'Única forma da Venezuela controlar Essequibo seria com ação militar, mas não é capaz disso', diz ex-embaixador da Venezuela na Guiana:g1globo esporte

Crédito, EPA

As relações entre a Venezuela e a Guiana atingiram seu pior momentog1globo esportedécadas.

A antiga controvérsia entre os dois países pelo território chamado Essequibo – que a Venezuela afirma ter sido erroneamente tomado por uma sentença arbitral emitidag1globo esporte1899 e, na verdade, representa dois terços do território da Guiana – provocou uma profunda crise entre os dois vizinhos.

Em 1966, as partes se comprometeram a buscar uma solução prática e satisfatória para a controvérsia, por meio do chamado Acordog1globo esporteGenebra.

Mas, como o mecanismo amigável não permitiu que se chegasse a uma solução, maisg1globo esporteum quartog1globo esporteséculo depois, a Guiana solicitou que o caso fosse levado para a Corte Internacionalg1globo esporteJustiça (CIJ), que emitirá uma decisão sobre a disputa.

Paralelamente, a Guiana começou a outorgar concessõesg1globo esporteexploraçãog1globo esportepetróleog1globo esporteáguas não delimitadas, sobre as quais a Venezuela acredita ter direito.

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No último dia 3g1globo esportedezembro, o governo do presidente venezuelano Nicolás Maduro realizou um referendo sobre Essequibo. E, após o anúncio dos resultados favoráveis, vem promovendo uma lei que permita a anexação do território à Venezuela.

Este anúncio causou preocupação na Guiana. O presidente do país, Irfaan Ali, declarou que suas forçasg1globo esportedefesa se encontramg1globo esportealerta total eg1globo esportecomunicação com o Comando Sul dos Estados Unidos.

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Maduro também acusou a petrolífera norte-americana ExxonMobil, principal produtorag1globo esportepetróleo na Guiana,g1globo esportefinanciar políticos da oposição venezuelana.

De fato, o procurador-geral da Venezuela, Tarek William Saab, ordenou a detençãog1globo esporte14 pessoas (incluindo diversos políticos opositores) acusadasg1globo esportetraição à pátria por uma suposta "tramag1globo esportefinanciamento e conspiração relacionada à ExxonMobil contra a Venezuela".

A empresa norte-americana afirmou que a acusação é ridícula e sem fundamento. E diversos analistas defendem que as açõesg1globo esporteMadurog1globo esporterelação a Essequibo são parteg1globo esporteuma tentativag1globo esporteenfraquecer a oposição venezuelana antes das eleições presidenciais do país, previstas para 2024.

Neste contexto, a BBC News Mundo – o serviçog1globo esporteespanhol da BBC – conversou com Sadio Garavini di Turno. Ele foi embaixador da Venezuela na capital da Guiana, Georgetown, entre 1980 e 1984.

Garavini se dedicou ao estudo do conflito territorial sobre Essequibo durante décadas, não só como diplomata, mas também como acadêmico.

O ex-embaixador é doutorg1globo esporteCiência Política, professor universitário e autorg1globo esportediversas publicações sobre a política externa da Venezuela e da Guiana. Confira a entrevista abaixo.

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, As milícias bolivarianas defenderam os locaisg1globo esportevotação durante o referendo sobre Essequibo realizado na Venezuela.

g1globo esporte BBC News Mundo: O governog1globo esporteNicolás Maduro anunciou que irá criar um Estado venezuelanog1globo esporteEssequibo e conceder concessõesg1globo esportepetróleo no território controlado pela Guiana. Como se explica isso?

g1globo esporte Sadio Garavini di Turno: Isso é ridículog1globo esportenível internacional porque, obviamente, o que isso significa?

Maduro nomeou um general como encarregado pela defesa da Guiana Essequiba, mas com sedeg1globo esporteTumeremo, que é uma cidade venezuelana no sul do Estadog1globo esporteBolívar. Ele decidiu que a PDVSA [Petróleosg1globo esporteVenezuela S. A.] irá contar com uma filial para investir na Guiana Essequiba.

Bem, a pergunta é: como irá fazer? Isso evidentemente implicaria uma açãog1globo esporteforça.

Em relação à PDVSA, a empresa não tem dinheiro sequer para investir na "Venezuela atual" e gostariag1globo esportever se ela tem fundos para fazê-log1globo esporteáguas marítimas e submarinas na costag1globo esporteEssequibo.

g1globo esporte BBC: Por que a Venezuela assume agora esta atitude?

g1globo esporte Garavini: Tudo isso é uma manobrag1globo esportepolítica interna frente a um temag1globo esportecaráter internacional, para tentar mostrar que está fazendo algog1globo esporterelação à reivindicaçãog1globo esporteEssequibo depois do referendo – que foi outra manobrag1globo esportepolítica interna para tentar fazer cair no esquecimento o sucesso da oposição nas eleições primárias.

Em termos internacionais, a única formag1globo esporteexercer a soberania sobre a Guiana Essequiba da formag1globo esporteque estão dizendo, que irão fazer um novo mapa da Venezuela incluindo Essequibo, antes uma região reivindicada, bem, deveria ser uma ação militar para exercer a soberania sobre o território.

g1globo esporte BBC: É possível essa ação militar?

g1globo esporte Garavini: Acredito que as Forças Armadas venezuelanas não têm capacidadeg1globo esportefazê-lo, devido ao desastreg1globo esporteque se encontram. Além disso, não existem estradas e, por isso, elas deveriam seguir através da floresta, desembarcar por mar ou enviar paraquedistas, o que implicag1globo esportetotal incapacidade.

Na verdade, do pontog1globo esportevista internacional, o que estão fazendo é algo irresponsável, pois nos prejudica muito na Corte Internacionalg1globo esporteJustiça, onde o assunto estág1globo esporteandamento.

O que o governo deveria fazer seria preparar-se para defender os direitos da Venezuela na Corte Internacionalg1globo esporteJustiça.

g1globo esporte BBC: Qual é a importânciag1globo esporteEssequibo para a Venezuela?

g1globo esporte Garavini: Para a Venezuela, é fundamental defender a saída ao Atlântico, a projeção dag1globo esportezona econômica exclusiva eg1globo esporteplataforma continental, não apenas a gerada pela reivindicaçãog1globo esporteEssequibo, mas a do Delta Amacuro [Estado venezuelano localizado no extremo nordeste do país,g1globo esportefrente ao Oceano Atlântico e ao ladog1globo esporteEssequibo].

A Guiana demarcou arbitrariamente uma linha que supostamente assinala a fronteira com a Venezuela e que não é aceitável, porque cerceia a nossa projeção na zona econômica exclusiva e a plataforma continental do Estado Delta Amacuro. É isso é inaceitável.

Em termosg1globo esporteEssequibo propriamente dito, é preciso recordar que ele representa dois terços do território que a Guiana considera seu, controla e administra desde a sentença arbitralg1globo esporte1899.

O Acordog1globo esporteGenebra falag1globo esporteuma solução prática e satisfatória para ambos.

Se precisássemos chegar a um acordo com base nele, é óbvio que um acordo satisfatório para a Guiana nunca contemplaria a entregag1globo esportedois terços do seu território. É preciso entender isso com uma boa leitura do Acordog1globo esporteGenebra.

O que se pode conseguir com o Acordog1globo esporteGenebra é uma compensação territorial sensata que, certamente, é muito difícilg1globo esportedefinirg1globo esportecomum acordo entre as duas partes. Portanto, muito provavelmente, será necessária a intervençãog1globo esporteum terceiro.

Por isso, destaco as áreas marítimas e submarinasg1globo esporteuma região ricag1globo esportepetróleo e nem tanto o territóriog1globo esportesi, pois, segundo o Acordog1globo esporteGenebra, obviamente apenas uma parte dele poderia retornar à Venezuela.

g1globo esporte BBC: Como essa delimitação marítima feita pela Guiana prejudica a Venezuela?

g1globo esporte Garavini: Ela cerceia centenasg1globo esportemilharesg1globo esportequilômetros quadradosg1globo esporteáreas marítimas e submarinas, ricasg1globo esportepetróleo, gás e pesca, além da própria saída para o Atlântico. Se essa linha for aceita, deveríamos pedir permissão para sair ao Atlântico, o que é evidentemente inaceitável.

Mas isso tem relação secundária com a questãog1globo esporteEssequibo. Tem relação porque a Guiana traçou essa linhag1globo esporteforma arbitrária a partirg1globo esportePunta Barima, que é o limite do territóriog1globo esporteEssequibo. Mas isso deverá ser debatido no final.

É irresponsabilidade do governog1globo esporteMaduro desconhecer a Corte Internacionalg1globo esporteJustiça. Agora, o governo está dizendo que a CIJ está a mando da Exxon.

Ali, na Corte Internacionalg1globo esporteJustiça, é onde precisaremos resolver o problema da delimitaçãog1globo esporteáreas marítimas e submarinas, depois que for solucionada a questãog1globo esporteEssequibo.

g1globo esporte BBC: Qual mecanismo ou estratégia a Venezuela deveria usar para fazer valer os direitos que afirma ter sobre Essequibo?

g1globo esporte Garavini: Agora, já não há alternativa.

As pessoas não entendem que dois secretários-gerais das Nações Unidas e o último mediador decidiram levar o tema à Corte Internacionalg1globo esporteJustiça.

Se não houver acordo entre as partes, o Acordog1globo esporteGenebra concede ao secretário-geral a capacidadeg1globo esportedecidir qual mecanismog1globo esportesolução pacíficag1globo esportecontrovérsias deve ser aplicado. Por isso, não há por onde fugir, do pontog1globo esportevista do direito público internacional.

Precisamos nos defender na Corte Internacionalg1globo esporteJustiça e o governo não está fazendog1globo esportetarefa, que consisteg1globo esportepreparar nossas argumentações, para defender nossos direitos.

Temos argumentos para demonstrar que a sentença arbitralg1globo esporte1899 foi injusta, como produtog1globo esporteum acordo político entre o presidente russo e os dois membros britânicos do tribunal. É isso que deveríamos fazer com os maiores especialistas nacionais e internacionais.

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, A Venezuela declarou que a Sentença Arbitralg1globo esporte1899 sobre Essequibo, favorável ao Reino Unido, é 'nula e sem efeito'.

g1globo esporte BBC: A comunidade internacional parece apoiar o status quo atual. A Guiana afirma que conta com o apoio da OEA, do Caricom (a Comunidade do Caribe), da Comunidade Britânica, dos EUA e do Reino Unido, entre outros. Por que não se ouvem outras vozes apoiando a Venezuela?

g1globo esporte Garavini: A Guiana sempre contou com o apoio do Caricom e da Comunidade Britânicag1globo esporteNações. A sede do Caricom estág1globo esporteGeorgetown e a Guiana é membro da Commonwealth.

Mas o restante, a imensa maioria da comunidade internacional, não apoia a Guiana. Ela apoia que o problema seja solucionado pacificamente na Corte Internacionalg1globo esporteJustiça, como já decidiram dois secretários-gerais da ONU, segundo o Acordog1globo esporteGenebra.

A campanhag1globo esportedesinformação do governog1globo esporteMaduro faz crer que o Acordog1globo esporteGenebra é uma coisa e a Corte Internacionalg1globo esporteJustiça é outra. Mas estamos na Corte Internacionalg1globo esporteJustiça devido ao Acordog1globo esporteGenebra.

g1globo esporte BBC: Afirma-se que a estratégiag1globo esporteevitar a CIJ e tentar resolver a disputa com a Guianag1globo esporteforma bilateral é a que mais convém à Venezuela. Neste caso, não seria lógico que Maduro tentasse evitar ir à CIJ?

g1globo esporte Garavini: Claro, mas devia ter feito isso muito antes.

O gravíssimo erro do governo venezuelano ocorreug1globo esportedezembrog1globo esporte2013, quando a então chanceler da Guiana, Carolyn Rodrigues-Birkett, afirmou que, depoisg1globo esporte26 anosg1globo esportenegociações bilaterais assistidas pelo mediador e muitos anos mais desde o Acordog1globo esporteGenebra, havia chegado o momentog1globo esporteencerrar a delimitação do território,g1globo esportesuas áreas marítimas e submarinas, e definirg1globo esporteuma vez a controvérsia.

Por quê? Porque, entre 2010 e 2013, houve as grandes descobertasg1globo esporteriquezas na Guiana, foram feitas as grandes concessões, houve a crise do Teknik Perdana – o famoso naviog1globo esporteexploração sísmica petrolífera que foi detido pela marinha venezuelana – e a Guiana disse "basta". E foi falar com o secretário-geral da ONU para solicitar o encaminhamento à CIJ.

O gravíssimo erro da Venezuela foi insistir obstinadamente com o secretário-geral, dizendo que queríamos continuar com a negociação bilateral assistida por um mediador.

Como esse mecanismo não havia funcionado, se nos colocarmos no lugar do secretário-geral, entenderemos por que ele deu razão à Guiana e não à Venezuela.

O que a Venezuela deveria ter feito seria propor uma mediação, uma conciliação ou arbitragem, ou seja, recorrer a outros meiosg1globo esportesolução pacíficag1globo esportecontrovérsias previstos na Carta da ONU e que não contemplam a CIJ, que é mais conveniente para a Guiana.

Quando existe uma mediação, as partes procuram uma solução justa e prática. Na CIJ, o tema é estritamente jurídico. Ali será definido se a sentença arbitralg1globo esporte1899 é ou não válida. E demonstrar isso é muito caro e complicado.

É um tema que nós sempre quisemos evitar. Quando existe algo julgado, os juízes tendem a defender que o assunto foi encerrado.

Nós temos o argumentog1globo esporteque foi assinado o Acordog1globo esporteGenebra e, por isso, é preciso buscar uma solução prática, mas é o que nós deveríamos ter promovido.