O Brasil deveria mudar o modo como lida com a memória da escravidão?:continentalbet com

Crédito, Lofgren/Gouvea/Ferrez

Legenda da foto, O Brasil recebeu a maioria dos africanos escravizados enviados às Américas

Visitantes — emcontinentalbet commaioria negros americanos — caminhavamcontinentalbet comsilêncio pela sala que simula o porãocontinentalbet comum navio negreiro, entre lastroscontinentalbet comferro do São José e algemas usadascontinentalbet comoutras embarcações (um dos pares, com circunferência menor, era destinado a mulheres ou crianças).

"Tivemos 12 negros que se afogaram voluntariamente e outros que jejuaram até a morte, porque acreditam que quando morrem retornam a seu país e a seus amigos", diz o capitãocontinentalbet comoutro navio,continentalbet comrelato afixado na parede.

Provacontinentalbet comexistência

Expor peçascontinentalbet comum navio negreiro era uma obsessão do diretor do museu, Lonnie Bunch. Em entrevista ao The Washington Post, ele disse ter rodado o mundo atrás dos objetos, "a única prova tangívelcontinentalbet comque essas pessoas realmente existiram".

Destroços do São José foram descobertoscontinentalbet com1980, mas só entre 2010 e 2011 pesquisadores localizaramcontinentalbet comLisboa documentos que permitiram identificá-lo. Um acordo entre arqueólogos marinhos sul-africanos e o Smithsonian selou a vinda das peças para Washington.

Crédito, Divulgação/Smithsonian

Legenda da foto, Inauguradocontinentalbet comsetembro, o Museucontinentalbet comHistória e Cultura Afroamericana custou US$ 1,7 bilhão

Que o destino do São José fosse o Brasil não era coincidência, diz Luiz Felipecontinentalbet comAlencastro, professor emérito da Universidadecontinentalbet comParis Sorbonne e um dos maiores especialistas na história da escravidão transatlântica.

Ele afirma à BBC News Brasil que fomos o paradeirocontinentalbet com43% dos africanos escravizados enviados às Américas, enquanto os Estados Unidos acolheram apenas 0,5%.

Segundo um estudo da Universidadecontinentalbet comEmory (EUA), ao longo da escravidão ingressaram nos portos brasileiros 4,8 milhõescontinentalbet comafricanos, a maior marca entre todos os países do hemisfério.

Esse contingente, oito vezes maior que o númerocontinentalbet comportugueses que entraram no Brasil até 1850, faz com que Alencastro costume dizer que o Brasil "não é um paíscontinentalbet comcolonização europeia, mas africana e europeia".

O fluxocontinentalbet comafricanos também explica porque o Brasil é o país com mais afrodescendentes fora da África (segundo o IBGE, 53% dos brasileiros se consideram pretos ou pardos).

Por que, então, o Brasil não tem museus ou monumentos sobre a escravidão comparáveis ao novo museu afroamericanocontinentalbet comWashington?

Apartheid e pilhagem da África

Para Alencastro, é preciso considerar as diferenças nas formas como Brasil e EUA lidaram com a escravidão e seus desdobramentos.

Ele diz que, nos EUA, houve uma maior exploraçãocontinentalbet comnegros nascidos no país, o que acabaria resultando numa "forma radicalcontinentalbet comracismo legal,continentalbet comapartheid".

Crédito, BBC Brasil / João Fellet

Legenda da foto, Museu virou um dos mais concorridos da capital americana e está com os ingressos esgotados até março

Até a décadacontinentalbet com1960,continentalbet compartes do EUA, vigoravam leis que segregavam negros e brancoscontinentalbet comespaços públicos, ônibus, banheiros e restaurantes. Até 1967, casamentos inter-raciais eram ilegaiscontinentalbet comalguns Estados americanos.

No Brasil, Alencastro diz que a escravidão "se concentrou muito mais na exploração dos africanos e na pilhagem da África", embora os brasileiros evitem assumir responsabilidade por esses processos.

Ele afirma que muitos no país culpam os portugueses pela escravidão, mas que brasileiros tiveram um papel central na expansão do tráficocontinentalbet comescravos no Atlântico.

Alencastro conta que o reino do Congo, no oeste da África, foi derrubadocontinentalbet com1665continentalbet combatalha ordenada pelo governo da então capitania da Paraíba.

"O pelotãocontinentalbet comfrente das tropas era formado por mulatos pernambucanos que foram barbarizar na África e derrubar um reino independente", ele diz.

Vizinha ao Congo, Angola também foi invadida por milicianos do Brasil e passou vários anos sob o domíniocontinentalbet combrasileiros, que a tornaram o principal pontocontinentalbet compartidacontinentalbet comescravos destinados ao país.

"Essas histórias são muito ocultadas e não aparecem no Brasil", ele afirma.

continentalbet com Reparações históricas

Para a brasileira Ana Lucia Araújo, professora da Howard University,continentalbet comWashington, "o Brasil ainda está muito atrás dos EUA" na forma como trata a história da escravidão.

"Aqui (nos EUA) se reconhece que o dinheiro feito nas costas dos escravos ajudou a construir o país, enquanto, no Brasil, há uma negação disso", ela diz.

Autoracontinentalbet comvários estudos sobre a escravidão nas Américas, Araújo afirma que até a ditadura militar (1964 – 1985) era forte no Brasil a "ideologia da democracia racial", segundo a qual brancos e negros conviviam harmonicamente no país.

São recentes no Brasil políticas para atenuar os efeitos da escravidão, como cotas para negroscontinentalbet comuniversidades públicas e a demarcaçãocontinentalbet comterritórios quilombolas.

Crédito, Divulgação/Smithsonian

Legenda da foto, Expor peçascontinentalbet comum navio negreiro era uma obsessão do diretor do museu

Ela diz que ainda poucos museus no Brasil abordam a escravidão, "e, quando o fazem, se referem à população afrobrasileiracontinentalbet commaneira negativa, inferiorizante".

Segundo a professora, um dos poucos espaços a celebrar a cultura e a história afrobrasileira é o Museu Afro Brasil,continentalbet comSão Paulo, mas a instituição devecontinentalbet comexistência principalmente à iniciativa pessoalcontinentalbet comseu fundador, o artista plástico Emanoel Araújo.

E só nos últimos anos o Riocontinentalbet comJaneiro passou a discutir o que fazer com o Cais do Valongo, maior porto receptorcontinentalbet comescravos do mundo. Mantido por voluntários por vários anos, o local se tornou neste ano candidato ao postocontinentalbet comPatrimônio da Humanidade na Unesco. (Nota do editor: o local entraria na lista da Unescocontinentalbet com9continentalbet comjulhocontinentalbet com2017)

Para a professora, museus e monumentos sobre a escravidão "não melhoram as vidas das pessoas, mas promovem um tipocontinentalbet comreparação simbólica ao fazer com que a história dessas populações seja reconhecida no espaço público".

Visibilidade e representação

Para o jornalista e pesquisador moçambicano Rogério Ba-Senga, a escravidão e outros pontos da história entre Brasil a África têm pouca visibilidade no país, porque "no Brasil os brancos ainda têm o monopólio da representação social dos negros".

"Há muitos negros pensando e pesquisando a cultura negra no Brasil, mas o centro decisório ainda é branco", diz Ba-Senga, que moracontinentalbet comSão Paulo desde 2003.

Para ele, o cenário mudará quando negros forem mais numerosos na mídia brasileira — "para que ponham esses assuntoscontinentalbet compauta" — e nos órgãos públicos.

Para Alencastro, mesmo que o Estado brasileiro evite tratar da escravidão, o tema virá à tona por iniciativacontinentalbet comoutros grupos.

"Nações africanas que foram pilhadas se tornaram independentes. Há nesses países pessoas estudando o tema e uma imigração potencialmente crescentecontinentalbet comafricanos para o Brasil", ele diz.

Em outra frente, o professor afirma que movimentos brasileiroscontinentalbet comperiferias e grupos quilombolas pressionam para que os assuntos ganhem espaço.

"Há hoje uma desconexão entre a academia e o debate no movimento popular, mas logo, logo tudo vai se juntar, até porque a maioria da população brasileira é afrodescentente. Os negros são maioria aqui."

* Este texto foi atualizadocontinentalbet com19continentalbet comnovembrocontinentalbet com2019.