'Perdi a foto do meu pai, que morreu quando eu era criança': o luto pelos objetos que carregam históriasapp aviator betanovida no RS:app aviator betano

Na tentativaapp aviator betanoamenizar a tristeza que ela sentiria ao olhar os estragos pessoalmente, o marido e o filhoapp aviator betanoSabrina chegaram a fazer vídeos do local ainda alagado para que ela se acostumasse.

De nada adiantou.

Quando ela voltou para casa, precisou quebrar o que restou da cama para acessar os gavetões que guardavam os álbunsapp aviator betanofotos que ainda boiavam na água acumulada durante a enchente.

Os mais significativos para ela são os álbunsapp aviator betanocasamento da mãe,app aviator betano1973, e o que possui as fotos do aniversárioapp aviator betano15 anos dela,app aviator betano1993.

"A reação ao encontrar a casa alagada foi muito difícil. Foram diasapp aviator betanomuito choro, muita tristeza. Os bens materiais, nós trabalhamos e podemos reconquistar. Mas o quadro, os álbuns, as fotos e as memórias são tão lindos e não tem como refazer ou recomprar. São memórias muito fortes", diz chorando à reportagem.

A BBC News Brasil conversou com pessoas que perderam objetosapp aviator betanogrande valor sentimental nas enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul. São objetos pessoais e lembrançasapp aviator betanofamília que foram tomados pela lama.

Todos os entrevistados se emocionaram enquanto relembravam suas histórias.

Alexandre Valverde, psiquiatra com mestradoapp aviator betanofilosofia contemporânea na universidade francesaapp aviator betanoSorbonne, encoraja as pessoas a guardarem essas lembranças significativas, mesmo que danificadas, para que elas sejam lembradas no futuro como parte dessa história.

“A perda desses objetos pode levar à sensaçãoapp aviator betanouma faltaapp aviator betanoconsistência,app aviator betanouma faltaapp aviator betanonós. Se privar deles pode significar a privação do acesso imediato a essas histórias”, diz.

Marcas que contam histórias

Em entrevista à BBC, o psiquiatra Alexandre Valverde afirma que há maneiras diferentesapp aviator betanolidar com a perdaapp aviator betanomemórias, mas ele indica que a melhor delas é assumir o que aconteceu.

“Se você tem ali um resquício daquele objeto, guarde-o como uma relíquia que sobreviveu, pois ele não só conta a história do quadrinho que estava preservado, mas do acidente também. Se você tem um quadro mofado ou com lama, a partirapp aviator betanoagora ele vai também ser um testemunho dessa tragédia”, diz.

O psiquiatra diz que assumir as marcas deixadas pela tragédia ajuda a superar este ciclo, entender o que passou e deixar lições para o futuro.

Ele lembra que há inclusive uma técnica usada na cultura japonesa, chamada Kintsugi, que busca não apenas restaurar, mas também ressaltar as emendasapp aviator betanocerâmicas quebradas. As rachaduras são coladas com uma resina colante, geralmente com ouro ou prata.

O ouro, segundo ele, tem um significado simbólicoapp aviator betanodar valor àquela experiência.

“Isso é uma maneiraapp aviator betanovocê assumir e se apropriar daquele fato, não fingir que ele não aconteceu, não tentar disfarçar que aquilo não se produziu, não tentar esconder aquela questão. É assumir que você passou por aquilo e que aquele objeto carrega um novo significado. Ele resistiu e agora carrega essa históriaapp aviator betanosi”.

Aniversárioapp aviator betano15 anos e foto do pai

A caixaapp aviator betanosupermercados Paola Meneghetti,app aviator betano27 anos, perdeu a foto que ela mais gostava do aniversário delaapp aviator betano15 anos. Cuidadosamente emoldurada num quadro, a foto foi completamente danificada pela enchente que cobriu até o teto a casa onde ela mora na cidadeapp aviator betanoEldorado do Sul.

A área urbana do município ficou 100% alagada durante as inundações que atingiram a região.

“Dá uma tristeza muito grande ver a foto assim, mas graças a Deus eu tenho toda a minha família viva. E, se isso aconteceu, foi vontadeapp aviator betanoDeus e ele deve ter um propósito melhor para todos nós”, diz.

Paola conta que chorou muito ao perceber que a imagem que ela guardava com mais carinho também foi destruída pelas águas. Trata-seapp aviator betanouma foto pequena do pai, que faleceu quando ela tinha 6 anos, e que ficava no fundoapp aviator betanoum pequeno binóculo antigo.

“Minha vó me deu essa foto quando eu tinha 6 anos. Ela ficava dentroapp aviator betanouma caixinha para não pegar sujeira e hoje eu a encontrei destruída. Fiquei muito triste mesmo. Só consegui salvar umas fotos que eu tinha guardado dentroapp aviator betanoum sacoapp aviator betanolixo e uma bíblia”, diz.

Ela diz que vai reconstruir a vida, ao lado do marido, na cidadeapp aviator betanoEldorado do Sul. Mas afirma que não continuará no municípioapp aviator betanocasoapp aviator betanouma nova enchente.

“A gente deixaapp aviator betanotomar um açaí,app aviator betanocomer algo bom e se privaapp aviator betanomuitas coisas para ter algo melhor para a água vir e destruir tudo. A gente não pode viver só para trabalhar e construir algo que dura meses. Se alagar assimapp aviator betanonovo, a saída é se mudar”, afirma.

O psiquiatra Alexandre Valverde afirma que todo esse estresse causado tanto pela perdaapp aviator betanobens com valor afetivo quanto pela dificuldadeapp aviator betanorestabelecer a vida normal pode causar uma sérieapp aviator betanotranstornos mentais.

“Toda essa situaçãoapp aviator betanoinsegurança pode causar um transtornoapp aviator betanoestresse pós traumático, que pode se manifestar como uma ansiedade crônica, uma depressão crônica e uma sérieapp aviator betanooutras características próprias desse transtorno”, diz.

A melhor maneiraapp aviator betanoevitar isso, segundo ele, é fazendo acompanhamento psicológico e buscar apoio no convívio coletivo. Ele diz que a união da vida comunitária é uma maneiraapp aviator betanose recomporapp aviator betanomaneira mais consistente, principalmente num cenárioapp aviator betanoque bairros e cidades inteiros foram afetados pelo mesmo problema.

Lembranças da avó

Moradora do bairro Humaitá,app aviator betanoPorto Alegre, a auxiliar administrativo Liziane Ribeiro teveapp aviator betanocasa completamente inundada durante as enchentes. Nesta quinta-feira (30/5), quando retornou para fazer a primeira limpeza na casa, um ex-colega delaapp aviator betanotrabalho que a ajudava na faxina encontrouapp aviator betanomeio à lama um álbumapp aviator betanofotos antigo, com imagensapp aviator betanofamília.

“Eu já chorei muito. Perdi tudo o que eu tinha, mas o que a gente mais sente falta são as memórias, as fotos, os álbuns. Só encontrei esse álbum graças a meu amigo. Nele tem fotos muito importantes, incluindo quatro ou cinco fotos que tenho com a minha mãe, que morreu quando eu tinha 7 anos. Vou tentar salvá-las”, diz com tomapp aviator betanoangústia.

Liziane também demonstra surpresa por ter conseguido recuperar uma planta que ela comprou pouco antes do alagamento e que tinha muito carinho. Por outro lado, se entristece por não ter conseguido recuperar a bíblia e o casaco que pertenciam a avó e que ela usava no diaapp aviator betanoque faleceu.

“Alémapp aviator betanotudo isso, não tenho mais uma cama, uma TV, não tenho nada. Não consegui praticamente nenhuma doação. Só tenho quatro ou cinco peçasapp aviator betanoroupa que minha família deu. Estou morando na casa do meu filho desde a enchente e tive mais dificuldadeapp aviator betanoconseguir doações porque não estavaapp aviator betanoabrigo”, conta.

Bandeira e estandarte

Beatriz Gonçalves Pereira, conhecida como Bia da Ilha,app aviator betano62 anos, ainda não tem certeza do estrago causado pelas enchentes na comunidade onde ela vive na Ilha da Pintada,app aviator betanoPorto Alegre. Desde o início das enchentes, ela só voltou até o local uma vez num barco a remo, mas até hoje a água não baixou completamente.

A casaapp aviator betanomadeira funciona como escolaapp aviator betanosamba, centroapp aviator betanoumbanda e quilomboapp aviator betanoresistência. Mas, além dos instrumentos musicais, fantasias e objetos pessoais, o que ela mais se preocupa é o estandarte da escolaapp aviator betanosamba Unidos do Pôr do Sol, da qual é presidente.

“Meu maior desejo é encontrar o estandarte, a bandeira, o meu congá. Com o tempo que a água está lá, não vamos aproveitar nenhum tecido. Conversei com a minha mãe para a gente guardar tudo o que conseguirmos recuperar para provar que tudo isso existia”, conta chorando à reportagem.

Ela diz que tem esperançaapp aviator betanoque consiga restaurar alguns instrumentosapp aviator betanotecido sintético, mas está sem esperançasapp aviator betanoreformar fantasias e adereçosapp aviator betanocouro.

Mãeapp aviator betanosanto, Bia da Ilha é uma referência para a comunidade negra na Ilha da Pintada. Ela foi grafitada na lateral do prédio do Departamento Autônomoapp aviator betanoEstradas e Rodagem (Daer) e da Procuradoria-Geral do Estado (PGE), na região centralapp aviator betanoPorto Alegre.

A obra, da suíça Mona Caron e do paulista Mauro Neri, foi feitaapp aviator betanohomenagem aos 250 anos da capital gaúcha.

Bia conta à reportagem que o último desfile da Unidos do Pôr do Sol ocorreuapp aviator betanomarço, num carnaval adiado por conta das chuvas que alagaram a regiãoapp aviator betanonovembroapp aviator betano2023.

Mesmo após ter a casa e a escolaapp aviator betanosamba destruídas pela enchente, Bia diz que entende o que ocorreu e que vai reconstruir tudo mais uma vez.

“A natureza é soberana, os rios sangram e só buscam o que é deles. Vamos nos reerguer e eu vou embora, mas essa história vai ficar para dar ânimo e força para que a juventude negra, as crianças e adolescentes não tenham medo, mas respeitem a natureza”, diz.

Assim como Bia da Ilha, Sabrina diz que vai fazer o possível para restaurar os álbuns da família e preservar as recordações.

Ela diz que especialmente o quadro tem um valor sentimental incalculável para ela e que olhar para a arte pintada pela mãe já falecida é o mesmo que se aproximar dela.

“Minha mãe era uma mulher maravilhosa e eu amo este quadro porque me lembra muito dela. Eu encontrei uma pessoa abençoada que vai tentar restaurá-lo. Vai ser muito especial porque uma perda dessa seria irreparável”.