa é bem sucedida, ele consegue manter os potesrio pokerarroz e feijão abastecidos. Se não, vai faltar.

Crédito, Felipe Souza/BBC Brasil

Legenda da foto, Paraisópolis, segunda maior favelario pokerSão Paulo, é vizinhario pokerárea nobre

"Aí, eu peço (dinheiro) emprestado para uma vizinha. Se acabario pokernovo, eu pego com outra pessoa no mês seguinte para pagar a anterior e assim vai", conta.

Mas a fome teimario pokeraparecer.

Rafaela, a mulherrio pokerReginaldo, vai à feira todos os sábados para "fazer a xepa", como é conhecida a práticario pokerrecolher e reaproveitar os alimentos descartados pelos feirantes.

Ela espera as barracas serem desmontadas para selecionar,rio pokermeio a restosrio pokercaixotes e pilhasrio pokerfrutas, verduras e legumes parcialmente estragados, o que servirá no almoçorio pokersua família. "Dá vergonha, é muito ruim. Mas tem que fazer", diz a donario pokercasa.

O casal conta que fica abaladorio pokerdatas comemorativas, como o Dia da Criança e Natal, quando seus filhos pedem presentes. Mas a noçãorio pokerprioridade é vital na gestão financeira da família. "Em diario pokerfesta, a gente compra ovo, salsicha e dá um pedacinho para cada um. Às vezes, eles comem até puro. Não ligam."

Se o feijão está escasso, Rafaela aumenta a quantidaderio pokerpão que a família come.

Odilene, na ocupação, enfrenta racionamento semelhante. "A gente só compra o essencial: arroz e feijão. Mistura sório pokervezrio pokerquando", conta, referindo-se a carnes, ovos ou legumes.

A economista e supervisorario pokerpreços do Dieese Patrícia Lino Costa diz que a dificuldade que as famílias sentem no estômago se confirma nos números: São Paulo tem a segunda cesta básica mais cara do Brasil entre as capitais, perdendo apenas para Porto Alegre.

"Com metaderio pokerum salário mínimo, hoje essas famílias compram uma cesta básica. Com a metade restante, tem que dar contario pokertodas as outras despesas", diz Costa.

O pedreiro Carlos definerio pokervidario pokeruma ocupação na zona sul como um jogorio pokerescolhas.

Crédito, Felix Lima/BBC Brasil

Legenda da foto, Pedreiro diz que criar dois filhos com um salário mínimo é um jogorio pokerescolhas: "Você deixario pokercortar o cabelo para comer"

"Você compra remédio ou comida. Às vezes, você deixario pokercortar o cabelo para comer, deixario pokercomprar um sabonete para comer. Você deixario pokertirar barba. Você sempre precisa cortar uma coisa para fazer a outra", conta ele.

A precariedade da ocupação é compensada pela certezario pokerque não passarão fome. Graças às doações recebidas, eles garantem três refeições diárias. "Aqui não acontecerio pokerficar sem comida, masrio pokercasa acontece. E não é raro", diz Carlos.

Renata faz um esforço ainda maior para enxugar gastos com alimentos - já que a produçãorio pokermarmitas depende disso. O bairrorio pokerCampos Elíseos, onde ela vive com os sete filhos, tem um alto custorio pokervida.

"Você tem que pesquisar, ir mais longe mesmo. Já chegou a faltar leite e açúcarrio pokercasa. Semana passada, eu passei aperto porque não tinha dinheiro para comprar leite e fralda para o meu filho. Hoje, fui com R$ 200 fazer compras pertorio pokercasa e não consegui trazer quase nada", contou.

Descontando o dinheiro que usa para reabastecer seu estoquerio pokermercadorias e embalagens para produzir marmitas, Renata conta que sobra menosrio pokerum salário mínimo.

"Com esse dinheiro, ninguém consegue ter nada. A renda que você tem é o que você vai comendo. Não consigo comprar roupa, material escolar, remédios e ainda cortaram o Bolsa Família que eu recebia. Essa semana, meu bebê estava sem um sapatinho para usar e eu tive que tirar do dinheiro das mercadorias para comprar", diz.

Futuro

Os paisrio pokerfamília que vivem com um salário mínimo costumam ter alguns elementosrio pokercomum: a baixa escolaridade, a infância marcada por privações e pela necessidaderio pokertrabalhar. Um enredo que tentam, com diferentes níveisrio pokersucesso, evitar repetir com seus filhos.

Desde que se mudourio pokerIlhéus, na Bahia, para São Paulo, há dois anos e meio, a famíliario pokerParaisópolis nunca teve uma renda mensal superior a um salário mínimo. Rafaela, que estudou até a 5ª série e já trabalhou como auxiliarrio pokerlimpeza, diz que sonha que o marido consiga um emprego bom e que o casal compre uma casa.

Ela ainda espera que os filhos estudem e obtenham sucesso profissional. Aos 8 anos, no entanto, o mais velho ainda não começou a 1ª série.

Reginaldo gostario pokersonhar no trajetorio pokercercario pokeruma hora e meiario pokerônibus até o trabalho. É no tempo no transporte coletivo que ele se imaginario pokeroutra vida: "É um pouco difícilrio pokerrealizar. Pelo que eu ganho não tem como... Mas meu sonho é ter uma casa própria e um carrinho na garagem para eu dar para a minha família", conta.

Crédito, Felipe Souza/BBC Brasil

Legenda da foto, Família vive na área mais percária da favelario pokerParaisópolis, a segunda maior favelario pokerSão Paulo

Para ele, o ideal seria ganhar ao menos dois salários mínimos "para me levantar um pouco". Mas ao ser questionado sobre suas expectativas disso acontecer, Reginaldo ficario pokersilêncio.

A família chegou a receber Bolsa Família, mas não conseguiu renovar o benefício porque a certidãorio pokernascimento do filho acabou danificada e os pais não conseguiram fazer o cadastro.

O casal que vive na ocupação também parou os estudos no ensino fundamental, mas tem a esperançario pokerque seu filhorio poker18 anos trace uma história diferente. "Ele ganhou uma bolsario pokerestudos muito boa e está tendo uma formação mais digna", disse.

Os olhosrio pokerCarlos se enchemrio pokerlágrimas ao lembrarrio pokerum pedido feito pelo caçula. "Nunca pude dar um videogame para o meu filho. Até hoje ele fala disso. Meu filho, seu pai ainda vai conseguir lhe dar o melhor videogame do mundo. Isso fica na minha cabeça, até choro", afirmou.

Para a economista do Dieese Patrícia Costa, a política atual perpetua a pobreza porque as famílias não conseguem ter gastos alémrio pokeralimentação e moradia.

Crédito, Felipe Souza/BBC Brasil

Legenda da foto, Filhosrio pokerRenata brincam no corredorrio pokercortiço onde moram no centrorio pokerSP

"Essa realidade impede a mudançario pokerclasse porque as crianças precisam ir trabalhar. Da forma que estamos hoje, a tendência é piorar a situação dessas famílias. O que deve haver é uma políticario pokervalorização do salário mínimo, investimentorio pokersaúde e, principalmente,rio pokereducação básica e profissionalizante", diz.

A comerciante que vive na cracolândia conta que se incomoda por seus filhos cresceremrio pokerum ambienterio pokerdegradação e violência. Embora acorde às 6h para dar contario pokerpreparar e vender almoço e jantar nas ruas da cracolândia, ela não conseguiu evitar que os filhos mais velhos tivessem que deixar a escola para ajudá-la no trabalho. A história repeterio pokerprópria juventude:

"Ver que meu filho não pode dar continuidade na escola, da mesma forma que eu, é triste. Eu estudei até a terceira série e hoje convivo com essa falta", afirma, antesrio pokercompletar: "Futuramente, a gente não sabe o que pode acontecer. Medo qualquer mãe tem. Dá medorio pokeramanhã ou depois ele querer partir para o lado errado porque a preocupação dele ao ver a minha dificuldade para conseguir alguma coisa é grande".