Gasolina, dólar e inflação: os possíveis impactos do conflito Hamas-Israel no Brasil e no mundo:

Tudo isso adiciona pressão para um 2024 que já deve ser desafiador,meio aos possíveis efeitos do El Niño sobre a próxima safra agrícola brasileira e às incertezas nas contas públicas nacionais.

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Preço dos combustíveis

"Qualquer conflito hoje afeta o mundo inteiro, principalmente quando mexe no preço do barrilpetróleo", diz André Braz, coordenador do ÍndicePreços ao Consumidor do Ibre-FGV (Instituto BrasileiroEconomia da Fundação Getulio Vargas).

"Uma pressãocima desse mercado aumenta a probabilidadetermos algum aumento do diesel e da gasolina daqui até o final do ano", acrescenta.

Braz observa que a gasolina compromete cerca5% do orçamento das famílias brasileiras.

"Isso significa que, para cada 1%aumento da gasolina, o impacto na inflação ao consumidor é0,05 ponto percentual. Então um aumento5% na bomba, por exemplo, representaria um aumento na inflação0,25 ponto. Isso é inflação na veia", afirma.

O IPCA-15, prévia da inflação oficial brasileira, chegou a 5% no acumulado12 meses até setembro, registrando o segundo mêsaceleração, após ir a uma mínima3,19%julho.

No mês passado, a altapreços já havia sido puxada pela gasolina, segundo o IBGE (Instituto BrasileiroGeografia e Estatística).

Nesta segunda-feira, o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, afirmou que o maior efeito da guerra deve ser sobre o diesel, mas que a empresa deve mitigar a volatilidade atravéssua nova políticapreços, que não segue mais automaticamente a paridade internacional.

"Isso vai mostrar como está dando certo a política atualpreços da Petrobras, ela deve mitigar esses efeitos", disse Pratesevento no RioJaneiro.

Braz avalia, porém, que a empresa pode até adiar o reajuste, mas não conseguirá evitá-lo, caso o preço do petróleo se consolidepatamar mais elevado,tornoU$ 95 por barril.

Esse, segundo ele, parece ser o cenário mais provável, diante da guerra e das restriçõesoferta por parte da Rússia e da Opep (Organização dos Países ExportadoresPetróleo).

Insumos industriais

Braz destaca, porém, que a alta do petróleo não afeta apenas os combustíveis, mas também uma sérieoutro derivados do óleo, como adubos, fertilizantes, químicos, queroseneaviação e resinas plásticas utilizadas como insumo pelas indústrias.

"O aumento dos combustíveis é um efeito mais rápido, mas à medida que o preço do petróleo se consolide num novo patamar tudo isso acaba subindopreço e o destino é a inflação ao consumidor, à medidaque a indústria vê seus insumos mais caros", diz Braz.

"Você já começa a contratar uma pressão inflacionária que vai ser mais difícilser combatida2024, porque ela vemuma pressãocusto, nãodemanda", observa.

Isso porque o principal instrumento do Banco Central para o controle da inflação é a taxa básicajuros (a Selic), que é usada como uma formacontrolar a ofertacrédito para empresas e famílias, esfriando ou aquecendo a economia.

Mas a taxa afeta a atividade pelo lado da demanda – o investimento no caso das empresas e o consumo,se tratando das famílias –, tendo pouco efeito quando a inflação vemuma pressãooferta.

Braz observa que essa pressão para a inflação2024 já começa a se formardiversos segmentos – como os alimentos, que pesam bastante para as famíliasmenor renda.

"Há dúvidas sobre como o El Niño vai impactar a agricultura no ano que vem, então já temos essa pressão inflacionária no radar e agora vão se somando outras."

E se o conflito se agravar?

Para Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, se o conflito se mantiver restrito aos territóriosIsrael e palestinos (FaixaGaza e Cisjordânia), o efeito da guerra deverá se restringir à volatilidade do petróleo, com impacto menor para a economia mundial do que a guerra entre Rússia e Ucrânia, iniciadafevereiro2022.

Vale observa que um risco maior nesse cenário será se a Opep decidir fazer algum movimento semelhante àquele observado na Guerra dos Seis Dias (1967) ou na Guerra do Yom Kippur (1973), quando os países árabes se uniram contra o apoio americano e europeu a Israel e impuseram corte na produção e embargo às exportações, elevando os preços do petróleo a recordes para aquela época.

Mas ele avalia que esse não é hoje o cenário mais provável.

Para o ano que vem, no entanto, Vale observa que o cenáriooferta restrita, estoques baixos e poucos investimentos novos no setorpetróleo se soma à questão política da eleição nos Estados Unidos.

"Aí pode haver interesse, tanto da Arábia Saudita, como da Rússia,tentar prejudicar a eleição[Joe] Biden ano que vem, forçando um preçopetróleo mais alto e trazendo repercussãopreçocombustível, inflação, taxajuros e crescimento da economia americana, que prejudicaria o atual presidente natentativareeleição", avalia o analista.

O economista acrescenta que um cenárioentradaatores como o Irã, Hezbollah e Arábia Saudita no conflitoIsrael poderia mudar a escala da guerra. Mas ele também considera que esse não é o quadro mais verossímil neste momento.

Commodities agrícolas e riscorecessão nos EUA

Para as commodities agrícolas – principal item da pautaexportação brasileira –, Vale acredita que o tamanho da safra no ano que vem e o desempenho das economias dos EUA e China são fatores mais importantes do que o conflito no Oriente Médio.

"No caso americano, a grande complicação é uma economia que não paracrescer, o que pressiona a taxajuros a ficar elevada por mais tempo e pode levar a um processo recessivo no ano que vem. É alta a probabilidadeisso acontecer", diz Vale.

Isso geraria uma turbulência na economia mundial muito mais complexa, diz o economista, num cenárioque os EUA enfrentam um quadro fiscal desafiador e uma polarização política agressiva, que coloca indefinição para uma resposta mais coordenada a uma eventual situaçãocrise.

"Tudo isso pode trazer mais impacto para a economia mundial e brasileira no ano que vem do que estamos vendo agoraIsrael", conclui o economista.