Viajar no tempo é possível? O que diz a Física:
Mas e no mundo real? Será que, algum dia, conseguiremos construir uma máquina do tempo e viajar para o passado distante, ou ver nossos tatatatatatatataranetos no futuro?
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Para responder a esta pergunta, é preciso compreender como realmente funciona o tempo — algo que os físicos estão longeconhecer com certeza.
A velocidade do tempo
O que podemos afirmar com convicção no momento é que viajar para o futuro é possível, mas voltar ao passado pode ser extremamente difícil, ou absolutamente impossível.
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Vamos começar com a teoria da relatividadeAlbert Einstein (1879-1955). Ela descreve o que é o espaço, o tempo, a massa e a gravidade.
Uma conclusão fundamental da teoria da relatividade é que o fluxotempo não é constante. O tempo pode acelerar ou andar mais lentamente, dependendo das circunstâncias.
"É aqui que pode entrar a viagem no tempo, ela é cientificamente precisa e existem repercussões no mundo real", afirma a astrofísica Emma Osborne, da UniversidadeYork, no Reino Unido.
O tempo passa mais devagar, por exemplo, se você viajaralta velocidade — embora seja preciso chegar perto da velocidade da luz para observar efeitos significativos.
Tal fenômeno gera o paradoxo dos gêmeos,que umdois gêmeos idênticos se torna astronauta e saidisparada pelo espaço, perto da velocidade da luz. Enquanto isso, o outro irmão permaneceterra firme.
O resultado é que o astronauta irá envelhecer mais lentamente do que o irmão gêmeo que mora na Terra.
"Se você viajar e voltar, você realmente será mais jovem que o seu irmão gêmeo", segundo o físico quântico Vlatko Vedral, da UniversidadeOxford, no Reino Unido.
Os gêmeos Scott e Mark Kelly viveram uma experiência parecida entre 2015 e 2016, quando Scott passou meses no espaço, mesmo não tendo atingido velocidades próximas à da luz.
Da mesma forma, o tempo passa mais devagar se você estiverum campo gravitacional intenso, como um buraco negro.
"Acabeça envelhece mais rápido que os seus pés, pois a gravidade da Terra é mais forte nos pés", segundo Osborne.
Doctor Who abordou este fenômeno no final da10ª temporada. No episódio intitulado World Enough and Time ("Mundo e Tempo Suficientes"), o Doutor e seus amigos ficam presosuma espaçonave pertoum buraco negro.
Na frente da nave, mais perto do buraco negro, o tempo passa mais lentamente do que na partetrás. Com isso, um pequeno grupocybermen (raça fictíciaciborgues) na parte traseira da nave consegue se transformarum imenso exércitoquestãominutos, do pontovista do Doutor.
Esse mesmo efeito da gravidade sobre o tempo também foi incluído no roteiro do filme Interestelar (2014),Christopher Nolan.
No nosso dia a dia, esses efeitos da teoria da relatividade são pequenos demais para podermos observá-los. Mas eles afetam os satélites que usamos para nos orientar pelo GPS, o sistemaposicionamento global.
"Os relógios no céu andam mais rápido que os relógios na Terra" e precisam ser constantemente acertados, segundo Osborne.
"Se não acertássemos, o Google Maps apresentaria erroscerca10 km por dia."
E quanto ao passado?
A teoria da relatividade indica que é possível viajar para o futuro. E, na verdade, não precisamos nem mesmouma máquina do tempo.
Precisamos "apenas" viajarvelocidades próximas à da luz ou passar algum tempoum campo gravitacional intenso.
Na teoria da relatividade, essas duas ações são essencialmente equivalentes. Das duas formas, você irá atravessar um períodotempo subjetivo relativamente pequeno, enquanto décadas ou séculos se passam no restante do Universo.
Portanto, se você quiser observar o que irá acontecer daqui a centenasanos, aqui está a receita.
Mas visitar o passado parece ser extremamente mais difícil.
"Pode ser possível ou não", segundo o físico teórico Barak Shoshany, da Universidade BrockSt. Catharines, no Canadá.
"No momento, os conhecimentos que temos são simplesmente insuficientes, possivelmente teorias insuficientes."
A relatividade oferece algumas opções para viagens para trás no tempo, mas elas são muito mais teóricas.
"As pessoas ficam amarradasnós (teóricos), tentando encontrar formasredisposição do espaço-tempo para fazer com que a viagem ao passado seja possível", segundo a cosmóloga teórica Katie Mack, do InstitutoFísica Teórica PerimeterWaterloo, no Canadá.
Uma forma é criar o que os físicos chamamuma curva fechadatipo tempo — um caminho através do espaço e do tempo que volta ao princípio sobre si mesmo.
Uma pessoa que seguisse esse caminho acabaria por se encontrarvolta ao mesmo tempo e lugaronde começou.
O filósofo e matemático austríaco Kurt Gödel (1906-1978) publicou uma descrição matemática desse caminhoum estudo1949. Outros cientistas depois também formularam teorias sobre isso.
Mas esse não parece ser um caminho promissor, por diversos motivos.
"Não sabemos se isso existealgum lugar do Universo", afirma Vedral.
"Na verdade, é algo puramente teórico, não existem evidências."
Também não está tão claro como isso pode ser feito.
"Mesmo se tivéssemos poderes tecnológicos muito maiores do que temos atualmente, parece improvável que conseguíssemos criar curvas fechadastipo tempopropósito", afirma a filósofa Emily Adlam, da Universidade Chapman na Califórnia (Estados Unidos).
E, segundo Vedral, mesmo se pudéssemos, não iríamos querer fazê-lo.
"Você estaria literalmente repetindo exatamente a mesma coisa inúmeras vezes", afirma ele.
Doctor Who exibiu uma configuração parecida no clássico episódio Heaven Sent ("Enviado pelo Paraíso"), da nona temporada da série.
Nele, o Doutor vive as mesmas horas repetidas inúmeras vezes por bilhõesanos. Mas não havia uma curva fechadatipo tempo, apenas o uso repetidoum aparelhoteletransporte.
Cordas cósmicas e buracosminhoca
Em um estudo1991, o físico americano Richard Gott apresentou uma descrição matemáticaum cenário similar. Nele, duas "cordas cósmicas" se moviam uma atrás da outra,direções opostas. Segundo seus cálculos, isso criaria curvas fechadastipo tempotorno das cordas.
Parece uma solução viável, mas onde podemos encontrar um parcordas cósmicas?
Elas são fenômenos hipotéticos que podem ter se formado logo no início do Universo, segundo algumas teorias. Mas, até agora, nenhuma foi encontrada.
"Não temos razões para acreditar que as cordas cósmicas existam", segundo Katie Mack.
E, mesmo se elas existirem, encontrar duas delas se movendo livrementeparalelo seria um golpesorte inacreditável.
"Não temos razão para acreditar que isso possa acontecer", afirma ela.
Mas a teoria da relatividade oferece outra possibilidade: os chamados "buracosminhoca" no espaço.
Teoricamente, é possível dobrar o espaço-tempo como se fosse uma folhapapel. Poderíamos, então, perfurar um túnel através do espaço-tempo para criar um atalho entre duas partes separadas por longa distância.
"Os buracosminhoca, teoricamente, são possíveis na relatividade geral", segundo Vedral.
Mas, aqui, os problemas novamente se acumulam. Em primeiro lugar, não temos evidênciasque os buracosminhoca realmente existam.
"Foi demonstrado matematicamente que eles podem existir, masexistência física é outra questão", afirma Osborne.
E, se eles realmente existirem,vida será incrivelmente curta.
"Muitas vezes, os buracosminhoca são descritos como dois buracos negros que se uniram", segundo Osborne. Por isso, o buracominhoca teria um campo gravitacional incrivelmente intenso.
"Ele desabaria sobprópria gravidade."
Os buracosminhoca reais também teriam tamanho microscópico. Seria impossível colocar uma bactéria dentro deles, muito menos uma pessoa.
Teoricamente, estes dois problemas podem ser resolvidos, mas à custauma enorme quantidadealgo conhecido como "energia negativa".
Ela pode ocorrer na menor escala absoluta, dentroespaços menores do que os átomos.
Um campoenergia deve ter energia geral positiva, mas pode haver minúsculos bolsõesenergia negativa no seu interior, segundo Osborne.
"Seria preciso fazer com que esses minúsculos bolsõesenergia negativa local se expandissem", explica ela.
"Não acho que seja possível,nenhuma forma."
Vedral acrescenta que esta "não parece ser uma proposta muito realista".
As lições e as dúvidas da física quântica
Até aqui, falamos sobre as viagens no tempo com base na relatividade. E quanto à outra grande teoria do Universo, a mecânica quântica?
Enquanto a relatividade descreve o comportamentograndes objetos, como seres humanos e galáxias, a mecânica quântica descreve o muito pequeno — particularmente, partículas menores que os átomos, como elétrons e fótons. E, nessas escalas muito pequenas, as formasoperação da física confundem a nossa intuição.
Uma das observações curiosas que surgiram da teoria quântica é a não localidade. Uma alteração no estadouma partículaum local pode influenciar instantaneamente outra partícula "entrelaçada"outro lugar. Einstein chamou este fenômeno"ação fantasmagórica à distância".
Tal fenômeno já foi "demonstrado experimentalmente várias vezes"pesquisas vencedoras do Prêmio Nobel, segundo Emily Adlam.
"Muitos físicos não estão nada satisfeitos com a possibilidade da não localidade", afirma ela.
Isso porque, para que o efeito seja instantâneo, a informação deve ser transmitidaum local para outrovelocidade maior que a da luz — o que, supostamente, é impossível.
Em resposta, alguns físicos propuseram formas alternativasinterpretar esses experimentos. E essas interpretações eliminam a não localidade — mas interferem na nossa compreensão do tempo.
"Em vezter um efeito não local instantâneo, você simplesmente enviaria o seu efeito para o futuro e,algum ponto, ele daria meia-volta e retornaria para o passado", explica Adlam.
"Pareceria algo instantâneo." Mas, na verdade, o efeito teria viajado para o futuro e voltado.
Esta interpretação parece introduzir a "retrocausalidade" — ou seja, eventos futuros causando efeitos no passado.
É uma explicação que contraria a nossa intuição. Nós imaginamos que os eventos acontecemlinha reta, do passado até o presente e então para o futuro.
Mas, nessas peculiares configurações quânticas, as informações podem viajar para o futuro e, então, voltar para o passado.
A primeira questão a ser observada é que esta interpretação dos experimentos está longeser universalmente aceita. Muitos físicos quânticos defendem que introduzir a retrocausalidade é tão perturbador quanto a não localidade, ou até pior.
Mesmo se a retrocausalidade for real, ela provavelmente não irá nos transformarSenhores do Tempo.
Para Adlam, "a retrocausalidade não é bem a mesma coisa que a viagem no tempo".
De um lado, todas as nossas observações sobre a não localidade envolvem quantidades minúsculaspartículas. Aumentar aescala para o tamanho humano, ou mesmo para algo menor, como uma folhapapel, seria um enorme desafio.
Segundo Adlam, até mesmo enviar uma mensagem para o passado é impossível. "A retrocausalidade é camuflada muito especificamente pelaformaimplementação."
Para compreender melhor a questão, penseum experimento. Vamos supor que João realize uma medição no laboratório. Mas o seu resultado dependeuma medição que Bete irá fazer mais tarde.
Em outras palavras, o experimentoBete no futuro controla o resultado do experimentoJoão no passado. Mas isso só funciona se o experimentoBete destruir todos os registros do que João fez e observou.
"Em certo sentido, você meio que estaria enviando um sinal para o passado, mas apenas destruindo todos os registrostudo o que aconteceu", explica Adlam. "Você não conseguiria fazer uso prático disso, pois precisaria necessariamente destruir os registros da realização e envio daquele sinal."
É isso o que acontece. Na nossa compreensão atual do Universo, podemos potencialmente viajar para o futuro, mas visitar o passado pode ser completamente impossível.
A única lacuna restante é o fatoque estamos nos baseandoteorias incompletas. A relatividade e a mecânica quântica funcionam muito bem para certos aspectos do Universo, mas elas não são compatíveis entre si.
Ou seja, precisamosuma teoria mais profunda que unifique as duas, que ainda não foi desenvolvida, mesmo depoisdécadasesforços.
"Enquanto não tivermos essa teoria, não podemos ter certeza", afirma Barak Shoshany.
E é claro que existem outras formasanalisar esta questão. No tempo necessário para ler esta reportagem, por exemplo, você já viajou cercasete minutos. Por isso, seja bem-vindo ao futuro!
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.